O que ensinam os 'Três Magos dos Investimentos'

Coluna desta semana de Werner Roger fala sobre John Maynard Keynes, Benjamin Graham e Charles Munger

Foto: Divulgação
Werner Roger, colunista do iG

A tradição bíblica cristã diz que Reis Magos visitaram Jesus após seu nascimento, trazendo como presentes ouro (símbolo de realeza), incenso (de divindade) e mirra (de humanidade).

Fazendo um paralelo, elegemos nossos " Três Magos dos Investimentos ":

  • John Maynard Keynes (1883-1946);
  • Benjamin Graham (1894-1976); e
  • Charles Munger (97 anos).

Estes "magos" trazem notável contribuição ao mundo dos investimentos. Estudaram e praticaram (no caso de Munger, ainda pratica) princípios com os quais estamos alinhados e  que buscamos praticar.

Cada um escreveu livros importantes:

Keynes

Autor de mais de 20 obras, Keynes nasceu em Cambridge, em 1883. Seu pai era professor de economia na Universidade de Cambridge, enquanto sua mãe foi uma das primeiras mulheres a se formar na mesma universidade, tornando-se prefeita da cidade aos 70 anos. Em 1904, Keynes formou-se em matemática na Universidade de Cambridge, onde também estudou, de maneira informal, economia. Além de suas grandes contribuições para a teoria econômica,
Keynes deixa como legado, lições como gestor de investimentos dos recursos da King’s College – faculdade constituinte da Universidade de Cambridge e local dos estudos de Keynes. Em seus investimentos pessoais, Keynes esteve próximo da bancarrota em três ocasiões, acontecimentos que certamente o influenciaram profundamente. Quando faleceu, em 1946, estava milionário, com recursos a valores atuais acima de US$ 20 milhões, nada mal para um
professor universitário e funcionário público.

Como cientista econômico, Keynes escreveu diversos livros que se tornaram clássicos da economia, como As Consequências Econômicas da Paz (1919), Um Tratado sobre Probabilidade (1921) e A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936). Entre seus temas principais estava o envolvimento e a influência de governos sobre o livre-mercado.

Trabalhando no Tesouro Britânico, Keynes foi o principal representante deste durante a Conferência de Paz de Versailles – organizada pelos países aliados em 1919, após a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial –, mas demitiu-se da posição por não concordar com as imposições impostas à Alemanha. Keynes profetizou a ruína do país com as medidas de Versailles, que teriam como consequência o surgimento do movimento nazista e a II Guerra Mundial. Como argumento de sua tese, escreveu o livro As Consequências Econômicas da Paz,
que o tornou uma celebridade na Europa e nos Estados Unidos. O livro foi escrito quando voltou a lecionar em Cambridge, ocasião em que possuía investimentos altamente especulativos por meio de alavancagem financeira em até 10 vezes o valor investido, fato que o levou à inadimplência junto a seus financiadores. Keynes conseguiu um adiantamento da editora de seu livro e voltou ao mercado especulativo, desta vez bem-sucedido, rapidamente acumulando uma pequena fortuna.

Em 1921, enquanto exercia múltiplas atividades, como o jornalismo, Keynes escreve seu único livro sobre matemática, Um Tratado da Probabilidade. Esta obra é de grande importância na linha de raciocínio de Keynes sobre investimentos, pois propunha que a probabilidade está mais associada a julgamentos pessoais do que a associação de frequências, distribuição de ocorrências ou eventos futuros. Assim, o britânico foi um dos primeiros a considerar as questões comportamentais nas tomadas de decisões de investimentos, onde o emocional prevalece sobre o racional, conforme escrevemos no início desta carta.

Ainda em 1921, Keynes foi nomeado gestor número dois dos recursos da King’s College e, em 1924, passou à condição de gestor chefe. Naquela época, havia uma legislação de meados do século XIX que regulava os investimentos das faculdades ligadas a Oxford e a Cambridge, e que determinava investimentos apenas em ativos conservadores. Keynes segregou os recursos da
faculdade em dois fundos, o regulado – que representava 92% dos recursos –, e o não regulado, que ele batiza de Nest (Ninho) e tinha autonomia total dos 8% restantes, pois encontrava-se fora da regulação. Através do Nest ele revolucionou a forma como fundos institucionais eram geridos e alocou praticamente todos os recursos disponíveis em ações, algo inimaginável até então. Keynes permaneceu gerindo o patrimônio financeiro da King’s
College até sua morte, em 1946.

Em 1946, o Nest representava 64% dos recursos da King’s College, em razão dos elevados rendimentos obtidos, e poderia ter sido ainda maior, pois os dividendos recebidos não eram reinvestidos, ao custear as despesas da faculdade. Entre 1924 e 1946, Keynes multiplicou o patrimônio do Nest em 12,6 vezes, com retorno anual médio de 12,3%, enquanto o mercado
acionário britânico caiu 15% no mesmo período, devido principalmente à Crise de 1929 e a II Guerra Mundial, que devastou a economia britânica.

Com os recursos da venda de investimentos imobiliários, principalmente propriedades agrícolas que cobriam despesas da faculdade por meio de arrendamentos, Keynes dizia que preferia especular em ações, que tinham seus preços determinados a cada dia, do que investir em ativos ilíquidos cujo valor era totalmente desconhecido e sem cotação.

Em sua última viagem para a América, Keynes foi convidado para as reuniões inaugurais do Banco Mundial e do FMI, em Nova Iorque, mas se aborrece profundamente nesses eventos. Até então um admirador do estilo pragmático e do espírito colaborativo dos EUA, Keynes fica indignado pelo fato do país estar tentando tomar vantagem de sua forte posição econômica em decisões das duas instituições. Os demais países, em razão de sua fragilidade, apoiam os americanos não porque querem, mas porque são obrigados devido à necessidade de ajuda econômica que precisam. Desapontado, ele abandona seus planos de férias, toma um trem para Washington e, na noite de 19 de março de 1946, sofre um sério infarto. Após recuperar-se do infarto, em 11 de abril ele janta com o presidente do Banco da Inglaterra e comenta esperar que a “mão invisível” de Adam Smith pudesse tirar o Reino Unido do buraco econômico em que se encontrava, contrariando sua tese econômica de dez anos atrás. No dia 21 de abril de 1946, Sir Keynes faleceu em sua cama em casa, onde costumava trabalhar e ler os balanços e relatórios de empresas.

No dia 22 de abril, o obituário escrito pelo The Times afirma que, para encontrar um economista com a influência comparável, era necessário retornar a Adam Smith.

Graham

Britânico como Keynes, é considerado o pai da estratégia buyandhold (ou compre e mantenha) e entre os vários papers que escreveu está o clássico dos clássicos Security Analysis (Análise de Valores Mobiliários, em tradução livre), de 1934, em parceria com David Dodd, quando ambos lecionavam na Universidade de Columbia. Atualizado em várias edições subsequentes, este livro deu base ao conceito de Value Investing (Investindo em Valor, em tradução livre). Foi editado após a Grande Depressão, o que conferiu ainda mais importância aos seus pensamentos.

A obra explora os conceitos de investimentos especulativos de longo prazo. Mas seu livro mais conhecido e verdadeira referência é O Investidor Inteligente, publicado pela primeira vez em 1949 e com várias edições (a última revisada por Graham é de 1973). No Brasil a primeira edição em português foi publicada em 2007 pela editora Nova Fronteira. A obra, verdadeira bíblia prática dos investidores, reforça o conceito de Value Investing, com horizonte de longo prazo e em empresas sólidas. Também faz parte das nossas crenças e práticas.

Munger

Ainda é ativo. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente em 2006, num evento da Western Asset Management (WAM) em Pasadena, na Califórnia (tive o prazer de trabalhar na WAM por dois anos, de 2005 a 2007). Palestrando numa empresa 100% dedicada à gestão de recursos de renda fixa, Munger brincou logo no início, dizendo estranhar ser convidado, pois ele mesmo não investia em renda fixa. Contou sua história pessoal e de como conheceu casualmente, em 1959, seu amigo Warren Buffett num jantar – foi um “amor à primeira vista”, tal o alinhamento das visões de ambos sobre investimentos. Desde então, são sócios.

Munger talvez seja, além do grande inspirador Graham, a pessoa que mais influenciou Buffett nas tomadas de decisões e nos princípios de investimentos, e é considerado seu braço direito (Buffett também cita Keynes como grande inspirador). Munger iniciou seus estudos em matemática em 1941 na Universidade de Michigan, abandonando o curso em 1943 para servir
à Força Aérea Americana durante a 2ª Grande Guerra. Voltou a estudar em Harvard (direito), onde se formou em 1948.

Grande estudioso em diversos assuntos, Munger tem como grande inspirador Benjamin Franklin (1706-1790), considerado um dos norte-americanos mais notáveis. Franklin, além de líder revolucionário, foi religioso calvinista, um dos grandes maçons americanos, cientista conhecido pelos estudos da eletricidade, ministro, diplomata, editor de jornais, e figura entre os pais da independência americana. Em 1732 começou a publicar o famoso Poor Richard’s
Almanack (atualizado durante 25 anos consecutivos), sob o pseudônimo Richard Saunders; cobrindo os mais variados assuntos, o Almanack tornou-se uma das publicações mais populares nos EUA.

Inspirado em Franklin, Munger escreveu o seu Poor Charlie’s Almanack, publicado em 2005 e 2006. Recebi do próprio autor a edição autografada no evento da WAM em Pasadena e considero o livro o mais completo sobre investimentos, filosofia, conhecimentos gerais, psicologia comportamental nos investimentos etc. Embora tenhamos Keynes como referência, há uma grande admiração por Munger, mago do conhecimento generalista e investidor, sempre nos inspirando por meio da leitura do seu Almanack. Para aqueles que dominam o inglês e se interessam em aprender sobre investimentos, filosofia e tantos outros assuntos, a obra de Munger é um investimento mandatório, verdadeira bíblia para investimentos e para a vida cotidiana. Tenho em comum com Munger o interesse por investimentos, por história e pelo método da tentativa e erro.

Esses "magos" dos investimentos são fonte de referência de minhas colunas anteriores, Conheça os sete pecados capitais dos investimentos  e dos investidores e Quais são os 10 mandamentos para ter sucesso nos investimentos .