POR ADRIANA AMÂNCIO E RAFAEL DANTAS
Mais de uma década de estudos realizados pelo Observatório Nacional da Caatinga revelaram que esse é o bioma brasileiro que tem o melhor desempenho no sequestro de carbono. A cada 100 toneladas de CO 2 absorvidas por essa floresta do semiárido brasileiro, há uma retenção que varia entre 45% e 60% e não volta para a atmosfera.
O resultado dos estudos causou admiração até mesmo nos pesquisadores, como Aldrin Perez, do Instituto Nacional do Semiárido, uma das organizações responsáveis pelo projeto.
“Para a nossa surpresa, a Caatinga é a mais eficiente entre os biomas no Brasil e um dos principais do mundo. As plantas, em geral, absorvem e liberam o CO 2 no processo de fotossíntese. Este balanço está sendo muito positivo. Essa floresta é uma das soluções para o problema das mudanças climáticas, uma excelente sumidoura”, diz Perez, um dos autores do estudo.
Um ecossistema ganha essa designação de “sumidouro” quando absorve ou captura mais CO 2 do que libera através da respiração das plantas e do solo. Para ter uma comparação sobre a eficiência do bioma, Aldrin afirma que, na Amazônia, o saldo entre a absorção e a liberação de CO 2 varia entre 2% e 11%. No caso do Cerrado brasileiro, por exemplo, essa eficiência é de 23%.
Esse levantamento comparativo foi medido a partir de dados revelados por um conjunto de torres de 15 metros de altura com equipamentos que captam gases e estão instalados em 30 diferentes biomas do mundo.
O Observatório Nacional da Caatinga, responsável pelos dados, tem a coordenação do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mas envolve acadêmicos de diversas universidades brasileiras e institutos de pesquisa.
De acordo com o estudo, nas regiões mais úmidas da Caatinga o fluxo de vida ali é capaz de reter até 5 toneladas de CO 2 por hectare ao ano. Mesmo em áreas mais secas, a floresta continua com um desempenho notável, retendo até 2,5 toneladas de dióxido de carbono por hectare anualmente. Com esses níveis de retenção, o bioma evita o contato do gás com a atmosfera, processo que contribui diretamente com o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas.
- Newsletter ESG Insights – Grátis: receba um resumo semanal de notícias no seu e-mail .
Caatinga é um dos biomas mais desmatados
Por conta disso, a preservação do bioma é fundamental para a manutenção desse estoque de carbono. Segundo o estudo, a vegetação da Caatinga conserva 3.350 toneladas métricas de carbono por quilômetro quadrado – que serão liberadas caso haja desmatamento. Dizem os pesquisadores que, com a perda da vegetação, esse estoque é perdido em 45% ao longo de 25 anos. No solo, há uma média de 12.500 toneladas métricas de carbono por quilômetro quadrado.
A cifra é relevante porque hoje a Caatinga é o terceiro bioma mais desmatado anualmente do Brasil, segundo cálculo do MapBiomas. Entre 2019 e 2022, houve um aumento de 2.500% no número de alertas de desmatamento. Em 2022, 1.400 quilômetros quadrados de vegetação nativa foram suprimidos na região.
O desmatamento é o principal catalisador da desertificação, fenômeno de esterilização total dos solos que já atinge 13% da Caatinga, de acordo com o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites ( Lapis ) da Universidade Federal de Alagoas.
Diante do acelerado processo de devastação dos solos, Aldrin Perez explica que a ONU tem defendido o conceito de gestão sustentável da terra para neutralizar a degradação. “Na Caatinga ainda temos entre 45% e 55% da vegetação. Precisamos, por um lado, evitar mais degradação com um programa de crédito social do carbono e de criação de novas unidades de conservação.”
“Outro ponto”, diz o pesquisador, “é o paradigma da agroecologia, que é uma proposta científica que foca em sair da produção predatória para uma agricultura de base ecológica. Projeta sistemas biodiversos, com base científica e metodológica, considerando os conhecimentos populares e acadêmicos”.
Um oásis no sertão
Se recuperar a Caatinga ainda é um sonho distante para muitos, para um jovem agricultor do semiárido piauiense já é realidade. Gean Magalhães, de 33 anos, que mora na comunidade quilombola Queimada da Onça, em São Lourenço do Piauí, no semiárido piauiense, sabe bem os benefícios de se manter a Caatinga de pé.
Em 2016, ele firmou o propósito de recuperar 1 hectare por ano de uma capoeira que, por muitos anos, serviu ao cultivo de mandioca, feijão e milho. Esse é o nome dado a uma área bastante degradada por manejos intensivos, quase sempre à base de queimadas e uso de agrotóxicos. “A minha área só dava malva da salvação [espécie indicadora de solo pobre em nutrientes]”, relembra.
Oito anos após a decisão tomada, Gean já tem 8 hectares recuperados, dos quais 3,5 já estão bem consolidados. Ele lançou mão da agrofloresta, técnica que combina o cultivo de espécies frutíferas com plantas florestais madeiráveis ou adubadoras. “A agrofloresta reproduz o comportamento da natureza, porém em um ritmo de regeneração acelerado por causa do manejo intensivo”, explica.
Tomando como base o estudo do Observatório Nacional da Caatinga e considerando que a região onde vive Gean é mais seca, essa extensão de vegetação conseguiria reter 20 toneladas de CO 2 por ano, caso tivesse sido totalmente preservada. Para um cálculo preciso de quanto a propriedade já consegue sequestrar de carbono nesse processo de recuperação, seria necessário um estudo específico in loco .
O agricultor conta que o seu trabalho envolveu três estratégias especiais. Primeiro, realizar o cercamento da área para evitar que os animais pisoteiem as plantas. Segundo, cultivar espécies com maior capacidade de devolver os nutrientes ao solo, como gliricídia, palma, babosa e feijão-de-porco. E, por fim, o manejo intensivo de poda e cobertura do solo, o que favorece a retenção de água.
“Os sistemas agroflorestais contribuem para fixar o nitrogênio e descompactar o solo com a presença das raízes, o que torna o solo mais úmido e fértil”, complementa o agricultor.
Além do clima mais ameno, com sombra e umidade, a área de Gean ampliou e diversificou a produção de frutas, o que garantiu um incremento de R$ 3.700 ao ano. A área também passou a receber visita do azulão ( Cyanoloxia brissoni ), uma espécie de pássaro nativo da Caatinga que frequenta ambientes mais equilibrados, onde há frutas, um dos seus principais alimentos, disponíveis.
O manejo do rebanho é feito com cuidado. Em períodos planejados, eles são soltos na agrofloresta para pastar. No resto do tempo, permanecem no 3 hectares destinados ao pastoreio. “A mudança foi radical. Isso prova que a Caatinga não é um lugar de seca; é um ambiente possível de conviver, que responde rápido à chuva. Mas é preciso fazer um uso sustentável desse bioma”, alerta o agricultor.
Esta reportagem foi publicada originalmente no site Mongabay. Ver o conteúdo original.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
-
Caatinga é o bioma mais eficiente em captura de carbono
Crédito social de carbono, unidades de conservação e recuperação de áreas degradas estão entre as soluções para preservar estoque de carbono da Caatinga
-
Garimpo (legal) da semana ESG
Dicas de conteúdos interessantes sobre ESG e sustentabilidade que garimpamos para você explorar pela internet
-
Resumo da semana ESG: inclusão pela metade nas empresas, papel de um líder ESG, ética e propósito
Debates presentes no radar ESG da semana
-
Papel do líder é fundamental para desenvolver ESG nas empresas
Entenda como a implementação de uma agenda ESG pelos gestores pode trazer benefícios para a cultura organizacional das companhias
-
Madeira pode tornar energia eólica mais sustentável, barata e potente
Para alcançar metas climáticas, energia eólica deve crescer mais de 50% na União Europeia até 2030
-
Lula sanciona lei de modernização da indústria
Programa de apoio à indústria nacional prevê incentivos de R$ 3,4 bilhões
-
Câmara aprova Mover, para descarbonizar produção de veículos
Programa Mover prevê R$ 19,3 bilhões de incentivos em cinco anos; texto agora segue para o Senado
-
Mais de 90% das cidades não estão preparadas para riscos climáticos, aponta pesquisa
Estudo do Instituto Cidades Sustentáveis indica 25 estratégias prioritárias; 94% dos municípios cumprem menos de metade delas
-
Empresas preferem pessoas com deficiências “leves” e fazem inclusão pela metade
Pessoas com deficiências “mais severas” têm dificuldade em competir de forma igualitária no mercado de trabalho, mesmo concorrendo por vagas afirmativas
-
Europa adota nova regra para impacto zero na indústria
O Net-Zero Industry Act visa impulsionar a implantação de tecnologias industriais de impacto zero no bloco
O post Caatinga é o bioma mais eficiente em captura de carbono apareceu primeiro em ESG Insights .