POR NATÁLIA RANGEL
Ser o CEO de um grupo empresarial é a coroação de uma carreira profissional de sucesso, certo? Não necessariamente. Ao menos para as novas gerações, escalar posições de comando na hierarquia das empresas já não é uma meta de vida. É o que revelam pesquisas recentes.
Levantamento realizado pela plataforma CoderPad, que reúne currículos e promove entrevistas com profissionais de diversos países, mostrou que 36% dos trabalhadores jovens não têm como objetivo assumir uma função gerencial. Entre as principais ambições apontadas por eles estão: passar tempo com a família e amigos (67%), ter saúde física e mental (64%) e viajar (58%).
A mesma tendência foi verificada em um relatório da plataforma canadense de people analytics Visier, que ouviu mais de mil pessoas da chamada geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) em diferentes países. Apenas 9% colocam como prioridade se tornar um gerente de pessoas e 4% almejam ser um executivo de alto escalão.
No Brasil, o movimento é semelhante. “Os jovens da geração Z têm se revelado menos ambiciosos e competitivos que as gerações anteriores, sobretudo a Y (nascidos entre 1981 e 1996) e a X (nascidos entre 1965 e 1980), pois priorizam trabalhar em projetos ou atividades que gostam. Tendem a ser práticos e têm a ideia de que o trabalho não deve prejudicar a vida pessoal”, afirma Marcelo Treff, especialista em gestão de carreira e professor de Gestão de Pessoas da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).
Diferentemente das gerações mais velhas, boa parte deste grupo considera que os ganhos financeiros de um cargo de liderança não compensam o estresse que ele gera no cotidiano do trabalho. “Esses jovens são mais individualistas e pragmáticos em relação às necessidades profissionais e pessoais. E ser um workaholic não combina com essas características”, analisa Treff.
Quiet ambitions e quiet quittings
A percepção dessa mudança deu origem a novos termos para identificar estes comportamentos e tendências: o quiet ambition , ou “pouca ambição”, em uma tradução livre, e o quiet quitting , ou “demissão silenciosa”. O primeiro descreve o desinteresse em comandar grandes equipes e o segundo, a determinação em cumprir estritamente o horário combinado, sem acumular tarefas ou se exceder nas horas de trabalho, evitando sobrecargas e consequentes burnouts.
“Sem dúvidas esses conceitos estão mais relacionados à geração Z, sobretudo em virtude da ética do trabalho desses jovens profissionais. Como possuem senso de urgência em relação às próprias expectativas e interesses, tendem a não se atrair por posições ou status que interfiram no seu estilo de vida”, explica Treff. O novo padrão trazido pela pesquisa despertou um alerta nas organizações para o impacto disso na linha sucessória das companhias.
E o que teria provocado essa mudança? Para o especialista, o que ocorre com as novas gerações é que elas se sentem repelidas pelos exemplos negativos de liderança. “Líderes que se dedicam quase que exclusivamente ao trabalho e apresentam sintomas de problemas de saúde mental e desequilíbrio entre trabalho e tempo livre”, descreve.
“Por que não quero ser um CEO”
Para entender melhor o fenômeno Quiet ambition, a plataforma Visier indagou a profissionais empregados em tempo integral nos EUA com esse perfil porque eles preferem não assumir cargos de liderança. Confira as respostas:
- Expectativa de mais estresse e pressão (40%).
- Mais horas de trabalho (39%).
- Estou feliz em minha função atual e não quero que mude (37%).
- Falta de interesse em lidar com responsabilidades de liderança (30%).
- Compromissos e interesses pessoais fora do trabalho que desejo priorizar (28%).
- Aspectos administrativos da função de líder (20%).
- Falta de confiança em minha habilidade para liderar um time de forma eficiente (17%).
- Experiências negativas passadas (15%).
- Eu não tenho expectativa de que minha companhia irá me promover para um cargo gerencial (14%).
- Nada poderá me impedir de ser um líder de equipes (9%).
Habilidades socioemocionais, ESG e “walk the talk”
Outro estudo, de alcance mundial, aponta a importância das habilidades socioemocionais das lideranças para equilibrar esse cenário emergente. O relatório State of the Global Workplace 2023 , feito pela Gallup, mostrou que apenas 23% dos funcionários se sentem engajados/produtivos no trabalho. A Gallup entrevistou 122.416 empregados em 2022, de diversos países do mundo.
A liderança descrita como negativa ou tóxica é um dos fatores que contribuem para esse quadro de desengajamento global. Os números mostram, por exemplo, que 44% dos respondentes se sentem estressados diariamente no trabalho e 21% disseram sentir raiva todos os dias durante o expediente. A Gallup estima que o baixo engajamento e produtividade dos funcionários custa US$ 8,8 trilhões à economia global todos os anos.
Para Treff, todos os dados levantados nas pesquisas mostram que há muitos aspectos relacionados às novas gerações que o mundo corporativo ainda busca compreender. A nova configuração do mundo do trabalho vem ganhando um novo impulso com o imperativo da sustentabilidade e das métricas ambiental, social e de governança.
E, nesse contexto, discurso e prática alinhados vêm desafiando as grandes corporações nas últimas décadas. “As novas gerações estão atentas ao que é declarado e ao que é praticado”, alerta Treff. “A expressão em inglês para isso é walk the talk – em uma tradução livre, agir de acordo com o que se diz.”
Leia mais sobre as pesquisas da CoderPad e Visier .
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