Com vendas em queda, montadoras tentam rever benefícios de empregados

Desde o ano passado, grande parte das montadoras não integrou o reajuste pela inflação aos salários dos funcionários

Com a drástica queda nas vendas de veículos, que em quatro anos despencaram de 3,8 milhões de unidades para esperadas 2 milhões de unidades neste ano, as montadoras aproveitam para rever benefícios há tempos concedidos aos funcionários, sempre tidos como os mais bem pagos na indústria. Também tentam ajustar o quadro de trabalhadores em fábricas que operam com metade da capacidade produtiva.

Foto: Chery
Participação nos Lucros e Resultados (PLR) vem caindo, acompanhando o desempenho setorial

Só em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde estão cinco das maiores fabricantes do País, há 4.170 funcionários declarados ociosos pela Ford, Mercedes-Benz e Volkswagen. A Volvo, de Curitiba (PR), fala em 400 excedentes em seu quadro.

Desde o ano passado, grande parte das montadoras não integrou o reajuste pela inflação aos salários. Aumento real é raro. A Participação nos Lucros e Resultados (PLR) vem caindo, acompanhando o desempenho das empresas.

A Volvo, que em 2013 pagou R$ 30 mil em PLR aos funcionários, no ano passado entregou R$ 12 mil e, este ano, quer que os trabalhadores abram mão de R$ 5 mil, mesmo antes de ter negociado o valor a ser pago. "Podemos até negociar esse e outros itens, mas desde que não ocorram demissões", diz o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba, Nelson Silva de Souza. "Ocorre que a empresa quer reduzir benefícios e ainda cortar 409 vagas."

Na quarta-feira, a fábrica de caminhões e ônibus ficou parada pelo segundo dia seguido, em razão de protesto dos trabalhadores.

Estabilidade

Outro item que já aparece nas demandas de ao menos duas montadoras - Ford e General Motors, e também já citado pela Toyota - é o fim da estabilidade para trabalhadores com doenças profissionais. "Seria um grande retrocesso", diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques.

Até os mecanismos adotados em períodos de crise, como o lay-off (suspensão de contratos de trabalho) e o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) - defendido no governo por empresas e sindicatos - devem ser deixados de lado. Ford e Mercedes-Benz já declararam intenção de não renová-los.

"Não vamos aceitar que as empresas façam uma sangria, até porque há sinais de que o mercado vai se recuperar a partir de 2017", afirma Marques. Ele afirma entender que a situação atual é grave mas acha possível administrá-la com mecanismos como PPE, lay-off e PDVs (programas de demissão voluntária). "Mas, se as empresas insistirem (em cortes), o conflito será grande."

A Mercedes, que afirma ter 2 mil excedentes na fábrica do ABC, vai anunciar nos próximos dias novo plano de PDV e colocará mais um grupo de trabalhadores em licença remunerada por tempo indeterminado. A empresa já tem mais de mil operários em dispensa desde fevereiro.

O PPE, que estabelece redução de jornada e salários em 20% para 8 mil trabalhadores se encerra no fim do mês e, como não será renovado, eles voltarão a trabalhar cinco dias por semana. Hoje, trabalham quatro.

Recentemente, a Toyota apresentou ao Sindicato os Metalúrgicos de Campinas pauta que inclui a contratação de trabalhadores temporários para a fábrica de Indaiatuba (SP) com piso salarial de R$ 1.870, embora para os contratados seja de R$ 2.194. Hoje, a unidade opera com horas extras.

A Toyota também quer aumentar o valor pago pelos trabalhadores para o vale-transporte e o vale-refeição e adotar a co-participação no convênio médico (o funcionário paga parte das consultas e exames). "Só esses três itens representam R$ 350 a menos no salário do trabalhador", afirma o presidente do sindicato, Sidalino Orsi Júnior.

Ford, Mercedes-Benz e Volvo confirmam que estão negociando com as entidades sindicais a flexibilização das relações trabalhistas e formas de compensação para manutenção do nível de empregos, mas não dão detalhes das propostas. A Volkswagen e a Toyota não comentaram o assunto.