Um levantamento feito pelo Sebrae com 3.020 micro e pequenas empresas mostrou que 20% delas já tiveram pedido de empréstimo negado pelos bancos. Destas, 21% apontaram que a recusa ocorreu porque as instituições não tinham linhas específicas para suas necessidades.
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Para suprir este gargalo, o governo federal decidiu sancionar a lei da Empresa Simples de Crédito (ESC). O objetivo é oferecer financiamentos e empréstimos exclusivamente para microempreendedores individuais (MEI), microempresas e empresas de pequeno porte (MPEs) com operações locais.
Ou seja: o cidadão poderá abrir uma empresa e emprestar dinheiro a pequenos negócios da sua cidade, uma espécie de volta do empréstimo “olho no olho”.
A expectativa do governo é injetar R$ 20 bilhões de crédito nas MPEs, considerando o surgimento de mil ESCs. " A ESC entraria justamente nesse ponto, permitindo que pequenos empresários emprestem para pequenos empresários, sem as formalidades do sistema financeiro. Esse mecanismo possibilitará ainda que uma gama de MPE não-bancarizada tenha acesso ao crédito", afirma Taniara Castro, coordenadora de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae Rio.
Ela destaca que o levantamento do Sebrae também mostra que 30% das MPEs não têm qualquer relação com bancos como pessoa jurídica. Esse percentual sobe para 55% entre os MEIs. "O ponto positivo é o contato mais próximo entre os donos do financiamento e as pequenas empresas, podendo facilitar o diálogo e a cobrança e fazer com que o crédito oferecido se encaixe melhor em cada modelo de negócio", considera.
Rita Carvalho é exemplo disso. Com experiência em treinamentos, ela decidiu empreender nesta área após sair do mundo corporativo, e teve dificuldade de conseguir financiamento para montar um escritório. "Fui até ao banco aonde tenho um financiamento imobiliário e, como não tinha como comprovar o faturamento, não consegui o crédito ", conta.
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A ideia e a intenção são boas. Porém, na opinião de Caio Ramalho, coordenador do MBA em Private Equity, Venture Capital e Investimentos em Startups da FGV, as fintechs (bancos digitais) já estão fazendo este trabalho com mais tecnologia para análise de crédito e capacidade de captar recursos. "A ESC tem um problema de escala. Pela legislação, a empresa não pode ter filiais em outras regiões, o que cria um limite para seu desenvolvimento. Em vez de criar um novo sistema, porque não estimular a fintech? A escala, a alavancagem e uma estrutura mais profissional somadas criariam uma competitividade muito maior.", explica.
Concorrência acirrada
O argumento para a criação da ESC é chegar aos locais mais distantes do País, com pouco acesso à internet. O professor considera que, por não ter escala, esta empresa pode ter aumento do custo operacional e, em consequência, uma taxa maior. "Com certeza vai atingir determinadas regiões que os bancos ignoram. Mas não me parece que vai resolver o problema e destravar todo o crédito para micro e pequenos empresários", finaliza.
Para Márcio Cerbella, consultor Empresarial e diretor da EMECF Educação Empreendedora, os pequenos empresários serão beneficiados com este aumento de novos jogadores no mercado de crédito. "Concorrência sempre gera movimento e, nesse caso, os bancos vão precisar se mexer, como, aliás, já vêm fazendo de alguma forma, por conta da presença de algumas fintechs que, mesmo diante das dificuldades para existir, trouxeram novas possibilidades ao mercado financeiro", afirma.
O fantasma de uma possível regulamentação da agiotagem também paira. O economista e consultor Sérgio Melo, sócio da SM consultoria, acredita que muitos aproveitarão a oportunidade para se formalizar, tornando a prática da agiotagem uma atividade legal. "Em vez do agiota trabalhar de forma irregular e ser pego pelo Coaf, ele se transformará em ESC. Para um empresário desesperado, que não consegue dinheiro no banco, se o agiota oferece uma taxa de 4% a 5%, fecha negócio. É fácil vender dinheiro e, agora, vai vender legalmente."
Para fugir das ciladas, antes de pedir umempréstimo com uma ESC, o microempresário deve tomar uma série de cuidados. Filipe Pires, professor do MBA em Finanças do IBMEC, diz que, primeiramente, é preciso certeza de sua formalidade. "A razão social da sociedade deve conter a expressão “Empresa Simples de Crédito” e não pode constar a expressão “banco” ou qualquer outra expressão identificadora de instituição financeira", diz.
Depois, veja se as taxas estão de acordo com as principais linhas do sistema bancário. Além disso, lembra Pires, a ESC não pode cobrar taxa de análise de crédito nem pela abertura de cadastro. "Se tiver cobrança antecipada, informe ao Banco Central e ao Procon."
Modelo empresarial
A ESC poderá ter três tipos de modelo empresarial: empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), empresário individual ou sociedade limitada.
Volume de operações
O volume de operações está limitado ao seu capital social. Ou seja, ela só pode emprestar recursos próprios. A fonte de receita é, exclusivamente, oriunda dos juros recebidos das operações. Não poderá contrair empréstimos para poder emprestar mais.
Receita
Cada pessoa física pode participar de apenas uma ESC, e não são permitidas filiais. A receita bruta anual não pode ser superior a R$ 4,8 milhões.
Tributação
O regime de tributação será pelo Lucro Real ou Presumido, não podendo, enquadrar-se no Simples Nacional.
Localização
A atuação da empresa é restrita ao município e à vizinhança.
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Regulamentação
As partes farão um contrato. As operações precisam ser informadas a uma entidade registradora autorizada pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).