Os desafios da reciclagem para reduzir tsunami de plástico nos oceanos
ESG Insights
Os desafios da reciclagem para reduzir tsunami de plástico nos oceanos

POR NATÁLIA RANGEL

O estudo intitulado A fraude na reciclagem do plástic o , da organização norte-americana Centro para a Integridade Climática (CCI), publicado em fevereiro, trouxe revelações incômodas: denuncia que as grandes empresas petrolíferas e a indústria do plástico omitiram do público entendimentos que já possuíam desde a década de 1980 sobre a limitação da reciclagem na contenção da poluição plástica.

Documentos só agora divulgados, reproduzidos nas 68 páginas do relatório, mostram que já se sabia, por exemplo, que o processo de reciclagem resulta em um material de pior qualidade e menor eficiência e que o custo do plástico reciclado é mais alto que a produção do plástico virgem, o que desestimulou o interesse da indústria pelo reaproveitamento.

A questão econômica foi determinante desde o início e, de acordo com o relatório, é a principal razão pela qual a reciclagem do plástico não acompanhou a velocidade da produção industrial mundial, que passou de 2 milhões de toneladas em 1950 para mais de 450 milhões hoje. Enquanto a reciclagem alcançou seu melhor momento nos EUA, em 2014, com o reaproveitamento de 10% do total descartado, equivalente a 5 milhões de toneladas de resíduos.

No Brasil, só 1,28% do lixo plástico vai para reciclagem

O documento responsabiliza os grandes grupos petrolíferos como a Chevron, ExxonMobil, Shell, entre outros, pela atual crise dos resíduos plásticos e cobra reparação.

Outros trabalhos recentes já alertavam sobre a situação, como o artigo Circular claims fall flat again (ou Reivindicações por uma economia circular fracassam de novo , em uma tradução livre) publicado pelo Greenpeace, em 2021, mostrando que naquele ano apenas 5% das 50 milhões de toneladas de lixo plástico produzidas nos EUA foram recicladas.

Em entrevista ao ESG Insights, Carolina Alcoforado, diretora de Novos Negócios e Inovação da Melhoramentos, destaca que o consumo mundial de polímeros fósseis, que são os plásticos produzidos à base de óleo e petróleo, cresceu mais de 20 vezes em poucas décadas. “Isso é um símbolo da nossa sociedade de consumo. Houve uma baita evolução tecnológica? Sim, mas ao mesmo tempo, mais da metade desses produtos é plástico de uso único”, diz ela.

Educação e conscientização são pilares importantes, diz especialista

Os efeitos dessa alta desenfreada do consumo aparecem na pesquisa da organização não governamental Oceana Brasil: 8 milhões de toneladas desses resíduos de uso único vão para o oceano, o que equivale a aproximadamente 500 bilhões de itens de consumo descartados por ano. Um dos fatores que agravam o problema, conforme aponta a Oceana Brasil, é o fato de esses descartáveis possuírem baixíssimo valor para o mercado de reciclagem.

“Segundo dados do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), o Brasil é um dos maiores produtores de lixo plástico do mundo. São 11,3 milhões de toneladas. E quando a gente vai ver o que efetivamente é reciclado falamos de 1,28%. É um dos menores índices do mundo”, informa Carolina Alcoforado, a partir de dados da ong WWF Brasil. No ranking mundial da geração de resíduo plástico, o Brasil só está atrás da China, Índia e EUA.

De todos os tipos de plástico produzidos no Brasil, o PET (sigla para polietileno tereftalato), utilizado nas garrafas de refrigerante e água mineral, é o único com alta taxa de reciclagem, chegando a 60%, segundo o Atlas do Plástico, estudo realizado pela organização sem fins lucrativos alemã Fundação Heinrich Böll. Mesmo assim, a Pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostra que o plástico é responsável por 70% dos resíduos encontrados nos mares brasileiros. 

Por que utilizar uma embalagem por 10 minutos, sabendo que seu impacto persistirá por 100 anos?

De acordo com Alcoforado, não basta ter um programa de reciclagem ou de logística reversa. É preciso fomentar a cultura do reaproveitamento correto, ou seja, educação é muito importante. Ela explica que talheres plásticos, por exemplo, hoje não estão previstos para descarte nem mesmo no Plano Nacional de Resíduos Sólidos .

São toneladas desses resíduos de vida útil extremamente curta que infestam corais, sufocam animais da fauna marinha e impactam a atividade pesqueira em todo o mundo. A embalagem plástica que envolve um talher descartável ou os mexedores utilizados para o café, por exemplo, não são biodegradáveis. Assim como sacolas plásticas, canudos, cotonetes e copos descartáveis, todos pertencem à categoria dos plásticos de uso único.

“Por que utilizar uma embalagem por 10 minutos, sabendo que seu impacto persistirá por 100 anos?”, questiona. “O que você faz com esse talher, com esse canudo, com essa sacola plástica? Eles vão para lixões. É importante pensar em como reter esse material antes que ele caia no oceano ou na floresta, mas também é fundamental investir no desenvolvimento de novas tecnologias, que é o nosso foco de pesquisa”, diz Alcoforado.

Não existe caminho único para enfrentar tantos desafios complexos. A abordagem deve ser multifacetada e contemplar diversas ações e atores. “Conscientização e educação são pilares muito importantes. E é fundamental que o consumidor pressione a indústria a começar essa transformação. Acredito muito no nosso papel como indústria, de trazer soluções, e no meu papel como consumidora, de opinar e pressionar”, diz.

Bambu, fibras e bioplástico

No artigo Substituir o plástico vai além da biodegradabilidade: requer olhar para a pegada de carbono da produção , Carolina Alcoforado, da Melhoramentos, aponta alguns materiais que estão sendo testados como substitutos para mitigar os impactos do plástico:

  • Bioplásticos – Derivados de fontes renováveis, como celulose, amido de milho, cana-de-açúcar ou até mesmo algas. Possuem características semelhantes aos plásticos com a vantagem de serem biodegradáveis. A produção de bioplásticos também emite menos gases de efeito estufa em comparação com os plásticos tradicionais.
  • Fibras naturais – Como algodão orgânico, cânhamo e juta são alternativas aos tecidos sintéticos, frequentemente à base de plástico. Essas fibras naturais são biodegradáveis e renováveis, proporcionando opções mais amigáveis ao meio ambiente na indústria têxtil.
  • Bambu – Alternativa versátil e sustentável, sendo utilizado em diversos produtos e de baixo impacto ambiental.

Dados sobre o lixo plástico que você precisa saber

  • O mundo produz 430 milhões de toneladas de lixo plástico anualmente.
  • Apenas 9% são reciclados por ano.
  • Nesse ritmo, o lixo plástico deve triplicar até 2060.
  • Dois terços dos produtos plásticos possuem um ciclo curto, sendo descartados rapidamente.
  • Os custos social e ambiental da poluição plástica chegam a US$ 1,3 trilhões por ano.
  • O mundo gerou 139 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos descartáveis em 2021. Isso equivale a mais de 13,7 mil Torres Eiffel.
  • Com novos hábitos, a cadeia de reciclagem do plástico poderia criar 700 mil empregos para trabalhadores informais.

Dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023 , da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Poluição: 70% do lixo encontrado nos mares brasileiros são plásticos

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