POR PIETRA BASTOS
Nos últimos anos, os investimentos guiados pelos princípios ESG (ambiental, social e de governança) ganharam bastante importância ao redor do mundo. Mas, com a popularização do ESG entre as corporações, pessoas e grupos que se sentem ameaçados por esses novos critérios têm se mobilizado para proteger interesses financeiros e posicionamentos políticos. É o que mostra o estudo ESG sob ataque , da fornecedora de informações Wolters Kluwer .
As práticas ESG estão enfrentando um crescente discurso contrário, em particular nos Estados Unidos. Líderes corporativos, autoridades estaduais e grupos de defesa conservadores do país têm criticado duramente as estratégias de sustentabilidade. Legislações que dificultam a pauta ESG já estão sendo implementadas em diversos estados americanos. E a discussão também chegou à Justiça, com decisões que favorecem a revisão desses critérios.
Diante disso, afirma a Wolters Kluwer, os defensores do ESG precisam seguir um caminho cuidadoso em suas políticas e seus negócios, para evitar prejuízos financeiros e de reputação.
Índices de classificação ESG mais firmes
Um dos fatores que tem gerado reação dos grupos conservadores é o maior rigor adotado por diversas classificações ESG, o que pode levar empresas e fundos a perderem a chancela de ESG e sofrer fortes impactos financeiros.
Em fevereiro deste ano, A Morningstar removeu o selo ESG de mais de 1.200 fundos da sua lista. Já em maio, a Tesla não apareceu no índice S&P 500 da Standard and Poor’s , o que chateou o CEO Elon Musk. Como justificativa, a S&P explicou a falta de uma estratégia de baixa emissão de carbono e de um código de conduta empresarial, denúncias de racismo e más condições de trabalho.
A reação de Elon Musk à remoção da Tesla no índice S&P 500 intensificou o discurso anti-ESG. Em seu perfil no Twitter, o CEO disse que ESG é uma fraude armada por falsos guerreiros da justiça social.
Desde então, políticos e empresários têm se pronunciado a favor de Musk. Em sua maioria, as críticas ao ESG giram em torno de “crenças ideológicas” e amenizam, ou negam, os problemas ambientais.
O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Mike Pence repreendeu a decisão da S&P em um artigo de opinião no Wall Street Journal e disse que pessoas e partidos da esquerda provavelmente estão perseguindo Musk “por causa de seu compromisso com a liberdade de expressão e de suas críticas ao governo Biden”. Pence até chegou a comparar as classificações ESG ao sistema de pontuação de crédito social da China.
Esta não é a primeira vez que Pence faz críticas ao ESG. Alguns dias antes da publicação de seu artigo, em maio, o ex-vice-presidente fez um discurso em Houston, no Texas, pedindo que os Estados controlassem as práticas ESG.
Polêmicas sobre o clima
As análises sobre as consequências das mudanças climáticas têm sido outro grande ponto de discórdia. Em uma conferência intitulada “Por que os investidores não precisam se preocupar com o risco climático”, o ex-chefe global de investimento responsável da Gestão de Ativos do HSBC Stuart Kirk disse que as discussões sobre o clima eram um exagero.
“Vinte e cinco anos no setor financeiro, sempre há algum maluco me contando sobre o fim do mundo. Quem se importa se Miami estiver seis metros debaixo d’água em 100 anos? Amsterdã está seis metros debaixo d’água há séculos. E esse é um lugar muito legal. Vamos lidar com isso”, disse Kirk, aponta o relatório da Wolters Kluwer.
Leis anti-ESG
Com todas essas controvérsias, legislações que dificultam a execução dos princípios ESG já estão sendo implementadas em alguns lugares dos Estados Unidos. O estudo aponta que os Estados do Texas e da Virgínia Ocidental como polos dessa discussão.
Conheça algumas das principais legislações e regulamentos anti-ESG.
Confrontos ambientais
Lei antiboicote – Na Virgínia Ocidental, o Projeto de Lei 262 do Senado permite que o tesoureiro crie uma lista de instituições que boicotam empresas de energia e se recusam a realizar parceiras com elas. No Estado do Texas, há também uma lei semelhante que obriga entidades estatais a não realizarem investimentos e até encerrarem contratos com empresas que, supostamente, boicotam a indústria de combustíveis fósseis.
Custo de capital – Como consequência da implementação de leis que dificultam as práticas ESG, os Estados terão que arcar com um maior custo de capital. No Texas, a lei antiboicote de combustíveis fósseis ocasionou a saída de cinco dos maiores subscritores do mercado de títulos do mercado: JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Citigroup, Bank of America e Fidelity. Com isso, os municípios precisaram negociar com outras instituições financeiras, que passaram a ter menos concorrentes.
Confrontos sociais
Diversidade de gênero – No Estado da Califórnia, dois estatutos que obrigavam corporações a ter diversidade nos conselhos foram derrubados. Um juiz do Tribunal da Califórnia em Los Angeles alegou que o requisito do estado para diversidade do conselho com base na raça, etnia e orientação sexual violou a Cláusula de Igualdade de Proteção da Constituição da Califórnia. Outro juiz do Tribunal Superior do Condado de Los Angeles declarou que o estatuto que obriga a participação de mulheres em conselhos corporativos também viola a Cláusula de Igualdade de Proteção da Constituição da Califórnia.
Aborto – Em junho a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que não é dever da Constituição garantir direito ao aborto. Diante da repercussão, diversas empresas como Amazon, JPMorgan Chase, Buzzfeed, CNN, entre outras, se ofereceram para cobrir os custos de viagem de funcionárias que desejam realizar o procedimento em Estados nos quais o aborto é permitido. Entretanto, as empresas podem entrar em conflito com leis estaduais que proíbem assistência na obtenção de aborto e sofrer ações judiciais.
O futuro do ESG
Segundo o estudo ESG sob ataque , empresas e investidores ESG precisarão ficar atentos quanto à tomada de decisões devido à crescente onda anti-ESG. Deixar de realizar negócios com determinado setor ou empresa pode gerar penalidades no Texas, por exemplo, enquanto na Flórida os programas de diversidade podem violar a lei “Stop WOKE Act” – que proíbe a forma como empresas e escolas abordam as questões de gênero e raça.
Segundo os especialistas jurídicos da Wolters Kluwer, escritórios de advocacia e conselhos corporativos serão fundamentais para assegurar que empresas ESG possam exercer os seus direitos. A pressão popular também pode ser um meio para garantir as práticas ESG. Em uma postagem , a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Tulane Ann Lipton ponderou que, quando as políticas sociais são ineficientes, as pessoas se voltam para o posicionamento das empresas.
“Cada vez mais, nossos líderes políticos não adotam políticas que a população apoia; a urna simplesmente não é uma ferramenta disponível. Não é de admirar, então, que os eleitores se voltem para as corporações como uma fonte de poder que pelo menos parece ser mais responsiva à pressão pública”, escreveu Lipton. “Longe de uma distorção dos mercados livres, porém, é a expressão máxima deles, porque toda a teoria é que os dólares de investimento podem ser usados para forçar a mudança social.”
Leia o estudo ESG sob ataque na íntegra.
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