POR PIETRA BASTOS
O negócio de impacto social é a visão do futuro de como fazer negócios. Ao mesmo tempo que gera lucro ao empreendedor, gera impacto positivo para a sociedade, oferecendo soluções para problemas socioambientais, como acesso à educação e agroecologia.
Mensurar e comunicar o impacto são quesitos cada vez mais importantes na agenda ESG . Mas definir indicadores e acompanhar resultados podem se tornar um desafio a alguns empreendedores.
O 4º Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental revela que 31% dos negócios no Brasil definem indicadores e/ou objetivos de impacto, mas não medem de maneira eficiente. Já outros (27%) ainda não estabeleceram indicadores e/ou objetivos.
A pesquisa é realizada pela startup Pipe Social e a aceleradora Quintessa e mapeia o perfil dos negócios de impacto socioambiental espalhados pelo país.
Para saber como medir o impacto social de um negócio e atrair investidores, o ESG Insights conversou com a economista Itali Collini, diretora da empresa de investimentos de impacto Potencia Ventures no Brasil.
“É uma nova visão de como construir empresas de mercado”
ESG Insights – Que tipo de negócio pode ser chamado como negócio de impacto social?
Itali Collini – O negócio de impacto é um negócio que nasce para resolver algum problema socioambiental.
A grande diferença do negócio de impacto para o negócio tradicional é primeiro a intencionalidade na criação do produto ou serviço. Eu estou criando um produto ou serviço para tentar reduzir alguma desigualdade social. Pode ser uma desigualdade no acesso à educação, à saúde, à moradia digna.
Por exemplo, no acesso à educação, tem empresas como a Prol Educa, que participa do nosso programa [da Potencia Ventures] de apoio a empreendedores, que ajuda crianças de baixa renda a estudar em escolas particulares com bolsa.
Para desigualdade de saúde, tem a startup como a dr.consulta que oferece consultas mais acessíveis porque sabe que o gap [vão, em português] entre a fila do SUS e um plano de saúde tradicional é muito grande. E moradia digna tem a Moradigna e a Vivenda, que fazem reformas de baixo custo em casas da periferia olhando para o déficit de qualidade de habitação. Os empreendedores quando criaram estavam mirando em um problema social.
O segundo é a mensuração desse impacto. Toda empresa causa um impacto, tanto as que nasceram para diminuir desigualdades quanto as que não. Mas os negócios de impacto são mais empenhados em medir porque querem efetivamente saber se estão mudando o indicador social. Como a mensuração de quantos alunos estão entrando em mais escolas. No futuro, esses alunos vão ter acesso a melhores universidades, ou não, a melhores empregos, ou não.
Aí entra uma outra discussão que é a mensuração de impacto. É um campo muito novo, não existem metodologias acordadas internacionalmente então tem muita gente experimentando com isso ainda. Mas eu diria que é muito importante para um negócio de impacto não só medir indicador financeiro, como também indicadores sociais e ambientais naquilo em que há interesse da empresa.
ESG Insights – Como definir indicadores de impacto social e ter certeza de que o negócio está gerando resultados?
Itali Collini – Esse é o desafio. A partir do momento que os campos do negócio de impacto e do investimento de impacto vão se desenvolvendo, e eu diria que no Brasil é algo entre 10 e 15 anos de construção de ecossistema. Ou seja, pouco historicamente.
Você olha para o mercado lá fora e vê o Global Impact Investing Network (GIIN), que é uma associação de investimento de impacto mais antiga e eles criaram uma metodologia para olhar para impacto. A academia também criou outra metodologia, uma versão mais acadêmica da Teoria da Mudança.
A Teoria da Mudança é uma metodologia que eu acho muito legal. Ela analisa o que é o input, que é o que a empresa está fazendo; o que é o output, que é o resultado imediato; e o que é o outcome , que é o resultado de longo prazo.
A Teoria da Mudança é uma metodologia que a aceleradora de impacto Artemisia, por exemplo, ensina para os acelerados. Muita gente tem utilizado e dá para ser tão profunda quanto dá para simplificar mais e determinar menos indicadores.
Vou dar um exemplo. Se a gente fosse olhar para a Letrus, que é uma investida do portfólio da Potencia. O input da Letrus é o software de correção de redação e dicas sobre gramática. É um software para letramento. O output é o número de alunos que estão utilizando essa plataforma, a nota de redação do Enem das escolas que utilizaram essa plataforma e o número de formandos no ensino médio ou pessoas que vão para a faculdade.
Só que o outcome é mais difícil de mensurar porque é o impacto de longo prazo. E o letramento pode ter desde o impacto para você aprender mais fácil outras línguas quanto para você ir melhor nas provas da faculdade. Será que eu consigo lincar o impacto da Letrus com aumento de empregabilidade de alunos das escolas pelas quais a Letrus foi utilizada? Eu tenho que ter um modelo que congela outras variáveis para saber se foi a Letrus mesmo. Só que como isso também é complexo, é nesse ponto que o campo discute as maneiras de fazer.
ESG Insights – E como isso poderia ser feito?
Itali Collini – Por exemplo, a Letrus pode falar “olha a gente vai ficar de olho na nota do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] dos estados onde estamos presentes”. Boa parte das escolas públicas do Espírito Santo que utilizaram a Letrus posicionariam o estado em primeiro lugar na nota do Enem, e eles ficaram em terceiro ou quarto. Eu consigo ver que o estado já é bom de educação, mas a Letrus teve um impacto que levaria ele de terceiro para primeiro.
Então eu consigo pensar em indicadores que vou correlacionar com aquela atividade. Mas se fosse para eu realmente querer na risca esse tipo de impacto, precisaria de um modelo econométrico, algo bem mais complexo e acadêmico.
E é nesse ponto que a gente discute. No mercado profissional você não vai ter muitas vezes tempo ou estrutura, porque também pode custar caro fazer modelos tão longínquos. Você precisa encontrar o meio termo de alguns indicadores que vão dar indícios de que a empresa está causando o impacto que ela nasceu para causar.
Ainda vão anos, eu diria pelo menos uns 10, 20 anos, até a gente ter algo como o IFRS [International Financial Reporting Standards], que é um conjunto de regras contábeis internacional. Se eu for dar a minha demonstração de fluxo de caixa aqui no Brasil ou lá na Europa, compartilhar internacionalmente, existe uma regra de como fazer isso. Não existe isso para impacto ainda. E é nesse ponto que eu acho que o campo vai se desenvolver nos próximos anos.
ESG Insights – Por que é importante medir e comunicar o impacto social do seu negócio? Como isso pode atrair investidores?
Itali Collini – Mensuração e comunicação de indicadores de impacto são úteis para qualquer empresa, mas são primordiais para negócios de impacto.
É importante comunicar o seu impacto porque isso diz respeito à sua intenção enquanto empreendedor de ou criar impacto positivo ou zerar o seu impacto negativo. E isso é cada vez mais importante na pauta ESG.
Negócio de impacto é diferente de negócio que olha para ESG. O negócio de impacto está olhando para um nicho dentro do ESG. Então passa a ser importante demonstrar essa intencionalidade, seja de impacto positivo ou equiparação do negativo. Corporações, por exemplo, começam a mensurar algumas coisas porque elas querem ter noção se estão compensando o impacto negativo que causam.
“Mensuração e comunicação de indicadores de impacto são úteis para qualquer empresa, mas são primordiais para negócios de impacto”
Investidores e consumidores começam a cobrar uma cadeia mais responsável do que as pessoas estão fazendo, e cada vez mais investidores de impacto surgindo. A gente também vê os investidores que são tradicionais, e vão continuar sendo tradicionais, querendo aplicar uma lente ambiental, social e de governança para mensuração de algumas coisas.
É um passo importante para qualquer tipo de empresa medir impacto por causa desses três elementos: demonstrar a intenção do que você está fazendo, compartilhar com consumidores e investidores, que estão cobrando isso cada vez mais, e efetivamente acessar linhas de crédito de investimentos que estão olhando especificamente para essas pautas.
ESG Insights – Além disso, os investidores se atentam a outros critérios de um negócio de impacto social?
Itali Collini – Se estamos falando de negócio de impacto, estamos falando de uma entidade com fins lucrativos, ou seja, sustentabilidade financeira é essencial.
Você pode estar constituído como uma ONG e ser um negócio de impacto. ONGs também podem vender serviços ou produtos, não depender exclusivamente de doação e se tornar sustentável a partir das coisas que estão gerando. Mesmo que não distribua lucros, você pode ser considerado um negócio de impacto.
Mas o tipo de negócio de impacto com que qualquer investidor de impacto vai trabalhar, porque ele quer combinar o impacto social e ambiental com um retorno, são negócios com fins lucrativos. Ou seja, são empresas. Empresas que têm essa intencionalidade na criação.
Então o terceiro elemento, além da intencionalidade e da mensuração, é a busca pela sustentabilidade financeira acompanhada de crescimento econômico.
ESG Insights – Um negócio de impacto social necessariamente cumpre bem toda a pauta ESG? Qual é a relação entre eles?
Itali Collini – Os negócios de impacto naturalmente se aproximam da pauta ESG, mas não significa que eles aplicam todas as metodologias dentro do mercado.
O negócio de impacto é uma definição dentro dos investimentos, de como você aborda os seus investimentos e a sua criação de serviço e de produto. ESG nasceu de uma abordagem de mensuração de risco. O termo foi cunhado dentro de uma discussão no âmbito de como mensurar risco das corporações e organizações em relação ao meio ambiente, ao social e a governança.
Você pode mensurar de qualquer empresa, seja de impacto ou tradicional. O que ela [a empresa] talvez faça é aplicar a lente ESG.
Quando alguém fala que está construindo um negócio de impacto e focando em um problema social, ele vai ter uma questão forte com alguma letra da sigla. Um negócio de impacto dentro da Amazônia, que é relacionado ao extrativismo sustentável, está olhando para o ambiental.
E aí conforme caminhamos com a discussão de como aplicar a análise ESG, as empresas estão se apoderando de ferramentas e vendo que elas podem aumentar o leque. Por exemplo, a Letrus está relacionada ao aspecto do social, mas também cuida da governança e está começando a mensurar o ambiental. O fato de ser uma empresa de impacto muitas vezes cria essa cultura de olhar os riscos.
“Não se trata de uma moda, se trata de uma tendência de longo prazo”
ESG Insights – Qual é o futuro dos negócios de impacto social?
Itali Collini – Não se trata de uma moda, se trata de uma tendência de longo prazo que está atrelada aos problemas crescentes que estamos vivendo. É uma nova visão de como construir empresas de mercado.
O futuro do negócio de impacto é se expandir tentando ocupar lacunas que hoje não são supridas pelo setor privado tradicional, pelo setor público nem pelo terceiro setor. Eu vejo uma expansão acontecendo. Só que ainda vai levar muito tempo para que ele vire uma norma, porque ele é um nicho hoje, não é mainstream.
É algo que está em transformação. O que temos visto na prática é que o negócio de impacto consegue atingir a sustentabilidade financeira, só que leva mais tempo. E esse tempo de mercado, principalmente no mercado em que estou que é de venture capital, cobra velocidade de crescimento.
Vou dar o exemplo do Muhammad Yunus, que criou algumas empresas sociais em Bangladesh, além do Grameen Bank. Ele formou uma joint venture [consórcio, em português] com a Danone que era para vender iogurte a baixo custo. Uma tentativa dessa pode levar muito tempo para atingir a sustentabilidade financeira, porque como ela vai vender a preço baixo, precisa vender em um volume grande.
Não acho que todas as empresas vão ser de impacto, mas uma pauta influencia a outra. O negócio de impacto influencia a mensuração e a discussão dos riscos ESG e, no futuro, toda empresa vai mensurar questões ambientais, sociais e de governança.
Confira o 4º Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental .
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