POR RALPH TRANCOSO
Três a cinco bilhões de pessoas – ou até dois terços da população mundial – deverão ser afetadas pelas mudanças nas precipitações previstas até ao final do século, de acordo com uma nova pesquisa realizada por mim e pelos meus colegas . A menos que o mundo intensifique rapidamente os esforços de redução das emissões.
No momento, os efeitos das mudanças climáticas nas chuvas globais têm sido incertos. Isso vem prejudicando a nossa capacidade de adaptação às alterações do clima e de preparação para catástrofes naturais.
Nosso método [de pesquisa] supera essa incerteza. Identificamos as regiões onde vários modelos climáticos fazem projeções semelhantes sobre os impactos futuros das chuvas, revelando assim as regiões no mundo mais prováveis de sofrer condições mais secas e úmidas no futuro.
As nossas descobertas têm implicações profundas para uma grande proporção da população mundial – incluindo milhões de australianos.
Navegando na incerteza das projeções de chuva
Os modelos climáticos são uma das principais formas de os cientistas compreenderem como o clima se comportou no passado e como poderá mudar no futuro. Eles compreendem milhões de linhas de códigos de computação e usam equações matemáticas para representar como a energia e os materiais se movem através do oceano, da atmosfera e da terra. Para projeções futuras, os modelos climáticos são orientados por cenários que representam várias trajetórias possíveis de emissões.
Utilizar modelos climáticos para simular futuros padrões de precipitação é uma tarefa difícil. A chuva é influenciada por fatores complexos, como o equilíbrio radiativo (quanta energia do Sol entra versus quanta energia sai), bem como fatores climáticos ligados a características específicas de temperatura da superfície do mar, como El Niño e La Niña. Isso significa que diferentes modelos climáticos produzem frequentemente diferentes projeções de precipitação, especialmente a nível regional.
Queríamos investigar até que ponto os modelos climáticos “concordam”, ou produzem projeções semelhantes, sobre como as emissões de CO₂ podem afetar as futuras chuvas em todo o mundo.
Existem várias maneiras de fazer isso. O método mais comum é calcular a média dos dados coletados ao longo do tempo – digamos, duas décadas. Mas essa abordagem pode eliminar informações importantes e obscurecer percepções vitais sobre como as chuvas se comportarão no futuro.
Utilizamos um método inovador e mais abrangente baseado em dados de “séries temporais”, ou dados coletados em intervalos regulares ao longo do tempo – compreendendo projeções históricas e futuras de 1980 a 2100. Essa abordagem considera mudanças contínuas ao longo do tempo, tanto no passado recente como até o final deste século.
Analisamos as gerações atuais e anteriores de modelos climáticos – 146 no total.
Os hotspots globais
A nossa análise mostrou que vários países enfrentarão condições mais secas no futuro. Os cinco países mais afetados foram Grécia, Espanha, Palestina, Portugal e Marrocos, onde pelo menos 85% dos modelos projetam uma redução significativa da precipitação anual até ao final deste século, em um cenário pessimista de emissões muito elevadas.
Em contraste, para a Finlândia, Coreia do Norte, Rússia, Canadá e Noruega, mais de 90% dos modelos concordaram em uma tendência para o aumento da precipitação anual.
O quadro é semelhante para nações altamente populosas, como a China e a Índia, que, em conjunto abrigam mais de 2,7 bilhões de pessoas. Nessas nações, 70% dos modelos concordaram com as projeções para o aumento das chuvas.
A nossa análise mostrou que, em alguns países europeus, incluindo o Reino Unido, a Alemanha e a França, os modelos climáticos geralmente projetam menos chuvas no verão e mais no inverno. Esses aumentos e diminuições se compensam mutuamente, o que significa que não há mudanças na precipitação anual, mas sim alterações substanciais nas distribuições sazonais ao longo do ano.
Utilizando a nossa abordagem, as projeções de precipitação permaneceram pouco claras para algumas partes do mundo. Essas incluem a maior parte da Austrália, bem como a Europa Central, o sudoeste da Ásia, partes da costa oeste africana e da América do Sul.
No geral, as regiões que ficam mais úmidas ou mais secas, devido ao aquecimento global, ocupam uma vasta proporção do globo. Nos cenários em que as emissões permanecem intermediárias (isto é, as emissões diminuem para cerca de metade dos níveis de 2050 até ao final do século), 38% da população mundial atual, ou três bilhões de pessoas, seria afetada pelas mudanças nas chuvas.
Se, em vez disso, registrarmos emissões muito elevadas, 66% da população mundial – ou cinco bilhões de pessoas – seria afetada. Muitas dessas regiões já estão sofrendo redução e aumento de chuvas devido às mudanças climáticas.
Um destaque na Austrália
A nossa análise da Austrália revelou que os modelos climáticos apontam uma região de redução de chuvas significativa sobre o Oceano Índico, abrangendo as costas sudoeste e sul. A primavera foi a estação com maior redução pluviométrica nessa região.
E em nível estadual? Num cenário de emissões muito elevadas, metade dos modelos indicam condições futuras mais secas para Victoria. Isso é impulsionado por mudanças nas chuvas de inverno e primavera. Outros estados e territórios que concordaram com um inverno mais seco no futuro, também em um cenário de emissões elevadas, incluem o Território da Capital Australiana e a Austrália Ocidental. Os modelos também projetam uma redução nas chuvas de primavera na Tasmânia.
Cerca de 1,9 milhões de australianos seriam afetados por esses padrões de redução de chuvas, num cenário intermediário de emissões. Eles compreendem aqueles no sudoeste da Austrália Ocidental, incluindo Perth e a região de Wheatbelt. Sob emissões muito elevadas, à medida que a região afetada se expande quatro vezes em direção ao oeste de Victoria, cerca de 8 milhões de pessoas poderão ser impactados.
Olhando para frente
À medida que as mudanças climáticas se aceleram, é essencial compreender as potenciais mudanças nas precipitações globais e as consequências para as populações humanas.
Eu e meus colegas esperamos que as nossas descobertas reduzam a incerteza sobre a forma como os padrões de precipitação irão mudar em todo o mundo e ajudem os governos e as comunidades a planejarem formas eficazes de adaptação.
Ralph Trancoso – Professor Adjunto Associado de Mudanças Climáticas da Universidade de Queensland, Austrália.
Este texto foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em inglês .
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