POR BÁRBARA VETOS
Para pessoas com deficiência, não basta ter formação, experiência e conhecimento técnico para poder trabalhar. Mesmo diante de vagas afirmativas, as barreiras persistem. Deficiências não visíveis ou consideradas pelos recrutadores como mais “leves” acabam sendo as priorizadas nos processos seletivos. “Se a empresa só quer cumprir cota, ela faz a escolha que, na visão dela, dá menos trabalho”, afirma Katya Hemelrijk, CEO da consultoria Talento Incluir.
Esse tipo de contratação leva a outro problema: a falta de suporte. Na prática, as pessoas com deficiências não visíveis também têm seus desafios, suas dores, e precisam de adaptações para terem uma maior qualidade de vida. “Essas pessoas são, muitas vezes, desconsideradas nesse processo de adaptação e de acolhimento.”
Achar que optou pelo caminho mais simples e que, portanto, não é preciso fazer treinamento ou transformar o ambiente e as relações de trabalho para receber aquela pessoa é uma visão capacitista. “É como se ter uma deficiência tivesse que ser algo visivelmente trágico para valer”, comenta. Recentemente, Hemelrijk revela que ouviu o termo “deficiência Nutella” para se referir a deficiências consideradas menos graves ou imperceptíveis em um primeiro momento. “É importante que as pessoas se sintam seguras para dizer quem são com a deficiência fazendo parte da vida delas.”
Os temas de diversidade e inclusão têm se tornado um pré-requisito ESG. No entanto, a CEO aponta que, sem planejamento, não é possível alcançar o resultado esperado. “Arrisco dizer que a diversidade por si só agrega o mesmo tanto que atrapalha”, explica, “porque quando eu coloco um monte de gente diferente sem preparação, sem espaço seguro, sem sensibilização, eu posso acabar colocando essas pessoas em uma situação constrangedora ou desnecessária”.
Segundo a profissional, está na hora de as empresas começarem a enxergar o assunto como uma oportunidade de negócio, e não um cumprimento de cota, uma fachada de marketing, ou, puramente, moda. Ela enfatiza que as empresas devem passar a se perguntar: “Eu quero, de fato, promover a inclusão e fazer uma transformação social, ou eu quero cumprir cota?”
Dificuldades começam no recrutamento
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 18,6 milhões de pessoas com 2 anos ou mais que possuem algum tipo de deficiência no país. Entre as pessoas com deficiência auditiva, esse número chega a 10,7 milhões. No entanto, apenas 37% delas estão inseridas no mercado de trabalho, como mostra pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva.
Há nove meses, Philippe Corrales, de 38 anos, faz parte dos outros 63% que buscam recolocação no mercado. Formado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, o profissional tem surdez profunda – não consegue ouvir nada – desde o nascimento. Ele conta que, ao longo de sua carreira, chegou a se sentir excluído pelos colegas de trabalho e foi considerado incapaz. Hoje, sente dificuldade em encontrar um recrutamento que seja realmente inclusivo.
Por mais que apresente o laudo sobre sua deficiência, reforce que consegue acompanhar o trabalho por meio de leitura labial – desde que falem mais devagar – e pelo chat, e que só precisaria de um intérprete de Libras para os feedbacks do gestor e para reuniões, fica sem resposta na maioria das vezes. “Os recrutadores e as empresas não reconhecem minhas habilidades e profissionalismo por causa da minha deficiência auditiva”, lamenta Corrales.
O cenário não é muito diferente mesmo quando se trata de uma oportunidade voltada a pessoas com deficiência. Quando descobrem que ele possui surdez profunda, as portas se fecham.
“É lamentável que algumas empresas ainda não estejam preparadas para lidar adequadamente com candidatos surdos e que, às vezes, pareçam não entender a importância da inclusão e diversidade no local de trabalho”, critica o profissional de TI.
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Falta de plano de carreira dificulta crescimento
Segundo o estudo Pessoas com deficiência e empregabilidade, realizado pela Noz Inteligência em parceria com a Talento Incluir, 60% das pessoas com deficiência nunca foram promovidas. Entre elas, 45% permanecem no mesmo cargo e na mesma empresa por mais de uma década.
Muitas vezes, o candidato tem um currículo adequado para a vaga, mas as oportunidades apresentadas a ele são iniciais. “Ok serem cargos de entrada, mas não está ok serem apenas cargos de entrada. Eles deveriam aparecer de acordo com as competências e aquilo que a pessoa pode oferecer para a empresa”, enfatiza a consultora.
A pressa pela sobrevivência pode, inclusive, fazer com que os diplomas sejam colocados em segundo plano. A profissional conta que conheceu um rapaz com deficiência auditiva que trabalhava no chão de fábrica e tinha mestrado em Finanças. “Isso está errado. As pessoas com deficiência acabam aceitando essas posições porque elas precisam sobreviver, mas não estão felizes ali e estudaram para exercer outra função”, lamenta.
Inclusão como estratégia de negócio nas empresas
Ainda durante os processos seletivos, de maneira remota ou presencial, as empresas podem auxiliar na criação de um ambiente seguro e confortável para os candidatos, segundo a especialista. Para pessoas com deficiência auditiva, por exemplo, pode ser melhor ter um intérprete de Libras presente na reunião, a entrevista pode ser legendada em tempo real, ou algum outro recurso de acessibilidade pode ser aplicado. No caso de um encontro presencial, além desses cuidados, existe a acessibilidade arquitetônica.
“Isso não é paternalizar, mas garantir que a pessoa consiga chegar em condições de tranquilidade e paz de espírito para fazer uma entrevista que causa nervosismo em qualquer pessoa”, esclarece Hemelrijk. “Compreender as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência é fundamental para promover um ambiente de trabalho inclusivo”, complementa Corrales.
Para ele, uma empresa realmente preocupada com essas questões deve se atentar a quatro tópicos: flexibilidade, oportunidades de crescimento, valorização das habilidades e aprendizado contínuo.
“As empresas devem estar abertas a adaptar o ambiente de trabalho e as práticas de trabalho para atender às necessidades específicas dos funcionários”, ressalta. Isso pode incluir ajustes como horários mais flexíveis, tecnologia assistiva e acessibilidade física. Além disso, o profissional de TI defende que as companhias valorizem as habilidades que as pessoas com deficiência podem trazer para o local de trabalho.
“As pessoas com deficiência têm um planejamento e uma criatividade ótimos, porque o plano A nunca dá certo”, diz a CEO da Talento Incluir. “Temos isso naturalmente, porque a vida exige que seja assim se a gente quiser sobreviver nessa sociedade que ainda é muito capacitista.” Hemelrijk foi diagnosticada com osteogênese imperfeita ao nascimento e hoje fala enquanto especialista e com conhecimento de causa.
Outro ponto levantado por Corrales é a importância de assegurar a mesma oportunidade de progressão de carreira em relação aos demais funcionários. Segundo ele, as empresas devem oferecer programas de desenvolvimento profissional, treinamentos e mentoria para ajudar as pessoas com deficiência a expandirem suas habilidades, assim como devem garantir que elas permaneçam se atualizando com as novas tecnologias, práticas e tendências em suas áreas de atuação.
“As empresas precisam ser mais responsáveis nas suas escolhas, porque o tema é sério e envolve seres humanos que são diariamente submetidos a microagressões”, enfatiza a consultora. “Mimimi é a dor que dói no outro e não dói em você.”
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