POR NATÁLIA RANGEL
Segundo relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), 61,3 milhões de brasileiros enfrentaram algum grau de insegurança alimentar entre os anos de 2019 e 2021 – isso representa mais de um terço da população brasileira (203 milhões, segundo o Censo 2022). Ao mesmo tempo em que tantos passam fome, toneladas de alimentos em condições seguras para consumo são descartados em lixões e aterros. Mas como as empresas, atentas à suas agendas ESG, podem ajudar a reduzir esse desperdício de alimentos?
Precisamente, dos 268,1 milhões de toneladas de alimentos que estão disponíveis no Brasil a cada ano, 26,3 milhões de toneladas são perdidas em algum estágio de sua cadeia antes de chegar ao consumidor final, de acordo com a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). Além disso, o descarte desses alimentos em aterros gera emissão de metano, um potente gás de efeito estufa – segundo o estudo, o desperdício de alimentos é responsável por até 10% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Para contribuir com este cenário mundial, a Food Law and Policy Clinic (FLPC) da Harvard Law School e a The Global FoodBanking Network (GFN), divulgam desde 2019 o Atlas Global de Políticas de Doação de Alimentos . A última edição do documento, publicada em dezembro, reúne os dados atualizados do cenário brasileiro, analisa leis e políticas que afetam a doação de alimentos e traz recomendações sobre como os legisladores podem ajudar a reduzir o desperdício, alimentar as pessoas que sofrem de insegurança alimentar e mitigar danos ao meio ambiente.
Sesc Mesa Brasil mantém 95 bancos de alimentos e é a maior rede privada da América Latina
Para traçar o mapa alimentar do Brasil, o estudo de Harvard contou com o apoio do Sesc Mesa Brasil, programa criado há 30 anos e que possui uma rede de 95 bancos de alimentos no país, a maior rede privada da América Latina. Os números do Sesc Mesa Brasil em 2023 mostram a grande capacidade de mobilização da sociedade brasileira: foram mais de 48 milhões de quilos de alimentos e outros itens (como os de higiene e limpeza) distribuídos a mais de 2 milhões de pessoas no país.
O desperdício ocorre desde o campo até a distribuição nas cidades, diz a gerente de assistência do Sesc, Claudia Roseno. “Diante disso, nosso trabalho é focado em dois pilares: o combate à fome e ao desperdício de alimentos. A gente busca esses potenciais focos de desperdício, resgata esse alimento que está em condições de consumo e o destina às organizações sociais, onde ele irá complementar o valor nutricional nas refeições.”
Essa rede de segurança alimentar é formada por 7 mil instituições assistidas pelo programa e faz a ponte entre as mais de 3 mil empresas doadoras e o beneficiário final. Claudia conta que, em 2023, essa estrutura envolveu 751 municípios, mostrando o quão importante é a capilaridade quando se trata de apoio àqueles que necessitam de atendimento.
“E hoje a preocupação com as métrica ESG também vem colaborando com o programa e o aumento da conscientização do empresariado sobre sua importância, aponta Claudia. “O ESG olha para a governança, para a responsabilidade e para o impacto territorial de onde estas empresas estão. E essa contribuição pode ser ressignificada. A atuação dessa empresa pode ser ressignificada – então, hoje temos como parceiros grandes cadeias de supermercados e indústria”, conta.
Propostas para reduzir o desperdício e aumentar doações
A pesquisa do projeto Atlas identifica cinco oportunidades principais para a melhoria nas políticas. São elas:
- Implementação de um sistema padrão de rotulagem com duas datas, diferenciando claramente entre a data baseada na segurança e a data baseada na qualidade, e que permita a doação após a data baseada na qualidade, para garantir que os rótulos de data não resultem no descarte de alimentos que de outra forma seriam seguros para consumo.
- Promoção da conscientização sobre as exclusões de responsabilidade civil para doadores de alimentos previstas na Lei de Combate ao Desperdício e Doação de Excedentes, de 2020, e divulgação das orientações do Guia para Doação de Alimentos com Segurança Sanitária , da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).O objetivo é reduzir as preocupações de potenciais doadores em relação à responsabilidade civil.
- Aumento da dedução fiscal aplicável a doações de alimentos e atividades associadas ao armazenamento, transporte e entrega de alimentos doados. A finalidade é garantir que os doadores e as associações de recuperação de alimentos recebam incentivos fiscais e informações apropriadas para participar da doação de alimentos.
- Adoção de políticas locais ou nacionais que exijam a doação de alimentos excedentes ou que imponham sanções pecuniárias em casos de alimentos saudáveis enviados para aterros quando poderiam ter sido enviados para pessoas necessitadas.
- Desenvolvimento de oportunidades de subsídios governamentais para a infraestrutura de doação de alimentos, a fim de garantir que doadores de alimentos e organizações de recuperação de alimentos possam manusear, transportar e distribuir esses excedentes de forma mais eficaz e segura.
Com o objetivo de reduzir a pobreza e proteger o meio ambiente, o documento instrumentaliza setores da sociedade a tomarem medidas importantes para reduzir as emissões provenientes da perda e desperdício de alimentos ao mesmo tempo que busca impulsionar as doações e mobilizar as pessoas que trabalham para mitigar a insegurança alimentar.
Para Claudia Roseno, o grande objetivo dessa pesquisa é trazer esse conhecimento e mobilizar a sociedade. “O Brasil já teve muitos avanços e estamos voltando a caminhar mais focados nessas questões. O Sesc sempre esteve focado, porque esse é o nosso core. Dar maior visibilidade a tudo isso colabora muito com essa mobilização do empresário, do setor de comércio, das instituições, das pessoas, na garantia do seu direito, porque, afinal, a alimentação é um direito constitucional de todos”, analisa Claudia.
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