Diagnóstico de autismo tardio cresce, mas mercado de trabalho se mantém distante
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Diagnóstico de autismo tardio cresce, mas mercado de trabalho se mantém distante

POR BÁRBARA VETOS

A especialista em acessibilidade Paloma Breit nunca se sentiu pertencente. Desde criança, se considerava a “menina estranha”. Tinha hiperfoco em insetos, ofídios e aracnídeos, algumas dificuldades de relacionamento, notava algo de diferente em sua fala e achava que determinadas situações sociais deveriam vir com um manual de instrução. Tudo isso tinha nome: transtorno do espectro autista (TEA), nível 1 de suporte.  

Mas o diagnóstico só veio de forma tardia. Foram 36 anos sem conseguir dar nome aos próprios sentimentos e comportamentos. Dados divulgados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos mostraram que 1 em cada 36 crianças de até 8 anos tem autismo no país. Isso corresponde a 2,8% da população norte-americana.

O estudo é atualizado a cada dois anos e mostra um aumento desse número. Em 2004, era 1 em cada 166 crianças. Faltam dados para compor o cenário brasileiro, mas, com base no levantamento americano, estima-se que os casos ultrapassem os 6 milhões. Isso não significa, necessariamente, que hoje existam mais pessoas com autismo, mas, sim, que os diagnósticos aumentaram. 

O que não cresceu na mesma proporção foi a inserção desse público no mercado de trabalho. De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 15% das pessoas com TEA estão empregadas. “Existem empresas que têm uma péssima prática de escolher por deficiência e não por competência. Algumas têm muito preconceito com autistas e outras até contratam, mas não aceitam pessoas com outros tipos de deficiência”, aponta a especialista. 

A inserção de pessoas autistas no mercado de trabalho é um tema ainda em discussão no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto de lei que define regras para estimular a contratação, como empregado, aprendiz ou estagiário, de pessoas com TEA. A proposta está agora em tramitação no Senado. 

Pelo texto, caberá à União manter um cadastro específico de candidatos com TEA para intermediação de vagas de emprego e para contratos de aprendizagem. 

Benefícios no trabalho e diagnóstico tardio de autismo entre mulheres 

Breit começou a trabalhar cedo. Dos 36 anos que passou sem diagnóstico, pelo menos 23 deles ela já estava inserida no mercado de alguma forma. Apesar de se sentir diferente dos demais, ela acredita que o autismo a beneficiou em vários aspectos, como na questão do foco e em uma visão particular de mundo. “Não é só importante para a empresa pela questão das cotas, mas porque pessoas autistas agregam valores e habilidades.” 

Quando trabalhava como analista de prevenção a fraudes, antes do laudo, seus relatórios eram considerados ótimos pelo nível de detalhamento, mas ela não conseguia bater as metas propostas. A situação fazia com que, além das cobranças externas, também fosse muito dura consigo mesmo nas entregas. “Eu nunca sentia que estava atingindo o objetivo e aquilo me passava uma sensação de incompetência, de que eu era muito estúpida e pronto”, desabafa.  

Hoje, logo nos processos seletivos a especialista já deixa claro que é uma pessoa autista. Ela não sente mais a necessidade de utilizar a estratégia do masking – um esforço para mascarar suas características e aparentar ser neurotípica. “Foi um alívio receber o diagnóstico, porque eu não preciso mais ficar fingindo que eu sou outra pessoa com a sensação de nunca ser suficiente.” A dificuldade de se encaixar em diferentes contextos sociais também fez com que ela desenvolvesse um quadro de depressão.  

Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão de saúde do governo americano, para cada quatro meninos identificados dentro do espectro, existe uma menina. Isso porque eles têm quatro vezes mais chance de serem diagnosticados do que o público feminino. Hoje, entende-se que a questão de gênero pode influenciar na camuflagem social de mulheres com autismo, devido ao modo como são ensinadas desde cedo a se comportar e socializar.  

Desde criança, Breit também foi aprendendo a se camuflar. “Isso é muito comum, mas a que preço? Estamos morrendo por dentro e com uma sobrecarga enorme só para parecermos ‘normais’ para a sociedade.”  

Acessibilidade e inclusão desde o início da contratação 

A profissional analisa que o tema ainda avançou pouco dentro das empresas, principalmente para pessoas autistas com características mais perceptíveis ou que apresentem um grau maior do transtorno. “Existem diferentes níveis de suporte, mas as empresas precisam dar os primeiros passos e garantir acessibilidade desde o início”, explica.  

A mesma lógica se aplica aos processos seletivos. Ela conta que seu marido – que também é diagnosticado com TEA – nunca conseguiu passar nas fases que envolvem dinâmica de grupo, por ter dificuldade em apresentar o comportamento que a empresa espera. Desafios também podem surgir na elaboração de respostas se as perguntas não forem claras ou em testes de idioma. 

“Isso não quer dizer que a pessoa não tenha conhecimento sobre o assunto, mas existem outras formas de viabilizar o processo, como entrevistas escritas, envio das perguntas previamente e uso de tecnologias assistivas”, diz.  

Providenciar abafadores de som para pessoas hipersensíveis e reservar um espaço para que elas possam trabalhar sem incômodos externos também são alternativas apontadas pela especialista, a depender da necessidade do funcionário. 

“Precisamos eliminar esses estereótipos de que o autismo tem cara e dos comportamentos que a pessoa tem que ter para ser aceita, porque isso traz muito sofrimento.” Assim como ela, existem pessoas que passam a maior parte da vida sem um diagnóstico. “Precisamos respeitar e ter tato, não ficar achando que é frescura, birra. É questão de tratar os outros como gostaríamos de ser tratados, independentemente se a pessoa tem uma deficiência ou não”, comenta. 

Maior flexibilidade no trabalho pode facilitar adaptação de pessoas autistas 

Para ela, é importante que a flexibilidade se aplique às metas propostas, evitando estresse, e ao modelo de trabalho adotado pela empresa. “No meu caso, não é sobre trabalhar híbrido, presencial ou home office, mas o transporte”, explica. O fato de ter pessoas desconhecidas encostando nela em um lugar lotado fazia com que ela tivesse vontade de chorar.  

A rotina enfrentada todos proporcionava um sentimento de culpa e esgotamento para a realização de suas tarefas. “Você está achando que é rica? Como assim todo mundo anda de transporte [público] todos os dias e você não pode? Você é melhor do que os outros?”, era o que pensava na época. Posteriormente, ela entendeu que isso também fazia parte do espectro autista e passou a buscar alternativas para chegar ao trabalho.   

Breit defende que a flexibilidade de horários pode ajudar nesse sentido. Além disso, fazer pausas ao longo do expediente em momentos de concentração extrema também possui benefícios. “Tem vezes que estou tão focada, que tenho um apagão depois”, conta. “Esqueço até de comer ou ir ao banheiro.” 

Para a profissional, a empresa deve estar disposta a proporcionar um ambiente de trabalho saudável e inclusivo, que respeite as especificidades de cada um. “É sempre bom ter visões de mundo diferentes e manter a mente aberta para aprender com o outro. Pessoas com deficiência têm muito a ensinar.” 

Fotomontagem sobre foto de Adobe Stock/FS-Stock
A inserção de pessoas autistas no mercado de trabalho é um tema ainda em discussão no Congresso Nacional

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