Werner Roger, colunista do iG
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Werner Roger, colunista do iG

Períodos de crise — e estas têm se repetido com frequência — afetam mercados de renda variável: taxas de juros sobem, investidores buscam o que julgam mais seguro (renda fixa, e títulos públicos, por exemplo) e se desfazem do que consideram mais exposto aos riscos. E esperam um momento mais oportuno para voltar ao mercado de ações, quando as “coisas estiverem bem”, o famoso market timing.

Não custa uma vez mais repetir. Esse movimento, como sabemos e já tivemos ocasiões de discuti-lo, é comportamental. É o que caracteriza manadas ou rebanhos: um indivíduo se sente protegido de predadores em meio a um grupo. Um membro desgarrado do rebanho seria supostamente presa mais fácil aos predadores. Mas o que de fato protege o indivíduo não é ser mais inteligente em meio a todos os demais, e sim o mais disciplinado.

O mercado financeiro tem um fenômeno semelhante. O que todos aprendem é que a dinâmica é comprar-na-baixa/vender-na-alta — mas surpreendentemente poucos aplicam de maneira disciplinada a estratégia. Preferimos a “certeza” de errar com todos a incorrer no risco de acertar sozinho. O medo de perder é maior que a vontade de ganhar.

Mas vejamos a tal da renda fixa. O rendimento do NTN-B (título público mais procurado pelo mercado), associado ao IPCA, tem variado entre 4% e 7,5% (exceto em momentos atípicos: em 2020, chegou a 2%) nos últimos 10 anos. Não parece tão fixo assim, certo? A Selic (o juro básico da economia brasileira) variou de 2% a 14,75% entre julho de 2015 e outubro de 2016 — quando baixou a 14%. Desde então foi de 6,5% em 2018 para 4,2% em 2020.

Em abril de 2020, no entanto, alcançou um pico: 12,13% (acumulado de 12 meses, sempre pelo IPCA). Lembremos que a pandemia era o assunto predominante. Mas, desde então, o indicador vem caindo progressivamente, mês a mês. Em fevereiro, chegou a 5,6% — nada menos que 3 pontos percentuais de queda em relação aos 8,73% batidos em agosto de 2022, quando a Selic atingiu os altos 13,75%.

Três pontos percentuais de queda desde que a inflação foi vista como motivo para o juro chegar aonde está não bastaram para que o Banco Central se dispusesse a tomar qualquer atitude. Para nós, esta é a principal crise que o Brasil sofre neste momento: a crise das taxas de juros. As consequências para a economia serão cada vez mais danosas. O BC, mirando uma meta inatingível de inflação — 3,25% em 2023, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual —, segue de olhos bem fechados.

Documento produzido pela própria autarquia mostra que ela já trabalha esperando um resultado acima do que tem de alcançar. No futebol, um goleiro, quando vai defender um pênalti, não sabe, é óbvio, em que canto o cobrador vai chutar; ele arrisca um e pula. No caso do BC/meta de inflação, é como se o goleiro já soubesse com certeza em que canto o cobrador vai chutar a bola — e, mesmo assim, escolhesse pular no canto errado.

Elencamos a seguir, no entanto, alguns fatores que poderão determinar o início e a sustentação da reversão de expectativas do IBOV:

- Inflação melhor que o esperado e queda progressiva: vide IGP-M, desaquecimento da economia e valorização de 4,2% do real neste ano. São sinais que o BC terá como reduzir os juros;

- China e economia aquecida pós-lockdowns e Ano Novo Chinês: isso favorece os preços das commodities (e economias como a brasileira dependem delas fortemente);

- BCE e Fed (entre outros BCs) mais tranquilos em relação à continuidade do aumento de juros, com o cenário de inflação melhorando (fora o risco de recessão e o possível impacto que teriam em bancos já fragilizados);

- Menos aversão dos investidores globais ao risco e maior apetite por mercados emergentes, em particular aos mais relacionados a commodities (como o Brasil);

- Ações efetivas de governo e Congresso para alcançar as metas de déficit primário apresentadas pelo ministro Fernando Haddad;

Tudo isso nos leva ao título escolhido para a coluna deste mês. Crises e oportunidades guardam uma semelhança: aquelas vêm e vão; estas se abrem e se fecham. Há uma sincronia entre esses dois movimentos: as janelas de oportunidade costumam se abrir quando as crises vêm. Ver crises como oportunidades é escolha de cada um.

Como os navegantes bem sabem, após as tempestades vêm as calmarias. Quem está dentro de uma tempestade pode não ver muito bem o que virá a seguir, o olhar pode se voltar à mera sobrevivência imediata. Mas a tempestade não dura para sempre: negligenciar escolhas que continuem tendo valor depois dela pode fazer toda a diferença. O mercado, que age como se a tempestade jamais vá terminar, não as precifica como seria o caso.

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