POR BÁRBARA VETOS
As campanhas sobre igualdade salarial nas empresas não têm tido efetividade na prática. A avaliação é de Junéia Batista, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT . Em entrevista exclusiva ao ESG Insights, ela falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho e questionou os resultados das iniciativas . “ É mais uma maquiagem, são todas campanhas políticas sem efetividade na prática.”
A igualdade salarial nunca foi uma realidade no Brasil. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a diferença salarial entre homens e mulheres – exercendo a mesma função e com mesmo nível de escolaridade – foi de 22% em 2022. Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, a desigualdade salarial existe, porque existe a desigualdade de gênero. “Nós somos colocadas como pessoas de segunda categoria, não temos garantias”, critica.
Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já trata dessa questão no artigo 461 , “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”. Entretanto, não é o que acontece na prática, segundo a secretária da CUT.
“Uma ou outra empresa tem essa campanha de empoderar mais mulheres, mulheres pretas, pessoas de orientação e identidade sexual diferentes das demais, mas é raríssimo. Acho difícil ter alguma campanha séria nesse sentido e não acho que isso esteja funcionando nos ambientes de trabalho”, expõe Junéia.
Como reforçado pela secretária, a desigualdade salarial pode se acentuar ainda mais se aliada às questões de raça, por exemplo. É o que indica o estudo “A mulher negra no mercado de trabalho brasileiro: desigualdades salariais, representatividade e educação entre 2010 e 2022” , realizado pela Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial. A partir de dados do IBGE e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), constatou-se que, no segundo trimestre de 2022, o trabalho da mulher negra representou 46% do valor recebido por homens brancos.
Para além do trabalho produtivo, as mulheres também são as maiores responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidado, a chamada “dupla jornada”. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada em 2019, elas dedicam, em média, 18,5 horas para essas tarefas. Isso corresponde a 8 horas a mais do que o tempo gasto pelos homens.
Segundo Junéia, a divisão social do trabalho é uma questão que aflige as mulheres o tempo todo: “Historicamente, as mulheres nunca saíram do mercado de trabalho, mas esse esforço nunca foi reconhecido, porque não é remunerado. Mesmo assim, é destinado à gente essa função”, observa.
A pandemia só intensificou essas desigualdades. De acordo com dados fornecidos pelo IBGE , as mulheres foram as mais afetadas pela pandemia no mercado de trabalho. Ao todo, foram 825,3 mil postos perdidos entre 2019 e 2020; as mulheres ocupavam 71% deles. E as dificuldades se estendem ao período pós pandemia, segundo estudo publicado em 2022 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas. Enquanto a taxa de desemprego dos homens foi de 10,4% para 6,9% no período, a das mulheres caiu apenas cerca de 2 pontos percentuais (de 12,1% para 10%). O índice relacionado a participação feminina no mercado de trabalho (51,4%) também é inferior ao dos homens (72,2%).
A pauta, que está constantemente em evidência, voltou a ser discutida com a aprovação do Projeto de Lei nº 1.085/2023 pelo Senado, no dia 1º de junho. O texto, que segue para o plenário, trata sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres e faz modificações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A ideia é que, para além da igualdade estabelecida por lei, as empresas sejam fiscalizadas e emitam relatórios de transparência a cada 6 meses. Em caso de descumprimento, o empregador será multado em dez vezes o valor correto do salário e o dobro em caso de reincidência. Além disso, a determinação não se limita às mulheres, mas também defende que não haja discriminação envolvendo questões relacionadas a raça, origem, etnia e idade.
Mesmo com a aprovação, Junéia diz que o caminho para a igualdade salarial não vai ser fácil: “nós, trabalhadores e trabalhadoras organizadas, em nossos diversos setores e ramos de atividade, vamos ter que acompanhar se as empresas estão, de fato, cumprindo a lei”. Para ela, é um trabalho que não vai começar a funcionar a partir da determinação do governo. Será necessário buscar negociações e cobrar dos empregadores e dos governos o cumprimento.
Principais convenções da OIT adotadas pelo Brasil
- Convenção 100: Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor.
- Convenção 111: Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação.
- Convenção 156: Sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família.
- Convenção 190: Violência e o assédio no mundo do trabalho.
Islândia é referência em igualdade salarial entre homens e mulheres
Segundo Junéia Batista, o país é um exemplo a ser seguido, especialmente em relação a igualdade salarial e a não discriminação no mundo do trabalho.
Em 1º de janeiro de 2018, a Islândia foi o primeiro país do mundo a exigir igualdade salarial entre homens e mulheres que realizam a mesma função. A legislação impõe que as empresas privadas e públicas – com mais de 25 funcionários – passem a prestar contas ao governo, comprovando suas políticas de igualdade salarial. As instituições que desrespeitarem a determinação estarão sujeitas a multa.
De acordo com o ranking do Relatório Global de Desigualdades de Gênero do Fórum Econômico Mundial , a Islândia ocupou o primeiro lugar entre os 146 países que constam na lista, como a nação com o maior índice de igualdade de gênero do mundo em 2022. Enquanto isso, o Brasil ocupa a 94ª posição.
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