Fernando Capez, diretor executivo do Procon
Procon-SP
Fernando Capez, diretor executivo do Procon

Uma das principais características dos contratos advindos de uma relação de consumo é a sua adesividade, ou seja, a aderência de uma das partes (consumidor) ao vínculo jurídico estipulado unilateralmente pela outra (fornecedor de produtos ou serviços), sem que seja dada a oportunidade de discussão conjunta das cláusulas contratuais ou de modificação significativa de seu conteúdo.

Acerca de tal característica, o Código de Defesa do Consumidor reservou especial atenção em seu art. 54 e parágrafos, que transcrevemos a seguir.

 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Do ponto de vista histórico é possível afirmarmos que esse tipo de contrato é resultado da economia de massa que se solidificou no mercado global no sec. XX. É sabido que com a Revolução Industrial , a partir da segunda metade do sec. XVIII, as relações comerciais apresentaram aumento exponencial, vez que, paulatinamente, ocorreu a substituição de produtos manufaturados por artigos industrializados. Tal fato despejou no mercado de consumo quantidade de produtos para serem adquiridos como nunca na história da Humanidade.

Já na denominada 2ª Revolução Industrial, constatou-se o desenvolvimento dos aparatos industriais e das linhas de produção, nas quais os trabalhadores destinavam-se a fabricação de uma peça específica do produto, sendo que depois de finalizada sua etapa, o produto partia para outro setor que também agiria especificamente no desenvolvimento de outra peça. Desta forma, os trabalhadores da indústria deixaram de ter o domínio sobre todas as fases de construção do bem, atuando célere e repetidamente em apenas uma tarefa.

Tal fórmula, majoritariamente adotada na indústria automobilística norte-americana, diminuiu o custo de fabricação e o tempo de produção, ao passo que aumentou a quantidade de bens produzidos no final de todas as etapas. A partir desse modelo de produção, estabelecido na passagem do sec. XIX para o XX, acompanhamos o desenvolvimento da chamada economia de mercado ou sociedade de consumo de massa.

Já no sec. XX, em que pese a depressão econômica causada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York de 1929 e das atribulações das 1ª e 2ª Guerras Mundiais, a partir de 1945 as questões geopolíticas internacionais tiveram resolução e foi possível observarmos o florescer da sociedade de consumo de massa, pautada nas políticas de crédito às camadas médias dos EUA e na massificação de produtos e serviços destinados à reconstrução da Europa.

Por boa parte do sec. XX o mundo observou a disputa de dois modelos político-econômicos que buscavam se impor perante as outras nações. De um lado os EUA com o modelo econômico já mencionado acima e modelo político de democracia partidária representativa; do outro, a União Soviética (URSS) , com modelo econômico construído aos moldes dos ensinamentos de Marx e Engels, pautado na coletivização dos meios de produção. Quanto ao modelo político, diferentemente dos EUA, a URSS adotou a forma unipartidária de representação popular, no qual o Partido Comunista centralizava as decisões sobre os ditames do bloco, sem dar espaço para opiniões dissidentes.

A dicotomia entre o modelo capitalista norte-americano e comunista soviético teve fim 1989, elegendo-se como marco temporal da ruína do sistema socialista a queda do Muro de Berlim (espaço físico que dividia a capital alemã entre as duas potências). Em seguida, com a fragmentação dos países que formavam a Cortina de Ferro e com abertura da Rússia ao mercado internacional, finalmente chegamos ao modelo hoje estabelecido na sociedade, sustentado pela economia de massa, produção de produtos e serviços em escala global, queda das tarifas alfandegárias e atuação multinacional de empresas.

“Lembramos que esse nome dado ao contrato que envolve relação jurídica de consumo, “de adesão”, é pura e simplesmente constatação de que na sociedade capitalista em que vivemos o fornecedor decide, sem a participação do consumidor, tudo o que pretende fazer: escolhe ou cria os produtos que quer fabricar ou serviço que pretende oferecer, faz sua distribuição e comercialização, opera seu setor de marketing e publicidade para apresentar e oferecer o produto ou o serviço, e elabora o contrato que será firmado pelo consumidor que vier a adquirir o produto ou serviço” (Rizzatto Nunes, “Curso de Direito do Consumidor”, 13ª edição, 2019, p. 700)

Esquadrinhamos esse breve relato sobre a passagem da economia manufaturada para a industrializada; bem como pelos mais marcantes acontecimentos históricos dos séculos XIX e XX para demonstrarmos a conveniência do surgimento dos contratos de adesão para essa nova sociedade. Como todo fenômeno jurídico, a criação de uma espécie de contrato é resultado de uma demanda da sociedade ou regulamentação de uma prática já constituída entre as pessoas. 

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Nesse sentido, não haveria possibilidade de o fornecedor entabular todas as cláusulas contratuais com o consumidor na aquisição de um produto ou serviço disponibilizado em escala mundial. Cláudia Lima Marques, em “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, 6ª edição, 2019, p. 1.524, afirma:

“Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com empresas para adquirirem produtos ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual e não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato. A inserção da cláusula de formulário, por exemplo, sobre preço, condições, data de entrega e outras, não desfigura a natureza de adesão do contrato”.

  No que diz respeito ao ato de aderir, faz-se necessário dizer que não significa expressão de manifestação da vontade por parte do consumidor. O consumidor que adere a um contrato de adesão não explicita anuência com o conteúdo trazido na avença, posto que não houve discussão de cláusulas e redação comum entre as partes. Até porque, hodiernamente, convenhamos, se o consumidor quiser adquirir qualquer coisa, será obrigado a aderir à oferta, preço, condições de pagamento e demais pormenores. 

Tal entendimento, do qual comungamos, é defendido pelo ilustre Des. TJ-SP, Prof. Rizzatto Nunes; que por sua vez difere do de Cláudia Lima Marques ao entender que a aderência do consumidor ao contrato é forma de manifestação de consentimento. Vejamos:

“O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços” (MARQUES, Cláudia Lima, em “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, 6ª edição, 2019, p. 1.525).

“Agora, anote-se que o uso do termo adesão não significa manifestação de vontade ou decisão que implique concordância com o conteúdo das cláusulas contratuais. No contrato de adesão não se discutem cláusulas e não há que se falar em pacta sunt servanda. É uma contradição falar em pacta sunt servanda de adesão” (NUNES, Rizzatto, “Curso de Direito do Consumidor”, 13ª edição, 2019, p. 699).

De forma geral elencamos dois quesitos obrigatórios para todo e qualquer contrato de adesão. Primeiramente verificamos a unilateralidade de sua elaboração, seguido pela uniformidade de sua elaboração, vez que será direcionado para um número indeterminado de consumidores em potencial. Quanto à forma de aceitação, encontramos a divergência doutrinária supra, da qual, reiteramos, comungamos do posicionamento de Rizzatto Nunes.

É possível que o contrato de adesão seja estipulado pelo Poder Público, vez que na posição de fornecedor poderá figurar pessoa jurídica de direito público ou privado. Inclusive, é por essa razão que o “Caput”, do art. 54, CDC se refere às cláusulas que tenham sido estipuladas unilateralmente e aprovadas por autoridade competente.

Em que pese a elaboração unilateral por parte do fornecedor, somente o consumidor poderá cancelar unilateralmente a vigência contratual, bem como receberá as quantias já pagas, descontados eventuais prejuízos e vantagens (art. 53, § 2º e 54, § 2º, CDC).

Em observância ao princípio da transparência, os contratos de adesão deverão ser redigidos de forma clara, precisa, ostensiva e legível. Por clareza entendemos a vedação da utilização de termos técnicos que inviabilizariam a compreensão do que está sendo dito para um cidadão médio. Precisão dos termos, por sua vez, corresponde à proibição do uso de termos duplos, ambíguos e obscuros, que deem margem de interpretação.

A ostensividade do contrato de adesão é necessária a fim de se evitar disposições em letras minúsculas, quase ilegíveis, que em sua grande maioria das vezes é colocado no final do contrato ou em notas de rodapé, impossibilitando que o consumidor tenha plena ciência daquilo que está contratando. 

Visa-se, portanto, dar total transparência ao que será exigido do consumidor, devendo as cláusulas escondidas e de difícil compreensão serem consideradas nulas. Nesse sentido decidiu o extinto Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, citado por Rizzatto Nunes, “Curso de Direito do Consumidor”, 13ª edição, 2019, p. 704:

“Verifica-se que não só os cálculos de tal planilha são ininteligíveis, como a cobrança de multa de 10% não foi prevista no contrato (...). No caso, o contrato de fls. 12/13 não contempla nem juros de mora, nem multa e, aliás, é todo nulo (artigo 51, XV, do CDC), porque firmado em letras minúsculas, o que viola a regra do artigo 54, § 3º, do CDC” (Apelação nº 856.141-1, 4ª Câmara).

Seria extremamente contraditório requerer do consumidor a obrigação do comprimento de cláusulas contratuais da qual não teve conhecimento de seu inteiro teor; nem participou de sua confecção. De igual forma, não poderá o fornecedor, valendo-se do domínio do conhecimento técnico do produto ou serviço que disponibiliza no mercado, utilizar-se de terminologias inacessíveis ao cidadão comum, vez que nos contratos de adesão a vulnerabilidade presumida do consumidor fica ainda mais latente.

Nesse sentido e finalizando, citamos o seguinte ensinamento:

“Não tem sentido lógico ou jurídico obrigar o consumidor a cumprir cláusulas contratuais criadas unilateralmente pela vontade e decisão do fornecedor, sem antes permitir que o consumidor tome conhecimento de seu inteiro teor, bem como sem que ele (consumidor) não compreenda o sentido e o alcance do texto imposto. Este último aspecto tem relação direta com o § 3º, ora em comento” (Rizzatto Nunes, “Curso de Direito do Consumidor”, 13ª edição, 2019, p. 702).

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