No período entre 2000 e 2010 o ganho de confiança da classe C fez com que o empreendedorismo fosse reconhecido e melhor aproveitado nas periferias distribuídas por todo o País. De acordo com a consultoria Data Popular, os negócios movimentados entre os 12,5 milhões de moradores de favelas geraram R$ 68,5 bilhões de renda anual, alta de 56% nos últimos 10 anos.
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Com a ascensão do empreendedorismo e do mercado consumidor nas periferias, empresas saíram de sua zona de conforto a fim de atender uma demanda, que passou a possuir maior relevância econômica em termos nacionais. Entretanto, mesmo com a migração dessas entidades para o ambiente periférico, ainda é possível notar uma deficiência no atendimento, o que gera uma brecha para que pessoas com boas ideias abram seu próprio negócio, e atendam clientes em suas residências ou próximo a elas.
E é em meio a esse cenário empreendedor que está o Fundo de Aceleração para o Desenvolvimento Vela ( FA.VELA ). Com sede na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, o projeto, iniciado em 2014 por 12 fundadores, tem como intuito democratizar a educação empreendedora nas periferias por meio do desenvolvimento do capital humano, intelectual e econômico.
A ideia, segundo o presidente e cofundador do projeto, João Souza, surgiu após os idealizadores terem conquistado o acesso à educação formal e superior, e uma imensa vontade de desenvolver e promover oportunidades nos lugares onde vivem.
Atualmente, o FA.VELA trabalha com dois programas: o FA.VELA RESILIENTE que atua em comunidades da Bacia da Lagoa da Pampulha, a fim de contribuir para o desenvolvimento sustentável. E o “PIPA Voando Alto!”, totalmente voltado para a capacitação empreendedora acerca do desenvolvimento humano.
De acordo com o cofundador, 48 negócios foram gerados em fevereiro de 2017 para “garantir o crescimento e a sustentabilidade dos negócios liderados pelos 35 empreendedores periféricos”.
Entre os empreendedores atendidos está Juraci Rodrigues e seu marido, que após abrirem o primeiro negócio, viram nos cursos oferecidos pelo projeto uma oportunidade de ampliar resultados e adquirir conhecimento para gerir da melhor forma o “Pronto Socorro dos Móveis”, que hoje é a principal fonte de renda do casal.
Após o término do curso de seis meses, a empreendedora afirma que a organização e o desenvolvimento de sua loja estão muito diferentes do que eram. “O que aprendi ao longo do curso me ajudou a renovar a gestão do meu negócio e a ter uma nova visão para coisas que eu não tinha anteriormente, como a divulgação dos meus produtos e atividades. Hoje sei um pouco de marketing, redes sociais e ações sustentáveis para empreender de maneira consciente”.
Juraci também diz ter observado uma melhoria no desempenho do empreendedorismo local de Belo Horizonte após a propagação de ações como o FA.VELA, uma vez que ensinam a produzir, gerir e impulsionar projetos. “Temos que aplicar esse aprendizado para a gente desenvolver e criar cada vez mais. Agora, estamos visando dar mais atenção para a área comercial com a criação de uma linha vintage de móveis”, expôs a empreendedora sobre seus planos futuros.
Diante do crescimento do projeto, Juraci foi apenas uma das 40 mulheres que tiveram os seus negócios impulsionados pela ação, que já atuou ativamente na promoção de 63 empresários. Além da persistência – característica básica para empreender na favela - para participar da ação também é necessário ter mais de 18 anos, possuir ensino fundamental completo, ser morador de periferia e de baixa renda e ter disponibilidade para os dias e horários das aulas fornecidas pelos atuais seis fundadores, quatro colaboradores e 131 voluntários.
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Tipo de negócio
Segundo dados fornecidos pelo projeto, cerca de 42% dos negócios atuam na área de serviços, 40,3% em fabricação de alimentos/artesanato e 17,7% na área comercial.
A predominância das áreas de serviços, na visão de Souza, se deve ao setor comercial, que tem maiores entraves para um pequeno empreendedor do que o de serviços. A questão da locação de um imóvel influencia muito na hora de fechar as contas, e acaba sendo um fator determinante para quem vai ou não abrir um negócio na área. “Assim, destacam-se as iniciativas onde os empreendedores trabalham em casa sob demanda”, conclui.
Madalena: Agência de Arte e Talento
Ao perceberem as mudanças nas demandas do mercado, a produtora Daniella Lago e a jornalista Camilla Lamoglia decidiram inovar e recomeçar o que até então reconheciam como uma empresa de casting, totalmente voltada para o atendimento publicitário.
Foi assim que surgiu a Madalena, agência de arte e talentos que busca atores, modelos e músicos nas periferias brasileiras, a fim de impulsionar carreiras e revelar novos rostos para o mercado audiovisual.
De acordo com uma das idealizadoras, Daniella Lago, a agência conta com uma equipe de profissionais experientes e com networking ativo para lapidar os novos artistas, que por enquanto, estão sendo procurados nas favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo. A ação também visa atender às necessidades de contratantes nas áreas de publicidade e propaganda, eventos, entretenimento e mídias de maneira genuína e humanizada.
A proposta oferecida pela Madalena abrange talentos variados no meio artístico promovendo a diversidade em todos os âmbitos, além de construir carreiras sem deixar de contar quem são os seus protagonistas. Futuramente, a empresa pretende criar um catálogo de artistas, com suas competências e histórias de vida.
“A ideia é apresentar a empresa e nossos talentos para o mercado através de uma linguagem verdadeiramente urbana e que represente nossas comunidades pelo Brasil afora, dando voz a esse segmento”, afirmou a equipe.
Os processos de captação de novos talentos para a agência se iniciarão em breve e ocorrerão de maneira presencial nas periferias cariocas e paulistanas. As novidades serão divulgadas no site oficial da Madalena.
Possibilidades
Enxergar as possibilidades de negócio nas periferias do País é um fator determinante para o cenário macroenconômico, uma vez que, segundo o Data Popular, se juntássemos todas as comunidades, o Brasil teria o seu 5º maior estado em número de habitantes. Ou seja, quando se trata de periferia não estamos nos referindo a uma minoria impotente e, sim a uma massa que pode facilmente mover indicadores econômicos nacionais, com seu poder de produção e compra.
Saber que existem projetos que voltam o olhar para elas e, se engajam em proporcionar oportunidades e quebrar estigmas de um empreendedorismo elitizado acaba sendo benéfico não só para os indivíduos que exploram os negócios, mas também para a comunidade como um todo.
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*Com edição de Flávia Denone