POR PIETRA BASTOS
O Brasil iniciou o ano com a promessa de triplicar as fontes de energias limpas até 2030. O acordo foi firmado junto de 117 países na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 28 , que aconteceu entre os dias 30/11 e 13/12 de 2023 em Dubai.
Mas enquanto o país busca avançar com velocidade na corrida pela transição energética , problemas socioambientais surgem no caminho. A implantação de usinas solares, hidrelétricas e parques eólicos causam desmatamento, prejudicam comunidades e afetam economias locais.
No segmento de produção hidrelétrica, um (trágico) exemplo clássico é a Usina de Belo Monte, instalada no Rio Xingu, no Pará, que desde a sua construção em 2011 até hoje acumula repercussões negativas. Alteração no ecossistema de um dos principais rios da Amazônia, etnocídio de povos indígenas e o despejo de famílias de suas casas, muitas das quais ainda aguardam moradia, como visa o contrato, estão entre os pontos de crítica principais ao projeto. Mas os transtornos também têm aparecido em instalações para geração de energia eólica e solar.
“Nós temos que planejar de uma forma responsável pensando nos benefícios desses empreendimentos não só para as indústrias e fábricas de hidrogênio verde, mas nas populações que estão abrigando esses empreendimentos e no seu desenvolvimento econômico”, diz Adryane Gorayeb, doutora e professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), e coordenadora do Observatório da Energia Eólica, ao ESG Insights.
Contratos abusivos entre empresas e proprietários de terras
Recentemente, o Brasil atingiu o número de 1.000 parques eólicos em operação. Eles estão distribuídos em 12 estados, com 90% de concentração no Nordeste, de acordo com as informações da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). E o objetivo é que esse número cresça ainda mais.
São milhares de aerogeradores ocupando terras que antes eram dedicadas exclusivamente à agricultura e à moradia no Nordeste. Ceder parte da propriedade rural às atividades da geradora pode parecer oportuno no primeiro momento: o contrato oferece uma renda mensal e permite continuar com o uso do lote. Saiba como os parques eólicos são construídos .
No entanto, a relação contratual entre empresa e dono de terra nem sempre tem sido considerado justa. Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou abuso das empresas e prejuízo aos pequenos proprietários como baixas remunerações, multas elevadas, sigilo absoluto e contrapartidas sociais insuficientes. Leia o documento completo .
Em entrevista ao site Repórter Brasil , o proprietário José Bernardo Sobrinho cona que assinou um contrato de 37 anos com uma empresa de energia eólica, com renovação por mais 22 anos. João é analfabeto e não entendeu que a partir de então não seria mais permitido plantar ou construir casas para seus filhos na roça quando crescessem.
Perda auditiva, enfraquecimento da economia e sem acesso à energia
As populações não são prejudicados apenas pelos contratos desproporcionais. A construção e a presença de um parque eólico numa região tem potencial para despertar problemas de saúde física e mental, exposição de mulheres à violência, abandono de terras pelos donos, danos a moradias e desmatamento.
Segundo apuração da BBC Brasil , o barulho de aerogeradores é um dos principais sufocos que as comunidades estão passando. Muitos não conseguem mais dormir e até começaram a consumir diariamente medicações com dosagens altas, outros apresentam perda auditiva. Edna Pereira, de Caetés (PE), é uma delas, que diz tomar quatro remédios para dormir e outros para controlar ansiedade e dor de cabeça.
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As eólicas também podem ser um obstáculo à economia local, abalando atividades como pesca, agricultura e turismo.
“Quando os parques eólicos vão ser instalados em territórios próximos de unidades de conservação ou até de preservação ambiental, como dunas, praias, restingas, ocupam territórios que as populações utilizam para o seu modo de vida tradicional. Fecham acessos a áreas de praias e muitas vezes pescadores artesanais precisam estar nessas áreas para atacarem suas embarcações”, diz Gorayeb.
Minas Gerais, Piauí, Bahia, Pernambuco e Ceará são os estados que concentram as maiores usinas de produção de energia solar do país. Além dos parques eólicos, o Nordeste também é visto com bons olhos por empreendedores para futuras instalações de energia solar. Mas nem todos compartilham essa visão.
Dentre os possíveis problemas, estão o fato de as populações não terem acesso à energia gerada e a obrigação para que proprietários deixem seus lotes. A cidade Santa Luzia, no Pernambuco, é um exemplo disso: a usina solar ocupa mais de 20 propriedades e trouxe consequências para a região como perda de cobertura vegetal, de animais nativos e espaço para a criação de gado, como mostra a coluna de Carlos Madeiro no UOL .
Empreendimentos alteram ecossistema e causam insegurança alimentar
Um levantamento da rede Mapbiomas constatou que em 2022 por volta de 4 mil hectares de vegetação da Caatinga foram desmatados para ceder lugar a empreendimentos de energia eólica e solar. Uma reportagem da Agência Pública sobre o assunto mostra que empresas omitem e não fornecem informações suficientes em documentos de licença ambiental.
“Durante o processo de instalação do parque [eólico] eles fazem alterações no ambiente. Desmatamento que altera o microclima aumentando a temperatura, o lençol freático e as lagoas, que antes eram perenes e agora são intermitentes. As populações que antes pescavam na lagoa não conseguem mais pescar, o que causa uma insegurança alimentar”, explica Adryane Gorayeb.
Especialistas defendem maior participação das comunidades nos empreendimentos
Em relação ao desejo do Brasil de triplicar as fontes de energias limpas, a professora Adryane Gorayeb defende que é necessário primeiro fazer um planejamento que leva em consideração as comunidades que são impactadas.
O Polo da Borborema, formado por 13 municípios da Paraíba, é uma área considerada com grande potencial para ser o futuro lar de parques eólicos e usinas de energia solar, conforme outra reportagem da coluna no UOL . Como resposta à chegada desses empreendimentos, moradores da região desejam um modelo descentralizado, com placas solares atendendo casas e pequenos grupos.
“A gente visitou e estudou os casos. Vimos que, em outros lugares, são grandes empreendimentos que só vêm para servir ao capital e prejudicam muito a agricultura familiar, a vivência do homem, da mulher e do jovem do campo”, disse Maria do Céu Silva, agricultora familiar de Solânea (PB) e da coordenação do Polo da Borborema, à reportagem.
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