POR BÁRBARA VETOS
Os grandes festivais de música, como o Lollapalooza, que tem início nesta sexta-feira (22/3) em São Paulo, têm se transformado ao longo dos tempos. Se antes ofereciam apenas um conjunto de shows, agora buscam proporcionar uma “experiência” completa aos visitantes e aos patrocinadores, como se fossem verdadeiros parques de diversões. Mas não foi só isso que mudou. A crise climática também tem alterado a lógica de grandes eventos no quesito sustentabilidade e bem-estar do público. Ao mesmo tempo em que são afetados por ela, também geram uma série de impactos ambientais.
Na Austrália, o festival Pitch Music & Arts foi cancelado devido ao risco de incêndio por temperaturas extremas registradas na cidade de Moyston. O evento, que deveria durar quatro dias (8 a 12 de março), foi suspenso quando as pessoas já estavam presentes no local. O país tem sido uma das maiores vítimas das mudanças climáticas.
Bruno Casagrande, especialista em construções sustentáveis e ESG pela Fundação Vanzolini, e Gabriel Novaes, professor do curso de ESG e Sustentabilidade da Fundação Vanzolini, analisam que a preocupação com a pauta socioambiental nos eventos vem de diversas frentes: consumidores, organizadores, patrocinadores e até mesmo dos artistas.
Os impactos ambientais dos grandes festivais
Embora tenham fins de entretenimento, os festivais de música podem ser agentes intensificadores da crise ambiental. O Lollapalooza, que será realizado entre os dias 22 e 24 de março no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, não é o único evento desse porte que precisa se atentar a sua responsabilidade ambiental.
Fatores como consumo de água e energia, emissões de carbono, geração e descarte de resíduos, deslocamento e transporte são alguns dos pontos críticos gerados pelos festivais.
“Esses eventos trabalham com grandes massas que vêm de todas as partes [do país] e esses deslocamentos acabam tendo impacto em questões relacionadas às emissões de carbono”, explica Casagrande. Isso diz respeito tanto ao público quanto à mão de obra nos períodos que antecedem os shows.
“Também há toda uma preocupação social e trabalhista. Geralmente, esses festivais envolvem uma cadeia de trabalhadores e fornecedores bastante extensa e de serviços variados”, complementa Novaes.
A própria montagem das estruturas, planejamento e execução do festival também gera impactos devido ao consumo de água e energia para abastecer todas as instalações, assim como o descarte de resíduos.
Os profissionais acreditam que há uma tendência de intensificação das ações sustentáveis, com a colocação das questões socioambientais mais no centro das discussões. Segundo Novaes, parte dessas exigências vem pelo público e dos artistas, que demandam um maior engajamento das empresas organizadoras, mas parte também vem dos investidores e patrocinadores.
“Tem empresas que estão na bolsa de valores e, muitas vezes, respondem a índices de sustentabilidade e diversidade”, comenta. Ele ressalta que as certificações, respostas aos índices e frameworks ESG dessas companhias acabam sendo promotores de sustentabilidade.
Propostas sustentáveis para 2024
Como vem sendo feito nos últimos anos, o Lollapalooza anunciou parcerias com marcas e empresas nesta edição, com o objetivo de promover ações sustentáveis e reduzir o impacto socioambiental do evento.
Entre os destaques estão a contratação da Accenture para fazer o cálculo das emissões de carbono diretas e indiretas do festival em 2024. De acordo com as empresas, a ação vem aliada a um plano de posicionamento climático e de responsabilidade ambiental.
Outra proposta que será colocada em prática nesta edição é a instalação de 25 postes de luz que fornecerão energia limpa gerada por placas solares, em conjunto com a Neoenergia, ampliando o movimento pela descarbonização.
Além disso, a Re:wild, organização conservacionista que atua no enfrentamento às mudanças climáticas, também estará presente no evento por meio de ações educativas e com apoio financeiro do Lollapalooza aos seus projetos ambientais.
Braskem e o discurso sustentável
Uma marca que foi parceira do festival por dois anos consecutivos foi a Braskem. Em 2022, 130 mil itens resíduos plásticos foram coletados para reciclagem. Na edição seguinte, foram 350 mil. A empresa também já participou de outros eventos similares como Rock in Rio e The Town.
No entanto, ela não estará presente neste ano. Responsável pelo afundamento de bairros na região de Maceió devido à exploração das minas de sal-gema, a última atuação da Braskem em festivais ocorreu em setembro, durante o The Town, em São Paulo. Nessa época, a Braskem já estava associada aos escândalos.
A participação da marca a partir de ações sustentáveis nesses eventos traz questionamentos sobre greenwashing. Nas redes sociais, internautas criticam a parceria e dizem estar indignados com a empresa “fingindo ser amiga do meio ambiente”.
Em uma publicação, uma usuária comenta de forma irônica: “A Braskem é patrocinadora do Lolla 2023! Viva a sustentabilidade e o afundamento dos bairros de Maceió!”
A principal ação da Braskem no Lollapalooza do ano passado consistia em incentivar o público a coletar resíduos plásticos e trocar por brindes nos estandes, acabou não gerando repercussão positiva junto ao público, apesar dos números expressivos de coleta, devido ao histórico da marca.
Os riscos do calor extremo
Em novembro do ano passado, a jovem Ana Clara Benevides, de 23 anos, morreu devido à exaustão térmica no show de sua cantora favorita, Taylor Swift, em um dos dias mais quentes já vividos no Rio de Janeiro, com sensação térmica beirando os 60 ºC.
Foram registradas várias reclamações nas redes sociais envolvendo a organização do evento, realizado pela Tickets for Fun, e sobre a falta de estrutura e ações negligentes às quais o público foi submetido.
A morte da jovem acabou sendo um marco para eventos de grande porte no Brasil e trouxe à tona uma série de questões envolvendo a responsabilidade que as empresas devem ter ao promover shows no país. Além disso, debates como a disponibilização de água gratuita nesses locais e um atendimento médico adequado às pessoas que passem mal ganharam força nesse contexto.
O tema também chegou ao setor público, com diversos projetos de lei em discussão, na Câmara dos Deputados e também em assembleias legislativas e câmaras municipais, que ficaram conhecidos como “Lei Ana Benevides”.
O Lollapalooza paulistano, assim como nos anos anteriores, promete disponibilizar pontos gratuitos de hidratação para os visitantes.
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