‘Qualquer um prefere crer a julgar por si mesmo’

Colunista comenta sobre privatizações e interferência no comando da Petrobras

Foto: Divulgação
Werner Roger é sócio-fundador da Trígono Capital

Esta coluna coincide com um momento crítico em nossas vidas – tantas dúvidas, medos, decisões a tomar.

A covid vai se alastrando, enquanto a vacina caminha lentamente, mas, talvez seja a única esperança de vencer esta corrida pela vida, pelo menos para uma parte da população, indefesa.

A frase título desta coluna foi escrita pelo grande sábio e filósofo Lucius Annaeus Seneca (Corduba 4 a.c. – Roma, 65). Sêneca foi também advogado, escritor e um dos maiores intelectuais do império romano, e um estoico.

O estoicismo foi uma escola de filosofia helenística (Grécia), criada no século III a.c., tendo posteriormente Epiteto e Sêneca como grandes representantes. O estoicismo pode ser encarado como um sistema ou modo de vida para prosperar em ambientes de alto estresse.

Alguma coincidência com nossas necessidades atuais?

Assistimos na última semana de fevereiro a um verdadeiro bombardeio pelas diversas mídias de notícias e informações que colocaram em polvorosa o mercado financeiro, não importa se noviços ou experientes gestores, analistas e investidores.

Na Trígono, passamos ao largo de boatos, fofocas e intrigas. Por isso, este título.

Não nos deixamos influenciar por estes tipos de notícias e buscamos capturar janelas de oportunidades que se abrem, como a queda das ações da São Martinho – todos que nos acompanham sabem, presente em nossos fundos.

Vamos usar este exemplo para demonstrar o que observamos a respeito do comportamento do mercado.

A queda de 12% em suas ações em uma semana, ante 7% do Índice Bovespa (Ibov) entre os dias 19 e 26 de fevereiro, reflete a crença de que o presidente da República interviria nos preços dos combustíveis. Observamos que algumas corretoras de valores que fazem recomendações sobre a empresa incorporaram tal crença em seus modelos e recomendações.

Curiosamente, o real se desvalorizou quase 4% neste período, e de fato a atitude do presidente foi isentar o diesel de impostos federais (PIS, Cofins e CIDE já estava zerada) por dois meses a partir de 1º de março, após tomar conhecimento de um reajuste de 15,2% no óleo diesel e 10,2% no preço da
gasolina a partir do dia 19.

No caso do diesel, os impostos federais representam 8% do preço ao consumidor; ICMS (estadual), 14%; custo do biodiesel misturado, 13%; distribuição e varejo, 12% e Petrobras , 53%.

Na gasolina os impostos federais representam 14% do preço ao consumidor; ICMS (estadual), 28%; custo do etanol misturado, 16; distribuição e varejo, 8% e Petrobras, apenas 34%, ou seja, um terço, quase o mesmo o que os Estados cobram de ICMS.

Voltando ao caso São Martinho e às oportunidades de arbitrar o mercado.

Na semana anterior ao anúncio do reajuste do preço da gasolina o preço do etanol anidro (misturado na proporção de 27% na gasolina) era R$ 2,7649 no dia 19, passando para R$ 2,9295 no dia 26, reajuste de 6%, enquanto as ações da São Martinho caíram 12%.

No dia 26 de fevereiro de 2020, o preço era R$ 2,2758, ou seja, um aumento anual de 21,5%, enquanto as ações subiram 14% no período. Já no dia 5 de março, o preço do etanol anidro atingiu R$ 3,137/litro, 7,1% de aumento em uma semana, 45,5% em exatos doze meses, fato que indica um preço médio em 2021, que nos últimos doze meses foi de R$2,13 de acordo com a ESALQ (fonte CEPEA).

Já o açúcar, que corresponde a cerca de 45% das receitas da empresa, teve um aumento no mercado internacional (bolsa de mercadorias de Nova York) de US$ 0,1414/libra em 27 de fevereiro de 2020 para US$ 0,1645/libra no último dia 26: elevação de 16,3%, acrescida de 25% na valorização do dólar, ou,
combinadas, mais de 40% de aumento.

A empresa reportou recentemente seu resultado de nove meses, exibindo um crescimento no EBIT (lucro operacional) ajustado em 43%, lucro líquido em 45% e lucro caixa (sem efeitos contábeis) de 40%.

Para ilustrar ainda mais tal inconsistência do mercado, o preço médio do etanol anidro no 1º trimestre de 2020 (1T20) foi de R$ 2,20, no quarto trimestre da empresa, enquanto nos dois primeiros meses de 2021 está em R$ 2,53, mas precificado em R$ 2,93 no dia 26 e já em R$3,13 no dia 5 de março.

Estimando-se a manutenção deste preço, a média do trimestre seria R$ 2,66, 21% acima do 1T do ano passado, e que no 2T20 foi de apenas R$ 1,66, decorrente dos efeitos da pandemia no consumo dos combustíveis e no preço do petróleo.

Ou seja, o preço em 5 de março já está 88,5% acima da média do 2T20, e poderá até aumentar devido as recentes altas do petróleo e da gasolina e valorização do dólar.

Não vamos nem mencionar outros fatores importantes e positivos para os resultados da empresa neste ano e nos próximos, mas nossa intenção é evidenciar o comportamento do mercado, usando a empresa como exemplo, e como as corretoras de valores e os investidores são influenciados pelo que chamamos de “ruídos de mercado”, notadamente de natureza política.

Cabe ainda destacar que o diesel é um dos principais custos do setor canavieiro e uma redução nos tributos, e por consequência nos preços, é positivo para este setor, além de toda a logística (rodoviária, ferroviária, hidroviária), alimentos, mineração, construção, infraestrutura, energia e transporte público, para citar alguns, sem falar dos efeitos indiretos na inflação, taxa de juros, crescimento do PIB, geração de empregos, redução no custo da dívida pública.

A mídia criticou severamente a redução do imposto (vejam só), sem ao menos esperar de onde viria a definição da contrapartida, mas em nenhum momento criticou os impostos e elencou os benefícios diretos e indiretos da redução do preço do diesel por meio de isenção de impostos federais.

Obviamente as críticas são embasadas em viés ideológico e político e trazidas ao público como se o presidente tivesse ordenado a redução dos preços pela Petrobras, além de ter demitido seu presidente.

Também chamamos a atenção dos investidores para o fato de o vencimento das opções (modalidade especulativa de investimentos) da B3 ter ocorrido no dia 22, o dia do grande tombo nas ações da Petrobras, quando caíram, no caso da classe PN, 21,5%, precedido de 6,5% no dia 19, levando grandes perdas aos “comprados” que apostavam na alta das suas ações e ganhos em sentido contrário dos “vendidos”, ou aqueles que se beneficiaram com a queda das ações.

Considerando a variação do preço das ações entre os dias 18 e 26 de fevereiro, a queda foi de 24%, enquanto o índice IBOV caiu 7,7% no mesmo período, em parte devido ao efeito das ações da Petrobras na composição do índice.

Ainda no último dia do mês, o mercado foi inundado por notícias trazidas por numerosas mídias, dando como certa a saída do ministro Paulo Guedes do governo, ou sua enésima fritura (pior que batatas fritas do McDonald’s), a demissão consumada de André Brandão da presidência do Banco do Brasil e várias notícias negativas.

Como coincidência, nos últimos dias do mês, a bolsa até abria em alta, mas subitamente uma enxurrada de boatos chegava através das mídias, mudando o comportamento do mercado e do câmbio.

Obviamente os “vendidos” se beneficiaram da queda. Notícias positivas relacionadas à privatização da Eletrobras ou mesmo ao destravamento da pauta de reformas pela Câmara dos Deputados ficavam ofuscadas.

Em relação ao tema Petrobrás, e à suposta demissão de seu presidente, cabe esclarecer que o mandato da diretoria e do presidente se encerra em março, e o acionista descontente por uma série de motivos em relação à gestão decidiu pela troca do comando da empresa.

Roberto Castello Branco foi indicado pelo amigo Paulo Guedes em dezembro de 2018, tendo atuado no conselho de administração indicado por Dilma Rousseff em 2015 e 2016.

Foi economista chefe da Vale de 1999 a 2014. Economista, realizou seu pós-doutorado (1977-78) pela universidade de Chicago (com bolsa do CNPq), berço do neoliberalismo econômico, alinhado com Guedes e com ele um dos fundadores do IBMEC (atual Insper).

Em 2015, em entrevista à agência Reuters, declarou que a política de preços para o setor de combustíveis favorecia a formação de cartéis e criticou a exploração do pré-sal.

Mais adiante, em entrevista à Folha de S. Paulo, defendeu a competição no setor de combustíveis, mas reconhecendo que a principal diferenciação de preços entre os diversos países eram a carga tributária e os subsídios.

No mesmo artigo, imputou ao BNDES a responsabilidade pela greve dos caminhoneiros em 2018 pelo excesso de financiamento para aquisição de caminhões e excesso de oferta de frete.

Por ocasião do recente aumento de preços do diesel, declarou: “Eu não tenho nada a ver com caminhoneiros, eu aumento o preço aqui, e não tenho nada a ver com caminhoneiro”.

Em janeiro, quando havia a ameaça de greve pela categoria, declarou que a insatisfação era “um problema que não é da Petrobras”.

Continuando, disse: “Trata-se de um problema de excesso de oferta, não da Petrobras”. Ou seja, a mesma crítica anterior relacionada ao BNDES.

Prezado leitor, não vou entrar no mérito da mudança do comando da Petrobras, com o presidente Bolsonaro elencando uma série de motivos (também sem entrar nos méritos) para sua insatisfação, mas pessoalmente acredito que a questão dos caminhoneiros tenha sido a gota d’água, já que o governo acabava de se defrontar com uma nova ameaça de greve (para alguns, orquestrada pela oposição ao governo).

O comentário sobre os caminhoneiros foi no mínimo uma falta de tato político, e provavelmente recebido por Bolsonaro como uma afronta pessoal.

Daí para frente, não faltaram motivos para sua justificativa de mudança na presidência.

Pessoalmente, o que muda na empresa? Talvez um espaçamento mais longo entre reajustes, evitando tanta volatilidade e arbitragem por parte de distribuidoras e varejistas.

O nome indicado pelo presidente da República, general Joaquim Silva e Luna, possui formação na AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras), ampla formação acadêmica, inclusive doutorado, e atuação em engenharia.

Foi o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa em 2018, nomeado por Michel Temer, e assumiu a direção da Itaipu Binacional em fevereiro de 2019, na qual em curto espaço de tempo realizou várias obras (nova ponte Brasil-Paraguai, ampliação do aeroporto de Foz de Iguaçu para voos internacionais,
construção de rodovia e modernização de importante hospital), além de promover forte redução nos custos, fatos que devem ter sido importantes na escolha de seu nome.

Portanto, nos parece ter um perfil de executor e liderança, típico de um general, enquanto o atual presidente nos parece mais ligado a economia e academia, tendo pouca experiência, se alguma, em gestão e execução.

Mas o tema Petrobras é mais um exemplo da importância da letra G (governança) em ESG, e como é sensível em empresas de natureza de capital mista (controle estatal e ações negociadas em bolsa de valores), como Banco do Brasil , Eletrobras e muitas outras sob controle de governos estaduais.