POR PATRICK LECOMTE
Quando o Facebook se reinventou como Meta em outubro de 2021, foi amplamente divulgado que a empresa focaria em realidade virtual (VR) para estar na vanguarda do metaverso – mundo virtual que simula a realidade.
Mas a Meta ainda não desistiu do mundo dos tijolos e argamassa, como refletido pelo investimento maciço da empresa em óculos de realidade aumentada (AR).
A Meta é apenas uma entre muitas empresas que apostam que o futuro do espaço físico passará pela fusão com o espaço digital, resultando em um aumento de nossa realidade. Apple, Google, Snap, Microsoft e uma série de outras empresas de tecnologia estão trabalhando em acessórios de realidade aumentada: óculos AR, lentes de contato inteligentes e fones de ouvido AR.
Minha pesquisa considera equipamentos inteligentes e interações humano-computador em ambientes inteligentes.
Visão do subconsciente
Como parte da divisão da empresa Reality Labs , a Meta lidera o Projeto Aria, que impulsiona o desenvolvimento piloto de óculos AR com apoio de um experimento de pesquisa realizado com parceiros acadêmicos. A empresa promete que os usuários poderão usar os óculos AR para acender uma lâmpada simplesmente olhando para ela e poderão encontrar suas chaves rapidamente.
No entanto, há uma dimensão dos acessórios de realidade aumentada que os desenvolvedores de tais dispositivos tendem a minimizar ou ignorar completamente: é o rastreamento ocular e quais informações relacionadas à maneira como interagimos com o mundo por meio de nossos olhares e movimentos oculares são capturadas e analisadas.
Os psicólogos já identificaram que os movimentos dos olhos são sinais não filtrados e dão uma percepção da cognição subconsciente dos humanos.
Entendendo a atenção
O rastreamento ocular, no contexto dos dispositivos de realidade aumentada, recebeu muito interesse da Meta. Ele foi originalmente projetado como uma metodologia para ajudar os pesquisadores a entender e registrar a atenção visual em ambientes de laboratórios de pesquisa desde o século 19.
Esse método tem sido normalmente aplicado à psicologia cognitiva, pesquisa de marketing e, mais recentemente, interações humano-computador, na qual pode melhorar a vida de pacientes com deficiência.
Os rastreadores oculares modernos geralmente usam um método conhecido como Reflexão da Córnea, no qual uma luz infravermelha próxima é usada para iluminar os olhos, causando um reflexo que é detectado por uma câmera de alta resolução. A programação avançada de imagens identifica, então, o ponto de olhar e os estímulos, tornando possível desenhar um mapa de calor de onde uma pessoa estava olhando em determinado ambiente. Além disso, os dados capturados incluem a posição da pupila, padrões de piscar e movimentos oculares.
Nos últimos anos, a gama de aplicativos de rastreamento ocular ampliou-se consideravelmente. Desde sistemas de monitoramento de motoristas, gerenciamento de atenção na educação, assistência à saúde de idosos, design de sites de e-commerce a videogames como ferramenta para construir “jornadas emocionais” para os jogadores.
No entanto, essas aplicações geralmente são realizadas como parte do desenvolvimento de produtos ou projetos de pesquisa e não como recursos embutidos em dispositivos voltados para o mercado consumidor.
Privacidade não é suficiente
De fato, incorporar rastreadores oculares em dispositivos de AR orientados ao consumidor está levando o que originalmente era uma metodologia científica para o mundo real. O desenvolvimento de acessórios de realidade aumentada com possibilidades de rastreamento ocular para o mercado de massa resume a apropriação implacável dos espaços de vida mais íntimos dos humanos pela tecnologia.
É fácil deixar de lado o problema alegando que o rastreamento ocular é necessário para que os usuários obtenham todos os benefícios da realidade aumentada. Por exemplo, os desenvolvedores do Project Aria explicam que para que os óculos AR funcionem “eles precisam ter uma boa noção de onde você está, o que está vendo e qual ação você pode querer tomar”.
Para evitar as preocupações dos usuários, os especialistas em ética da Meta insistem na privacidade. No entanto, o foco na transparência dos dados e na pesquisa avançada para anonimizar os dados de rastreamento ocular não impedirão que os rastreadores oculares monitorem as interações dos usuários com o mundo exterior em níveis de consciência dos quais nem temos conhecimento.
A realidade aumentada é um grande negócio com uma capacidade inigualável de rentabilizar o nosso próprio ser no ambiente construído. A Meta investiu bilhões de dólares no que chama de “santo graal” dos óculos de realidade aumentada para todos.
Sem dúvida, com os acessórios AR, o que impulsiona sua implementação é o potencial de monetização por meio de publicidade direcionada.
Fugindo da responsabilidade
As empresas que desenvolvem produtos de rastreamento ocular tendem a se esquivar da responsabilidade solicitando a autorregulação da nascente indústria da realidade aumentada.
Minha pesquisa sobre a implementação de tecnologias pervasivas no ambiente construído mostra, que no contexto de trocas utilitárias impostas por tecnologias embarcadas aos usuários em ambientes inteligentes, a autorregulação não funciona.
A questão-chave é se os usuários preferem obter satisfação com a realidade aumentada às custas de sua liberdade ou ser livres às custas de sua satisfação.
O uso da tecnologia de rastreamento ocular deve ser estritamente controlado por reguladores externos. Os usuários devem sempre ter o direito legalmente definido e a capacidade de fazer escolhas informadas sobre a opção de rastreamento ocular sempre que usarem acessórios em realidades aumentadas e virtuais.
Isso é absolutamente crucial para garantir que a tecnologia imersiva não leve a um futuro mais distópico.
Patrick Lecomte – Professor de Real Estate da Escola de Gestão da Universidade do Quebec em Montreal.
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em inglês .
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