O Brasil vive um momento de desvalorização do mercado imobiliário e de recorde histórico no volume de devoluções de imóveis comprados na planta, os chamados distratos. Embora as notícias sejam ruins para o setor, há quem possa se beneficiar com a queda dos valores dos imóveis: aqueles que pouparam e hoje tem reserva para aproveitar os preços baixos e comprar um imóvel para uso próprio. Mas antes de analisar as opções de compra de um imóvel, é importante entender o atual contexto do mercado imobiliário.
O preço dos imóveis registrou queda real de 8,85% nos últimos 12 meses, de acordo com o índice FipeZap de fevereiro, o que significa que o aumento nos valores foi menor que a inflação esperada pelo período. Nos últimos 12 meses, nenhuma das 20 cidades pesquisadas apresentou alta real nos preços. Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro, Recife, Niterói e Distrito Federal foram mais além da valorização abaixo da inflação: tiveram queda nominal nos valores, ou seja, os preços realmente caíram.
Isso se deve, em grande parte, à falta de confiança dos consumidores brasileiros, abalada pelos rumos da política econômica. "Estamos vivenciando uma conjuntura macroeconômica que está levando as pessoas a não adquirir novos ativos", de acordo com o sócio-presidente da França Participações e especialista em crédito imobiliário, negociações e formação de conselhos de administração, Luiz Antônio França.
De acordo com o professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Seixas, outro fator importante que contribui para a queda dos preços dos imóveis é o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de imóveis de lançamentos. "Vimos um excesso de oferta de lançamento em um momento de euforia do mercado imobiliário, mas houve um resfriamento na economia nos últimos dois anos, que teve como consequências a diminuição da renda média, a redução do número de famílias que têm poder de compra e o aumento da taxa de juros, que encarece o financiamento imobiliário”.
Consórcio ou financiamento?
Dito tudo isso, a dúvida ainda continua: qual é a melhor maneira para se adquirir um imóvel? Será que vale a pena fazer um consórcio, ou é mais vantajoso fazer um financiamento?
De acordo com o professor Pedro Seixas, o consórcio é hoje uma modalidade interessante porque as taxas de juros de financiamento imobiliário estão caras. O cenário atual de estabilização do preço, ao contrário do cenário dos últimos anos, de valorização dos imóveis, também torna esse recurso atrativo. Isso quer dizer que o consumidor não corre o risco de ter o valor que contratou no consórcio defasado rapidamente. Em épocas de valorização do setor imobiliário, o consorciado que é contemplado no final do consórcio corre o risco de não poder comprar um imóvel no padrão que imaginava por causa da elevação dos preços.
A ausência de juros (que pode diminuir o custo final do imóvel), a possibilidade de usar até 10% do crédito para pagamento de despesas vinculadas ao bem adquirido (como transferência de propriedade, tributos e registros cartoriais) e até 100% do saldo da conta do FGTS para oferecer um lance são algumas das vantagens do consórcio.
Mas não há unanimidade quanto à escolha do consórcio nesse momento de desvalorização do mercado imobiliário. França, por exemplo, não enxerga no consórcio uma modalidade atrativa a ser adotada.
“Se a pessoa tem capacidade de financiamento hoje e existem boas ofertas para ele, ele deve adquirir o imóvel hoje. Quando você compara a taxa de juros com a taxa DI (dos certificados de depósitos interbancários, títulos emitidos pelos bancos como forma de captação ou aplicação de recursos excedentes) você se dá conta de que a taxa de juros não está um absurdo. Do ponto de vista técnico, tomar um empréstimo não é um mau negócio, sem falar que empréstimos de longo prazo implicam em parcelas menores”.
A Caixa Econômica Federal anunciou na última segunda-feira (7) que os funcionários públicos poderão financiar até 80% do valor de um imóvel usado, e os trabalhadores do setor privado, 70%.
Embora a notícia possa parecer atrativa para os consumidores, ela não é capaz de restaurar a confiança dos compradores em potencial, de acordo com Paulo Roberto Rossi, presidente executivo da Abac (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios). “Ainda que a Caixa tenha diminuído o valor da entrada, o consumidor não se sente seguro para comprar um imóvel agora, por conta de, entre outros fatores, a inflação alta e a taxa de desemprego elevada.
Números de uma pesquisa realizada pela Abac mostram que houve aumento da procura por consórcios entre os anos de 2014 e 2015. O setor registrou crescimento de quase 42% na venda de cotas no segmento imobiliário em 2015, no comparativo com o ano anterior. Em todo o Brasil, as cotas de imóveis somaram 251,2 mil adesões nos 12 meses de 2015, contra 177,3 mil durante o mesmo período de 2014, um aumento de 41%.
Independentemente de o consórcio ser uma modalidade atrativa para o mercado desvalorizado ou não, existe um consenso: ele é indicado para quem não precisa do imóvel imediatamente e para quem não tem disciplina, mas quer economizar para comprar um imóvel. Ou seja, mais importante do que analisar o período em que é indicado fazer um consórcio, é analisar o perfil de quem está interessado em fazê-lo.
É recomendável também que a contratação não seja feita por impulso, que a administradora do consórcio escolhida seja autorizada pelo Banco Central do Brasil (órgão que normatiza e fiscaliza o sistema de consórcios no país) e que todas as cláusulas do contrato sejam lidas atentamente para que o consumidor tome conhecimento de todos os seus direitos e obrigações.
O consórcio ou qualquer outra modalidade de financiamento requer planejamento financeiro. O consumidor interessado em adquirir um imóvel precisa ter consciência de que o Brasil vive hoje uma situação de instabilidade política e econômica do Brasil e refletir se ele tem condições de incluir os gastos com um imóvel no seu orçamento. Também é indispensável entender como funcionam as modalidades de fincancimento e empréstimo disponíveis no mercado, além de pesquisar preços e barganhar valores.
Recorde de distratos
O cenário desfavorável da economia registrou recordes históricos no volume de devoluções de imóveis comprados na planta. De acordo com um levantamento feito pela agência de classificação de risco Fitch com nove empresas do setor entre janeiro e setembro de 2015, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos às construtoras em 2015.
Os distratos, que costumavam ser uma exceção acabaram se tornando quase que um hábito e isso se deve também à deterioração da economia, que teve como consequências alta na taxa de desemprego (cerca de 8,5% em 2015), queda na renda do brasileiro, restrição ao crédito, e inflação alta. Em outras palavras, muita gente que perdeu o emprego ou teve queda na renda antes da entrega das chaves, teve o financiamento negado pelo banco e optou pela devolução do imóvel.
"No momento da entrega do imóvel você deve quitar 80% da sua dívida ou fazer um financiamento. O problema é que poucas pessoas conseguem quitar um imóvel sem recorrer ao financiamento, que está mais caro e mais restrito”, explica Pedro Seixas.
Mas os cidadãos comuns, que adquirem imóveis para fins de moradia, não são os únicos que estão devolvendo imóveis na planta. De acordo com França, investidores do mercado imobiliário também têm participação nesse recorde de distratos e isso se deve exatamente à dificuldade de vender esses imóveis aos consumidores.
Na tentativa de reverter o prejuízo, incorporadoras estão oferecendo aos compradores não apenas descontos, mas também financiamento direto e troca por um imóvel mais barato. “As empresas não ignoram que existe hoje uma dificuldade maior para o comprador, então elas têm adotado essas estratégias para viabilizar a compra para o consumidor”, observa Seixas.
Os distratos têm consequências extremamente negativas para o segmento imobiliário. “As devoluções geram um grande problema para o equilíbrio do mercado. Quando as empresas lançam empreendimentos, elas os fazem com base no compromisso dos compradores. Se 40% deles desistem do negócio, isso é um problema muito sério para a sustentação dessa forma de negócio. As incorporadoras também assumem compromissos que precisam honrar com base nas vendas que realizou”, completa o professor da Fundação Getúlio Vargas. Em outras palavras, como as incorporadoras podem pagar suas dívidas se não tem fluxo de lançamento?
Mas sempre há quem se beneficie com a crise. Como dito no início dessa reportagem, esse momento de desvalorização do mercado imobiliário é bom para o consumidor que deseja comprar um imóvel para viver, especialmente para aquele que poupou e tem uma reserva. Esse consumidor deve usar seu poder de barganha e bater perna, ou seja, pesquisar preços e comparar produtos no mercado. Há no momento ofertas bastante interessantes.
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