A economia japonesa desde a década de 1990 tem imposto diversos desafios à compreensão da sua dinâmica econômica. Ao “resgatar” a armadilha da liquidez, conceito que parecia mais uma curiosidade teórica, até que os estímulos monetários pararam de fazer efeito no Japão, o país vem tendo dificuldades para que a sua economia ganhe tração. Nem a forte expansão da base monetária foi suficiente para que a inflação respondesse (claro que os aumentos de impostos não ajudaram muito, pelo contrário).
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Mesmo em um ambiente de pouco crescimento, a taxa de desemprego atingiu um nível muito baixo no Japão . Quando isso acontece, há quem espere que o salário real aumente, já que o mercado de trabalho pode estar mais “apertado” e a disputa dos trabalhadores por parte das empresas levaria ao aumento dos salários. Não tem acontecido. O salário real estagnou-se e existem diversas hipóteses para explicar o que acontece. Uma combinação de fatores é candidata para explicação do fenômeno: queda na NAIRU, participação e expectativas.
Na ciência econômica definimos a NAIRU, o acrônimo em inglês que representa a taxa de desemprego que não acelera a inflação, como um nível de referência para o mercado de trabalho. Quando o desemprego está acima da NAIRU, a tendência é que a inflação ceda, ao passo que se a taxa de desemprego estiver abaixo dela, os preços devem aumentar mais rapidamente. Alguém poderia argumentar que houve uma queda estrutural na taxa de desemprego japonesa e, portanto, o que vemos é um desemprego que está próximo do nível que não acelera a inflação. Será?
De maneira complementar, utilizemos a taxa de participação para analisar o mercado de trabalho japonês. Essa variável mede o percentual da população que deseja participar do mercado de trabalho.
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Portanto, mede a soma de trabalhadores e desempregados sobre a população do país. No país asiático, essa medida está por volta dos 60% (para referência, já orbitou em torno de 70% nos anos 1950, 65% nos anos 1970, 63% entre 1980 e 2000), nível muito baixo.
Claro que existem fatores demográficos que impõem essa dinâmica. O envelhecimento da população naturalmente diminui a taxa de participação “estrutural” (e a NAIRU). Mas é possível que, mesmo assim, existam aí algumas pistas. Se algumas pessoas deixaram de participar do mercado de trabalho, mas algumas delas poderiam voltar a qualquer momento, há um fator importante a ser considerado. A simples “ameaça” dessa volta poderia disciplinar os salários, mesmo com um desemprego tão baixo.
Quando analisamos as expectativas para a inflação no país, percebemos que, ao contrário de diversos países desenvolvidos, os títulos negociados no mercado financeiro ainda não incorporam um aumento da inflação. Dessa forma, se os agentes não acreditam que os preços irão subir não se sentem estimulados a negociar um salário (nominal) maior. Ao mesmo tempo, se a negociação não aumenta os salários, os custos não sobem, reduzindo a pressão sobre os preços. Os dois vetores (salário nominal e preços) permaneceriam estáveis, segurando o salário real.
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Em suma, o desafio imposto pela demografia e os desdobramentos na NAIRU, aliados a baixa participação da população no mercado de trabalho e às expectativas não-inflacionárias podem ajudar a entender porque o Japão convive com uma taxa de desemprego tão baixa e, mesmo assim, os salários não sobem.
*Por João Ricardo Costa Filho, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP)