Por que militares só devem entrar na segunda parte da reforma da Previdência?

Entenda as peculiaridades da categoria, relembre os desencontros das falas de integrantes do governo sobre o tema e confira as perspectivas para a reforma, que não está na meta dos primeiros 100 dias de governo Bolsonaro

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Militares devem ser incluídos em segunda parte da reforma da Previdência, segundo Bolsonaro

A reforma da Previdência incluirá os militares em uma 'segunda parte'. Ao menos, é o que garantiu o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista à Bloomberg News , em Davos, Suíça, onde esteve para o Fórum Econômico Mundial.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), revelou que o plano "já está acertado há muito tempo", embora o primeiro mês de governo tenha sido marcado, entre outras coisas, pelos desentendimentos em relação à presença ou não dos militares na reforma,. Ministros do núcleo militar do governo chegaram a se posicionar de forma contrária à inclusão da categoria na reforma da Previdência , enquanto Paulo Guedes, ministro da Economia, e Hamilton Mourão, vice-presidente, afirmaram que as novas regras devem "valer para todos".

O governo não detalha qual será a proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso, mas aborda o tema regularmente dando algumas indicações, como a economia prevista em um período de dez anos após entrada em vigor, que pode chegar a R$ 1,3 trilhão, segundo Guedes . "Isso terá um poderoso efeito fiscal e vai resolver por 15, 20, 30 anos", afirmou o ministro, reiterando a necessidade de aprová-la, dizendo que "é isso ou seguimos [o exemplo da] Grécia", relembrando um país que viveu grave crise econômica nos últimos anos, sobretudo por conta do descontrole de gastos públicos e da situação previdenciária.

O mercado financeiro vê com bons olhos o plano de reformas estruturais, que é o grande mote econômico do governo Bolsonaro , o que se traduz, na Bolsa de Valores brasileira, em sucessivos recordes históricos . O Ibovespa, resultado de uma carteira hipotética de ações das principais empresas que compõem a B3, como é conhecida a Bolsa de São Paulo, já ultrapassou os 95 mil pontos, no dia 17 de janeiro, no maior resultado da série histórica, refletindo o otimismo geral das mais de 300 empresas com ações na B3.

No entanto, nem tudo são flores para a equipe econômica. A reforma da Previdência é um tema delicado, impopular e alvo recorrente de críticas e denúncias de "cortes de direitos". O governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) não conseguiu aprová-la no Congresso, além de ter sido fortemente atacado por setores da sociedade civil brasileira. O emedebista terminou o mandato com a menor aprovação de um presidente na história brasileira. Um dos motivos de desaprovação foi a exclusão dos militares da reforma, algo que, em um governo liderado por um capitão reformado – Bolsonaro – e um general do Exército – Mourão – poderia representar impactos ainda mais significativos, podendo, inclusive, dificultar a governabilidade de um projeto recém-iniciado.

Como funciona a aposentadoria dos militares?

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Edson Leal Pujol, comandante do Exército, chegou a cobrar militares fora da reforma da Previdência

Consenso até mesmo entre as falas desencontradas de ministros e as 'posições oficiais' do presidente é que a aposentadoria dos militares e a dos civis são diferentes, tendo em vista que a carreira militar traz peculiaridades e demandas diferentes.

Em outros países do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido e Itália, também há diferenciação entre os regimes de aposentadoria. No entanto, no Brasil, a categoria goza de uma série de privilégios, que elevam os gastos públicos e, inclusive, superaram o rombo da previdência do INSS em 2018 .

No Brasil, os militares ativos e inativos contribuem com 7,5% do salário bruto mais 3,5% para assistência médico-hospitalar, enquanto os civis contribuem com 11% do valor bruto de sua remuneração. Segundo o Ministério da Defesa , eles podem ir para a reserva ou ser reformados (como é o caso de Bolsonaro) após 30 anos de serviço. Uma vez inativos, passam a receber integralmente o valor do último salário em que atuavam.

  • Nos EUA , não há contribuição para um plano específico das Forças Armadas, e, para ter direito a 100% do salário mais alto da carreira, é preciso cumprir 40 anos de serviço, em média;
  • No Reino Unido , os militares também não contribuem para a aposentadoria das Forças Armadas britânicas, porém há uma idade mínima: 60 anos. Após 30 anos de serviço, o benefício passa a ser de 63,8% do último salário recebido em ativa, mais uma parcela complementar contributiva;
  • Na Itália , novamente é usada a idade mínima, que sobe para 61 anos. O militar contribui durante o período em ativa e, depois de atingir a idade necessária, passa a receber o valor do último contra-cheque enquanto atuava;

A remuneração básica de um soldado varia entre R$ 1,5 mil e R$ 1,8 mil no Brasil; de um capitão, é de R$ 9 mil; e de um almirante do ar, de R$ 14 mil. Ainda há a possibilidade de acumular gratificações que podem até dobrar esses valores.

Segundo dados divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo , militares da reserva e reformados das Forças Armadas ganham aposentadoria média de R$ 13,7 mil. Esse valor representa 34,30% a mais do que a remuneração dos servidores públicos civis, que é de R$ 9 mil, e 86,86% acima do benefício médio pago pelo INSS, de R$ 1,8 mil, ao restante dos trabalhadores brasileiros.

Os argumentos da categoria para não serem incluídos na reforma vão de perdas e defasagem de salários desde 2002 – ano que sucedeu a reforma da Previdência feita durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – até o argumento principal, que é não ter direito a férias e estar sempre à disposição.

"Estamos sempre prontos a colaborar com a sociedade. Mas o primeiro ponto, que é constitucional: os militares não fazem parte do sistema previdenciário, como na maior parte dos países do mundo. É uma situação diferenciada", afirmou o general Edson Pujol, comandante do Exército, em sua cerimônia de posse, em 11 de janeiro deste ano .

"Nós temos uma diferença muito grande de qualquer outro servidor público ou privado. Nós não temos hora extra, não temos adicional noturno, não podemos nos sindicalizar", justificou.

O chefe do GSI, Augusto Heleno, disse que os militares sofreram uma série de perdas desde 2002 e que os salários estão muito defasados em relação a outras carreiras do serviço público. No entanto, ele diz que, em caso de necessidade, os militares estarão prontos e não deixarão de colaborar com a reforma.

O comandante do Exército endossa a ideia, afirmando que os militares seguirão o que for estabelecido pelo governo por entender uma possível necessidade. "A nossa intenção, minha, como comandante do Exército, se perguntarem, claro, nós não devemos modificar o nosso sistema. Nós, militares, primeiro, somos disciplinados, obedecemos as leis e a Constituição. Então, se houver uma decisão do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, de mudança, nós iremos cumprir."

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O que pode mudar e por que a segunda etapa da reforma da Previdência?

Foto: Alan Santos/Presidência da República
Paulo Guedes e Bolsonaro trataram da reforma da Previdência no Fórum Econômico Mundial

O governo estuda, segundo Mourão afirmou em entrevista ao Estadão , aumentar o tempo de serviço dos militares de 30 para até 35 anos, adotando novas regras de transição. Além disso, as pensionistas, que hoje não contribuem, podem passar a ter de contribuir assim como um militar, de acordo com o vice-presidente.

"Num primeiro momento, esse aumento vai variar num espaço entre 30 e 35 anos. Seria o novo patamar a ser atingido. E hoje a pensionista não paga nada. Ela passaria a contribuir", afirmou o general Mourão. Benefícios como o acúmulo de duas pensões e remuneração equivalente a dois postos acima na carreira mediante contribuição maior acabaram com a reforma feita no início do milênio.

A estratégia que o governo deve adotar, segundo indicou Bolsonaro em Davos, deverá ser de encaminhar o projeto de lei para os militares logo no início do ano legislativo, já com o novo texto da reforma, para reforçar que todos farão parte do processo de busca pelo equilíbrio da Previdência e das contas públicas do País.

A equipe econômica entende que, além de efetivamente aumentar o corte de gastos, a inclusão dos militares deve aumentar a chance de aprovação do texto pelo Congresso Nacional

As regras de aposentadoria para as Forças Armadas, hoje previstas em lei ordinária, não carecem de emenda constitucional para serem alteradas, o que facilita o processo. Segundo o governo, essa é a razão para o tema não ser incluído na emenda que será apresentada em plenário, uma vez que o governo pretende aproveitar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que já está em tramitação.

Onyx Lorenzoni , ministro-chefe da Casa Civil, apresentou a lista de metas para os primeiros 100 dias de governo , e a reforma, uma das grandes prioridades do governo, não foi incluída. Segundo ele, a questão é complexa e ainda está sendo estudada, mas a proposta deverá ser apresentada em breve.

"Não são todas e nem necessariamente as mais importantes. São metas que o governo vai se empenhar para ter a condição de apresentar após 100 dias de governo. Estamos apresentando metas finalísticas escolhidas pelos ministérios, marcando o compromisso das pastas com esses objetivos", justificou Lorenzoni.

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A expectativa é de que o governo finalize os estudos acerca da reforma da Previdência , apresente a primeira parte da proposta aproveitando a PEC em tramitação proposta pelo governo Temer, adicionando as mudanças desejadas por meio de uma emenda constitucional, para, então, adicionar os militares na reforma com um projeto de lei.

** Gabriel Guedes é editor de Brasil Econômico e Tecnologia do iG. Começou no Portal como estagiário, na semana do primeiro turno das eleições de 2018. Formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, tem passagem pela Rádio Gazeta Online, antiga Gazeta AM.