Depois que o pagamento das "pedaladas" fiscais alimentou críticas de vários economistas sobre o relacionamento do Tesouro Nacional com o Banco Central, o governo vai propor ao Congresso Nacional mudanças na legislação em vigor.
A proposta está sendo costurada pela área técnica do Ministério da Fazenda e do BC. Os técnicos estão ouvindo especialistas do mercado financeiro e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). Reuniões têm sido feitas pelo governo para ouvir as sugestões dos principais especialistas brasileiros e fechar a proposta.
O governo já vinha debatendo as mudanças, mas a polêmica provocada entre os economistas depois do pagamento das pedaladas acabou acelerando o processo. Muitos argumentaram que o dinheiro do lucro do BC, repassado ao Tesouro, teria ajudado indiretamente o governo a pagar as chamadas pedaladas fiscais - as dívidas junto aos bancos e o FGTS atrasadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff para melhorar artificialmente as contas públicas e que o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou pagar.
Embora o Ministério da Fazenda em vários posicionamentos oficiais nos últimos dois meses tenha mostrado que o lucro do BC não pagou as pedaladas, o debate fez o governo se movimentar para aperfeiçoar a forma de transferência do resultados do balanço.
Pela regra atual, o lucro do BC tem que ser repassado ao Tesouro em reais até o décimo dia útil depois de aprovação do balanço pelo Banco Central. Já o prejuízo do BC é bancado pelo Tesouro com a transferência de títulos. O dinheiro do lucro só pode ser usado para o pagamento da Dívida Pública Mobiliária Federal.
Nos últimos anos, o lucro do BC aumentou substancialmente, graças ao impacto da valorização do dólar nas reservas internacionais, que elevou o caixa do Tesouro para mais de R$ 800 bilhões. Os críticos argumentam que a sistemática atual de transferência de resultado do BC está fora das melhores práticas internacionais, principalmente porque boa parte do resultado vem da variação do valor das reservas internacionais.
Com a desvalorização do real, o valor das reservas sobe, aumentando o patrimônio do BC. Dessa forma, o BC apura um lucro por conta do aumento do patrimônio, mas não há a venda efetiva da reserva. Mas à frente, quando dólar mudar de direção, o BC terá um prejuízo.
O que os principais Bancos Centrais do mundo fazem é criar uma reserva dentro do banco. Quando há lucro patrimonial, ele é enviado para essa reserva que serve também para cobrir os prejuízos que ocorrerem. A lei brasileira não permite a criação dessa reserva dentro do BC. Os críticos alertam para o risco de o BC financiar indiretamente o Tesouro com esse lucro transferido, o que não é permitido na legislação.
Segundo apurou o jornal "O Estado de S. Paulo", o estudo sobre balanço dos bancos centrais preparado pelo ex-secretário do Tesouro e economista chefe do banco Safra, Carlos Kawall, está sendo analisado para ajudar na proposta do governo. No estudo, Kawall sugere a criação de um depósito voluntário remunerado dos bancos no Banco Central em substituição de parte das operações compromissadas, o que permitiria a redução da dívida bruta do governo.
As operações compromissadas, feitas pelo BC para o enxugamento da liquidez de recursos no mercado, cresceram muito nos últimos anos em função da compra das reservas internacionais. Com a compra de dólares para abastecer as reservas, o BC teve que enxugar os recursos em reais liberados no mercado, movimento conhecido no jargão financeiro como "esterilização" das reservas.
Kawall também propõe o uso de excesso de caixa do Tesouro para abater a carteira de títulos do BC, após a criação do depósito voluntário. "Não é algo que tem a ver com a solução para o problema fiscal do País. É um aperfeiçoamento da legislação que não deve ser misturado a uma ideia de que é uma forma para reduzir a dívida", disse Kawall. Segundo ele, o problema da dívida brasileira é muito mais de tendência do que de nível. Para Kawall, a alteração colocaria o Brasil em linha com o que é feito em outros países.