Quem planta, colhe. Quem guarda, tem. A paciência é a fonte da recompensa
Werner Roger, colunista do iG, aconselha sobre os cuidados que se deve ter na hora de realizar um investimento
Por Werner Roger | Brasil Econômico |
“Grandes criações neste mundo foram destruídas por guerra e disputa. Quem protegeu e preservou. Ganhou a mais bela recompensa” .
O pequeno poema que abre esta resenha é do alemão Johann Wolfgang von Goethe, tal como citado na abertura do livro O Fim do Século 20 e o Fim da Era Moderna, do historiador húngaro-americano John Lukacs. Goethe (1749-1832) foi um dos intelectuais mais destacados na história das artes e do pensamento. Abrimos com uma pequena citação sua porque acreditamos que, características particulares à parte, a essência do que o poeta diz ali se aplica ao que fazemos – e ainda mais em 2021, quando mais de 1/3 dele já se passou, e creio que ainda desafiador, dúvidas, mas cheio de esperanças que a pandemia será controlada, para voltarmos a normalidade, talvez nunca mais como antes, mas no novo normal.
Infelizmente, e queremos deixar isso manifesto, este será mais uma ano em que muitas famílias terão se despedido de forma prematura – dolorosamente inesperada, na verdade – de entes queridos vitimados pela covid-19. A todos que passam ou ainda passarão por tal situação, nossos mais sinceros sentimentos. Logo serão 500 mil vítimas, uma grande tragédia, equivalente a queda de 2 mil aeronaves transcontinentais. A queda de uma só aeronave é vista como grande tragédia, imaginem 2 mil?
Para nós, gestores de investimentos , a responsabilidade aumentou desde o ano passado; afinal, as finanças pessoais e familiares ganharam relevância ainda maior . Lembremos que desafios e infortúnios fazem parte da vida, e com eles é que aprendemos.
Mas voltemos ao tema investimentos. Talvez alguns de nossos leitores não saibam: minha formação acadêmica foi em agronomia (1977-1981). Isto talvez chegue como uma espécie de esclarecimento para aqueles que veem um viés meu ao agronegócio. Além disso, a agronomia é uma engenharia e, acredito, um dos cursos universitários mais ecléticos. Estudamos ciências exatas – física, química, matemática, estatística, programação (já na década de 1970) –, enveredamos pelas humanas – economia e microeconomia – e vamos além, com bioquímica, botânica, biologia, fitopatologia, geologia e meteorologia, passando pelas mais importantes atividades agrícolas, construções rurais, mecânica (ufa!) e dezenas de outras matérias. Nós, graduados nesta área, temos de saber de tudo um pouco. Somos, portanto, generalistas por natureza, ou pela formação acadêmica, mas é a vida profissional que mais nos ensina.
Enveredei pela senda das finanças, começando no banco Chase Manhattan em 1982 – vão-se aí já 39 anos, sendo os 23 últimos na gestão de recursos de terceiros e desde 1997 como gestor de renda variável da estratégia small caps. Nos nove anos anteriores, fui diretor de crédito e risco no Citibank e no Western Asset Management. O aprendizado não termina nunca e, já com algum distanciamento na história, posso dizer que minha natureza generalista provou ser uma grande ajuda na formação profissional e também na pessoal.
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E como aprendemos nas salas de aula e nas práticas de campo, uma boa colheita depende de preparar o solo, selecionar boas sementes, plantar no tempo certo, adubar de acordo com as necessidades, cultivar de forma adequada com máquinas modernas e eficientes. Mas não só: pragas, doenças e ervas daninhas têm de ser combatidas. O resultado disso tudo é ter a colheita no momento oportuno, mas ainda não marca o fim do trabalho: há que se armazenar corretamente, para vender bem, com o melhor preço e proteger a preciosa safra contra fungos, insetos e umidade. Pode-se ouvir aqui Goethe recitar seu poema.
Investimentos seguem a mesma trajetória: muito estudo, cuidado na seleção das empresas no momento de comprar, conversa contínua com gestores das companhias, espera pelo tempo necessário, venda na ocasião mais apropriada, pelo preço que julgamos correto . As seringueiras (vejam o viés agindo) demoram até sete anos para começar a sangrar e gerar renda. Profícuas, são perenes, e colhemos seu latex anualmente. Ações são parecidas: algumas demoram a dar resultados e outras pagam excelentes dividendos, como frutos colhidos e o látex transformado em borracha e suas mais diversas aplicações, desde delicadas luvas cirúrgicas até os resistentes pneus de aviões e bólidos da Fórmula 1.
Desde o início da pandemia, muita coisa mudou e, como já dissemos em oportunidade anterior, quem sobrevive e predomina não é o maior, mais forte e nem o mais rápido. Charles Darwin ensinou que aquele que melhor se adapta ao meio ambiente terá probabilidade maior de sobreviver. Foi o que se deu com as indefesas e lentas tartarugas. Diferentes espécies do simpático quelônio, cada uma com suas características muitos peculiares, podem ser encontradas em várias partes do planeta.
Nós não somos tartarugas, mas seguimos seu exemplo e vamos adaptando-nos. Os balanços das empresas, as conversas com seus gestores e a observação do que se passa nos setores, nas cadeias de produção etc. são os indicadores de sobrevivência. Também nos orientam a posicionar nossa estratégia e alocar o capital de nossos estimados investidores naquelas que, acreditamos, serão as sobreviventes, renderão os melhores frutos (ops, dividendos) e proporcionarão crescimento dos lucros, com balanços fortes e gestão eficiente e responsável, sempre observando as boas práticas de ESG.
Na agricultura, há muitos riscos à espreita: ventanias, geadas, chuvas torrenciais, ataques inesperados de insetos, pragas e doenças e preços. No mundo real e nos investimentos há igualmente muitas nuvens ameaçadoras e eventos inesperados. Estímulos econômicos, covid-19 e a eficácia das vacinas, especialmente sobre novas cepas, aumento nas taxas de juros, preços das commodities são ainda pontos de interrogação. Ano que vem, eleições gerais no Brasil. Ventos de través também são as reformas, privatizações e percalços políticos.
Vamos ajustando-nos e seguindo em frente. O retrovisor, importante como possa ser, perde para o para-brisa, como bem sabe quem conduz um veículo. Nossa orientação é para o futuro, e as mudanças causadas pela pandemia deixarão marcas profundas em vários setores e empresas. “Tudo vai voltar à normalidade”, acreditam muitos analistas e investidores. Talvez os dinossauros, se os imaginarmos por um instante como os animais racionais que habitam as fábulas do grego Esopo, acreditassem em algo assim enquanto viam uma imensa nuvem de poeira cobrir o céu após o impacto de um gigantesco meteoro na Terra.
Queridos leitores, estamos cultivando nossas plantações (investimentos) da forma que entendemos ser a melhor possível. O dólar é nosso principal defensivo e adubo, e as sementes são muito bem selecionadas. Irrigamos cuidadosamente nossas plantinhas (empresas investidas) com informações obtidas incessante e incansavelmente. A cada trimestre observamos a saúde e o vigor delas e, se necessário, fazemos modificações. Até aqui, cremos que nos saímos relativamente bem, mas as boas colheitas ainda estão a caminho. Os resultados já apresentados por muitas empresas surpreendem, como plantas vigorosas e bem cultivadas. Esperamos ter plantado o bom trigo – aquele do pão que nos alimenta diariamente – e que o joio fique de fora e que todos possam também selecionar bem, através da escolha de ações, gestores e fundos. Proteger e preservar aquilo que “guerra e disputa” podem pôr a perder, e colher no futuro as belas recompensas. Puro Goethe. E que todos tenham silos repletos, inclusive para os tempos de vacas magras.