Mudanças climáticas devem aumentar preços dos alimentos
ESG Insights
Mudanças climáticas devem aumentar preços dos alimentos

POR JESSICA BOXALL E MICHAEL HEAD

As mudanças climáticas e, especificamente, o aumento das temperaturas do planeta, podem fazer com que os preços dos alimentos aumentem 3,2% ao ano, de acordo com um novo estudo realizado por pesquisadores na Alemanha. Como as mudanças climáticas continuam a se agravar, essa inflação de preços significará que cada vez mais pessoas em todo o mundo não terão uma dieta variada e saudável, ou simplesmente não terão alimentos suficientes.

A nova análise mostra que o aquecimento global pode fazer com que a inflação dos preços dos alimentos aumente entre 0,9 e 3,2 pontos percentuais por ano até 2035. O mesmo aquecimento causará um aumento menor na inflação geral (entre 0,3 e 1,2 ponto percentual), de modo que uma proporção maior da renda das famílias precisaria ser gasta na compra de alimentos.

Esse efeito será sentido em todo o mundo, tanto por países de alta renda quanto por países de baixa renda, mas em nenhum outro lugar mais do que no sul global. Assim como em várias outras consequências das mudanças climáticas, a África será a mais afetada, apesar de contribuir pouco para suas causas.

Nossa própria pesquisa sobre segurança alimentar em Gana, na África Ocidental, dá uma ideia do que a inflação de preços pode significar na prática. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) descreve a África Ocidental como um  hotspot  de mudanças climáticas, com modelos que preveem aumento extremo das temperaturas e redução das chuvas. Como mais da metade da população depende diretamente da agricultura de sequeiro (modalidade de agricultura usada em terras áridas com a escolha de espécies de cultivo que não necessitem de irrigação constante, podendo suportar períodos de estiagem entre chuvas), Gana é particularmente vulnerável às mudanças climáticas.

Recentemente, realizamos um estudo em Mion, um distrito rural no norte do país. Conversamos com quase 400 pessoas, e cada uma delas nos disse que havia experimentado algum nível de insegurança alimentar nos 12 meses anteriores. Cerca de 99% disseram que a culpa era, pelo menos em parte, das mudanças climáticas.

Além disso, 62% estavam em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, sendo que 26% estavam em situação de insegurança alimentar grave (ficando sem comer por um dia inteiro). Essas porcentagens são muito piores do que as médias nacionais de Gana (39% e 6%, respectivamente), mas semelhantes às de alguns dos países mais pobres da África Ocidental, como Togo, Burkina Faso e Benin.

Também realizamos um estudo semelhante entre refugiados da vizinha Burkina Faso, que fugiram pela fronteira para a região leste superior de Gana. Mais uma vez, 100% sofreram insegurança alimentar.

Mion não está sofrendo com uma fome repentina, e nada particularmente incomum aconteceu para causar essa insegurança alimentar. Essa situação é considerada um “fenômeno normal” devido aos efeitos das mudanças climáticas.

A inflação de alimentos relacionada ao clima pode ser dividida em dois problemas interligados.

Mudança de estações, pragas e doenças

O primeiro é que os mesmos efeitos das mudanças climáticas que estão causando a inflação já estão dificultando o acesso aos alimentos. Por exemplo, as temperaturas mais altas podem fazer com que as estações agrícolas há muito estabelecidas e previsíveis mudem e, portanto, podem prejudicar a produção agrícola.

Outras consequências podem incluir mais surtos de pragas e doenças que esgotam o gado e as reservas de alimentos, além de estresse térmico em estradas já precárias, o que dificulta o acesso às comunidades rurais.

Todos esses fatores aumentam os preços e reduzem o poder de compra das famílias afetadas. Os impulsionadores da inflação de alimentos já estão piorando a insegurança alimentar.

A segunda parte desse problema é o aumento da inflação em si. Um aumento anual de 3% nos preços significaria que as famílias teriam menos condições de comprar o que precisam.

Elas provavelmente precisariam abrir mão da qualidade ou talvez até de alimentos culturalmente importantes. Isso, por sua vez, torna as pessoas mais vulneráveis a doenças e outros problemas de saúde. A desnutrição é a principal causa de imunodeficiência em todo o mundo.

Em Gana, descobrimos que as pessoas que relataram ter mais conhecimento sobre as mudanças climáticas tinham maior probabilidade de ter segurança alimentar. Isso ocorre apesar de poucas pessoas terem educação formal. Essa é uma evidência de que as populações afetadas estão muito conscientes das mudanças na temperatura e da imprevisibilidade do clima, e talvez estejam se engajando em práticas proativas de mitigação.

As pessoas sem escolaridade têm maior probabilidade de se envolver em ocupações sensíveis ao clima, como a agricultura, e, portanto, estariam mais imediatamente expostas. Ensinar as pessoas sobre as mudanças climáticas pode proporcionar alguma capacidade de adaptação a elas e, portanto, aumentar a segurança alimentar.

As alterações no clima são um multiplicador do risco de fome para as populações com vulnerabilidade arraigada. Em vista disso, 134 países assinaram na COP28 uma declaração para incorporar os sistemas alimentares em suas ações climáticas, a fim de garantir que todos tenham o suficiente para comer à luz das mudanças climáticas.

Os pesquisadores por trás do novo estudo sugerem que a redução das emissões de gases de efeito estufa poderia limitar os impactos sobre a economia global. Sugerimos também que a diversificação das economias serviria como proteção para as comunidades que dependem da agricultura tanto para sua alimentação quanto para sua renda.

A intervenção do governo também poderia garantir a proteção financeira e a ajuda nutricional para as pessoas vulneráveis a ficarem presas no ciclo da pobreza devido à inflação e à diminuição na acessibilidade aos alimentos.

Jessica Boxall – Pesquisadora em Saúde Pública e Nutrição na Universidade de Southampton, Reino Unido.

Michael Head – Pesquisador sênior em Saúde Global na Universidade de Southampton, Reino Unido.

Foto: Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Outras consequências incluem surtos de pragas e doenças que esgotam o gado e as reservas de alimentos

Este texto foi republicado de  The Conversation  sob uma licença Creative Commons.  Leia o artigo original .

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