POR BÁRBARA VETOS
Ética e transparência são conceitos que andam lado a lado em vários âmbitos, inclusive no empresarial e, mais especificamente, na agenda ESG. É principalmente por meio da governança que esses temas vêm à tona, mostrando ao mundo, às empresas, e aos clientes, o que tem sido feito para a geração de impactos positivos.
No entanto, segundo o Panorama ESG , estudo do ManpowerGroup, somente 14% das organizações que já têm um programa ESG concentram suas ações no pilar de governança corporativa. Os focos das empresas estão nas questões sociais e de responsabilidade ambiental.
Enquanto isso, a letra G segue distante das prioridades. Mas o que explica essa postura? Já que a governança nada mais é do que colocar em prática as outras letras da sigla.
A fim de aprofundar esse debate, Viviane Moreira, conselheira da KPIs e da Preta Hub e integrante do comitê de ESG da Coty, traçou um panorama sobre as empresas no Brasil e no mundo e criticou a forma como a agenda ESG é encarada, suscetível a tantos washings . Veja a entrevista exclusiva.
ESG Insights – Na sua visão, por que o G ainda é tão esquecido?
Viviane Moreira – Sempre defendi que o G deveria vir antes do E e do S, porque sem direcionamentos, sem visão, você não vai conseguir que seus pilares sociais e ambientais tenham a aderência necessária para que funcionem. Talvez esse seja o motivo das enormes falhas que a gente tem nos programas [corporativos] do país.
As grandes empresas entenderam que governança corporativa era a cerejinha do bolo, e não o recheio. Se tiver, ótimo. Se não tiver, ok. Mas se a gente coloca um bolo empilhado e não tem recheio, não tem liga, ele cai.
Enquanto isso, as pequenas e médias startups acharam que governança corporativa era uma coisa para grandes empresas.
E aí a gente tem um ecossistema extremamente falho, que não entende que falar sobre governança é falar sobre conhecimento e mitigação de riscos, saber para onde posso me direcionar e gerar melhores resultados, ver se estou aderente ou não a isso e, se não estou, o porquê.
É a governança que dita os dois grandes pontos que precisamos focar nas empresas: ética e transparência.
ESG Insights – Com a intensificação da crise ambiental e a urgência das pautas sociais, você acha que existe espaço para que o foco no G cresça? As empresas estão preparadas para adotar essas práticas?
Viviane Moreira – Vejo que as empresas não estão preparadas. Sendo uma realista esperançosa: elas não estão preparadas, mas vão ser obrigadas. Se não vai ser pelo amor, vai ser pela dor.
As empresas precisam entender que ter uma governança corporativa séria e íntegra […] é urgente e não mais opcional
Essa dor vai vir, principalmente, de dois grandes pilares. O primeiro deles é a cobrança por parte dos investidores. Eles não vão colocar dinheiro em empresas que não tenham políticas muito bem-preparadas, treinamentos, processos, gestão de riscos, comitê de pessoas, e que tenham um ecossistema de governança. Se não forem muito bem solidificados, que sejam, no mínimo, estruturados ou iniciais.
Já a outra dor vem por parte do cliente. Com esses grandes escândalos ligados a pilares de governança cada vez mais públicos, o cliente vai ter acesso a essas informações. Ele vai começar a se questionar: “a empresa que eu consumo tem ética? Tem integridade? Fala sobre diversidade e inclusão? Tem seus princípios e valores alinhados aos meus?”.
Se eles não tiverem, a pessoa não vai consumir. Se eu não me reconheço, não compro. Quem direciona esse fiel na balança é a área de governança.
O movimento black money é um exemplo disso. Eu, como mulher preta, se não vejo pessoas e lideranças pretas na empresa, eu não compro. Não vou colocar meu dinheiro ali. Quem vai me dar o drive dessa informação é a governança corporativa, que vai ver que não estão em compliance com as melhores práticas ligadas à diversidade e inclusão, por exemplo.
As empresas precisam entender que ter uma governança corporativa séria e íntegra, independentemente do tamanho da empresa, é urgente e não mais opcional. Caso contrário, cada vez mais a gente vai verificar essas dores.
ESG Insights – A falta de ênfase na governança é uma tendência no mercado brasileiro ou o G também está longe das discussões nos ambientes corporativos ao redor do mundo?
Viviane Moreira – Na grande maioria dos países europeus, não é nem questionado se deve ter governança ou não. Faz parte do DNA e da cultura da empresa ter essas estruturas sérias, parrudas, e altamente auditadas na Europa.
Nos Estados Unidos, a gente tem um contexto parecido, porém essa demanda vem muito por conta dos grandes escândalos. Sabemos que as empresas têm [governança], mas elas direcionam esse olhar com mais seriedade para estruturas locadas dentro do próprio país.
Criamos uma falsa realidade quando falamos de empresas globais, de que temos a mesma validação aqui no Brasil, justificando que tropicalizamos o processo.
Enquanto nós não entendermos que ter uma área de governança é uma vantagem competitiva, é um investimento, e não uma despesa, a gente continua colocando isso na conta da tropicalização
Tropicalizar o processo é importante para se ter um match , um fit cultural com o que a gente tem no país. Isso é importante. O que a gente não pode deixar de dizer é que a tropicalização disso não nos faz efetivamente ter um processo de governança legítima. É por isso que, aqui no Brasil, a gente ainda vê muito governance washing.
Enquanto nós não entendermos que ter uma área de governança é uma vantagem competitiva, é um investimento, e não uma despesa, a gente continua colocando isso na conta da tropicalização.
ESG Insights – O que você acha que falta para essa virada de chave por parte das empresas?
Viviane Moreira – O que falta é justamente o drive. O debate existe, mas precisa ser mais assertivo. Quem tem que participar disso de forma mais efetiva é a alta administração e o conselho das grandes organizações para entender o poder da governança.
Mesmo sendo um microempreendedor, você pode ter uma governança. Com três ou quatro documentos muito bem estruturados, como uma política simples de duas ou três páginas, com documentações ligadas a processos de ética, de prevenção e política anticorrupção.
São processos muito simples e que podem ser implementados. Estamos falando de empresas que, independentemente do porte, prezem por ética, transparência, integridade. Esse é o debate da governança.
ESG Insights – O E está sempre sob o perigo do greenwashing . O S muitas vezes pode estar ligado ao apoio a pequenas ações filantrópicas e não a estratégias da empresa. E você mencionou o governance washing. O que essas falsas aparências nos dizem sobre a aplicabilidade da agenda ESG?
Viviane Moreira – Eu costumo dizer que, se a gente pensar de forma global, a gente tem uma tendência ao ESG washing como um todo. Eu vejo um alarde maior voltado às letras E e S, mas isso é porque algumas empresas nem têm uma governança para chamar de washing.
Por exemplo, colocamos um monte de lixeira colorida dentro da empresa e falamos que somos preocupados com o meio ambiente. Só que a gente tem, por outro lado, o social, que é a empresa terceirizada que recolhe aquele lixo. Não treinamos aquelas pessoas para colocar em lixo reciclável. Achamos que estamos de acordo com a parte ecológica, mas esquecemos do social. No final do dia, aquele trabalhador pega todos os lixos das latas coloridas, coloca em um saco só, e joga fora.
Percebe que quando a gente adota essa cadeia, estamos fazendo o circuito completo de washing ? Quando fazemos uma cadeia só de ambiental, corremos o risco de colocar só as três latas coloridas e bonitinhas, criando estereótipos sobre essas práticas. Isso faz com que a empresa perca a credibilidade.
Todo mundo está discutindo sobre a preservação do meio ambiente – o que é uma discussão legítima e válida. Saem do eixo Rio-São Paulo e vão fazer uma ambientação na Amazônia, Pantanal, e voltam para os grandes eventos falando “precisamos cuidar da natureza”. Mas quem se preocupa, por exemplo, com a quantidade de lixo eletrônico ou de lixo que a gente gera nas grandes cidades?
É claro que não dá para se preocupar com tudo. Mas será que estamos realmente preocupados com as mudanças climáticas visitando a Amazônia e não olhando para como fazemos o descarte do lixo?
Todo mundo agora fala também sobre moda circular, brechó, bazar. Estão fazendo a moda girar. Mas ninguém olha para o lixão do mundo de moda, que é o deserto do Atacama [no Chile]. Continuam comprando de aplicativo chinês, porque é mais barato, mas não olham para o processo que está por trás disso.
As pessoas jurídicas e os CPFs têm um papel muito forte nessa dicotomia. O capitalismo está aí, as empresas precisam lucrar para sobreviver, mas isso não quer dizer que ter responsabilidade social e corporativa e acabar com os modismos e washings não seja papel dessas empresas também.
Se direcionarmos todos os esforços para um só caminho, sem entender o processo end-to-end […], a gente vai continuar navegando no modismo dos washings e não vai sair do lugar
Eu acho que essa é uma grande dicotomia no mundo, que não tem bala de prata para a gente acertar. Mas temos várias armas disponíveis na mesa e precisamos começar a tentar.
Se direcionarmos todos os esforços para um só caminho, sem entender o processo end-to-end – e quem faz o entendimento desse processo é a governança –, a gente vai continuar navegando no modismo dos washings e não vai sair do lugar.
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