POR FELIPE SANTOS DE MIRANDA NUNES
O arcabouço institucional brasileiro para o combate aos crimes ambientais já foi considerado um dos mais avançados do mundo e, entre os anos de 2004 e 2012, o país foi capaz de reduzir em 84% o desmatamento na Amazônia. Entretanto, a partir de 2013 e até 2022, houve um aumento de 60% na taxa de desmatamento no bioma e, agora, o governo luta para retomar o controle da situação.
Diante desse cenário, pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (CSR-UFMG) e parceiros analisaram mudanças-chave que impactaram na dinâmica do desmatamento na Amazônia entre os anos de 2000 e 2020, e também alguns acontecimentos político-institucionais cruciais entre 2018 e 2022.
O trabalho intitulado Lessons from the historical dynamics of environmental law enforcement in the Brazilian Amazon ( Lições das dinâmicas históricas da fiscalização ambiental na Amazônia brasileira , em português) foi publicado em janeiro na renomada revista Scientific Reports do portfólio Nature. No artigo, foram avaliados diversos indicadores que ajudam a compreender as mudanças de uso da terra e a prevalência do desmatamento ilegal na Amazônia brasileira, como a intensidade da aplicação da lei, a eficiência da fiscalização, alterações no processo legal, e, por último, mudanças na capacidade institucional e militarização da fiscalização.
Vanguarda ambiental
A partir da análise de uma massa de dados geoespaciais, apontou-se que, entre 2000 e 2011, investimentos no crescimento e aperfeiçoamento técnico das equipes do Ibama e ICMBio, bem como melhorias no Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) e a criação do Deter, ambos sob responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), possibilitaram a intensificação e o crescimento da eficiência da fiscalização.
Durante esse período, foram emitidos mais de 19 mil embargos ambientais — instrumento utilizado pelos órgãos ambientais para interromper atividades que estejam causando danos ao meio ambiente ou que estejam em desacordo com as normas ambientais — e 52 mil multas no valor de US$ 2,6 bilhões (cerca de R$ 12,9 bilhões), abrangendo uma área de 1,4 milhão de hectares. Por meio das informações de geolocalização que passaram a ser incorporadas cada vez mais aos autos de infração, foi possível verificar maior correspondência entre as áreas autuadas e o desmatamento ilegal detectado por satélite.
Pressão política
Como consequência da fiscalização mais rígida e eficiente, entretanto, forças políticas ruralistas pressionaram pela reforma do Código Florestal Brasileiro, consolidada em 2012, e, assim, conseguiram anistia de 58% do desmatamento ilegal realizado antes de 2008 e o comprometimento de diversos processos legais em andamento. A estimativa é de que 11,4 mil multas por infrações contra a flora (desmatamento ilegal e outros crimes que afetam negativamente a preservação da vegetação nativa) no valor de US$ 1,07 bilhão (cerca de R$ 5,3 bilhões) tenham sido suspensas.
Embora entre 2012 e 2018 tenham sido emitidos 24 mil embargos e 32,3 mil multas, no valor de US$ 3,8 bilhões (aproximadamente 18,9 bilhões) e visando 1,9 milhão de hectares, o valor das multas foi sendo reduzido ao longo do tempo. Ademais, a comparação do número de propriedades rurais e áreas de desmatamento ilegal alvo de operações de campo sugere uma queda na eficiência da fiscalização a partir de 2012 e uma ainda maior após 2018.
Somando-se a isso, em relação ao aspecto legal, a criação do processo de conciliação e a centralização dos julgamentos por crimes ambientais em 2019 aumentaram a probabilidade de impunidade para quem desmata ilegalmente. Enquanto o número médio anual de multas pagas era de 1.017 entre os anos de 2004 e 2018, em 2020 esse número caiu para 480.
Em 2021, o número de processos esperando julgamento no Ibama era de quase 99 mil, enquanto apenas 95 servidores civis estavam designados a atuar como conciliadores, 27 autoridades aptas a julgar em primeira instância e apenas uma na segunda e mais alta instância, revelando a deficiência no quadro de recursos humanos para dar conta dessa demanda.
Como consequência, em 2022, apenas cerca de 250 audiências de conciliação foram concluídas, menos de 2% de autos de infração lavrados no mesmo período. Em comparação ao período 2012-2018, o número de multas pagas resultantes desses processos despencou em 97% em 2020 e 85% em 2021.
Fiscalização militarizada
Já em termos da capacidade institucional, a mudança mais significativa foi a transferência da liderança das operações por parte do Ibama e o ICMBio, historicamente os grandes responsáveis pela maior parte do combate aos crimes ambientais na Amazônia, para as Forças Armadas.
Ao contrário da diminuição das taxas de desmatamento ou dos incêndios, o que se viu foi o crescimento dos alertas de desmatamento em 113% e 60% durante as operações Verde Brasil e Verde Brasil 2, em 2019 e 2020, e a extensão de área queimada na Amazônia em 2020 atingiu o mesmo patamar de 2010, um ano de extrema seca no bioma.
As operações de fiscalização caíram abaixo da média histórica especialmente em 2020, os autos de infração por crimes contra a flora caíram em 65% no mesmo ano e o confisco e destruição de equipamentos e embargos reduziram-se em 83% e 87%, respectivamente.
Os custos, porém, foram muito mais altos do que sob a liderança dos órgãos ambientais. Enquanto entre 2004 e 2020, os gastos totais do Ibama com fiscalização somaram US$ 338 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão), os custos das operações militares Verde Brasil 1 e 2 foram de US$ 90,3 milhões (por volta de R$ 449 milhões). Ou seja, em dois anos de operações militares foi gasto cerca de 1/3 do valor total gasto pelo Ibama em 16 anos e o resultado foi o crescimento de 62% da taxa de desmatamento comparada à média anual entre 2009 e 2018.
Apesar de as Forças Armadas poderem desempenhar um papel importante ao oferecer segurança e apoio logístico aos fiscais do Ibama e do ICMBio, transferir a liderança de operações para militares não só foi ineficaz, como também desperdiçou recursos públicos escassos.
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Como reverter a situação
Com esses resultados, o trabalho mostra ainda que existem vários pontos de entrada para intervenções de governança que podem contribuir para que o Brasil reestabeleça sua posição de vanguarda no combate aos crimes ambientais. Para além de aumentar autuações e embargos, é necessário fazê-los valer, concluir os julgamentos das multas, aliando o gasto público com transparência e tecnologia para responsabilização célere de infratores.
As instituições financeiras e agências sanitárias ainda não fazem o suficiente para impedir que desmatadores ilegais vendam seus produtos ou obtenham crédito. Muitos já aprenderam como burlar e esconder a origem irregular de seus produtos. Nesse contexto, instrumentos públicos capazes revelar o desmatamento de fornecedores diretos e indiretos de commodities, como as plataformas Selo Verde PA e Selo Verde MG, em conjunto com programas de regularização ambiental em larga escala, serão cruciais para reduzir o desmatamento nos próximos anos.
Felipe Santos de Miranda Nunes – Diretor do Centro de Inteligência Territorial (CIT) e pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original .
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