Marcelo Guterman

Warren Buffett perdeu o seu talento?

O que a rentabilidade recente da Berkshire Hathaway tem a nos ensinar sobre investimentos

O investidor bilionário Warren Buffett
Foto: Steve Pope
O investidor bilionário Warren Buffett


Has Warren Buffet lost his touch? Essa é a pergunta-título de uma  matéria da Economist desta semana. A revista nos informa que, se você tivesse investido na empresa de Buffett 10 anos atrás, sua rentabilidade não teria sido muito diferente da do S&P500, o índice geral da bolsa americana, no mesmo período. Ou seja, não teria sido necessário se arriscar, bastaria ter comprado um ETF (um fundo passivo) do S&P500 para obter a mesma rentabilidade.

E continua. Entre 2010 e 2023, as ações da Berkshire Hathaway (BRK), a empresa de Buffett, subiram a uma média de 13% ao ano, contra 15% ao ano do S&P500. Segundo a revista, em sua última carta aos acionistas Buffett reconhece o problema: “Não temos tido chance de gerar uma performance impressionante”.

Antes de entrar nos motivos, vamos expandir um pouco a análise quantitativa da Economist. O gráfico abaixo mostra a rentabilidade da BRK contra o S&P500 em janelas móveis de 10 anos.

Gráfico 1
Foto: Reprodução
Gráfico 1


O gráfico começa em 1974, quando o fundo completa 10 anos (1965 –1974), e assim vai até 2024 (final de agosto), que indica a rentabilidade anualizada entre os anos 2015 e 2024. A linha azul é a performance da BRK nos últimos 10 anos (em cada ponto), a linha laranja é a performance do S&P500 também nos últimos 10 anos, e as barras verdes são as diferenças em cada ponto. A maior diferença foi no ano de 1985 (que representa a performance entre os anos de 1976 e 1985), de 36,5 pontos percentuais. Nesse período de 10 anos, a BRK rendeu nada menos que 50,7% ao ano, contra o S&P500 que rendeu “apenas” 14,1% ao ano. Bons tempos!

Agora observe o que acontece a partir de 2012. As linhas azul e laranja se encontram para nunca mais se separarem. Isso acontece inclusive em 2024, ano em que a BRK está rendendo mais de 28% contra 18% do S&P500. Ou seja, desde 2012 a BRK não consegue ultrapassar a rentabilidade do S&P500 de maneira consistente em janelas de 10 anos. Mas lembre-se que o ponto 2012 representa a rentabilidade entre os anos de 2003 e 2012. Portanto, quando a Economist pergunta o que aconteceu com a BRK nos últimos 10 anos, na verdade deveria perguntar o que vem acontecendo desde 2003! Entre 2003 e 2024, a BRK e o S&P500 renderam exatamente a mesma coisa, 11,1% ao ano.

Uma primeira resposta aventada pela revista é o próprio tamanho da companhia. A empresa de Warren Buffett atingiua impressionante marca de US$ 1 trilhão em valor de mercado no último dia 28/08. Considerando a valorização da ação desde o seu início e fazendo uma conta reversa, podemos chegar na evolução do tamanho da empresa ao longo do tempo. É o que demonstramos no gráfico abaixo:

Foto: Reprodução
Gráfico 2


Note como o valor de mercado da BRK mal sai do chão até o início da década de 90, e vai atingir o valor de US$ 100 bilhões somente em 1998. Marquei o ano de 2003, quando a BRK se torna uma ação “comum”. Nesta data, a BRK vale US$ 121,5 bilhões. A partir daí, o aumento do valor de mercado se dá na carona do mercado americano de ações, representado pelo S&P500. Ou seja, a impressionante rentabilidade dos anos que vão de 1965 até meados dos anos 90 se dá sobre um patrimônio muitas vezes menor do que o que temos hoje. A Economist traduz da seguinte forma: “Entre as unidades operacionais da BRK encontram-se a segunda maior ferrovia de cargas do país, a terceira maior seguradora de automóveis, uma das maiores empresas de energia elétrica e uma pletora de fábricas e marcas de varejo. Juntas, essas empresas empregam 400 mil funcionários e produzem vendas de US$ 360 bilhões. Quando esses números atingem tal tamanho, é difícil fazê-los ainda maiores.”

A matéria entra em outras considerações mais subjetivas que não vêm ao caso aqui. O fato é que o tamanho acaba por ser um fator desafiador para a geração de valor muito acima de benchmarks de mercado. Temos um caso local, o famoso Fundo Verde. A estratégia existe desde 1997, e o mesmo exercício (janela móvel de rentabilidade de 10 anos) irá mostrar basicamente o mesmo fenômeno. É o que podemos observar no gráfico a seguir:

Foto: Reprodução
Gráfico 3


Observe como a rentabilidade do fundo vai se aproximando da rentabilidade do CDI ao longo do tempo. Na última janela, entre 2014 e 2023, o fundo rendeu 10,96% ao ano contra 9,23% ao ano do CDI, uma diferença ainda positiva de 1,73% ao ano, mas muito menor do que foi no passado. O que podemos esperar no futuro?

Este problema representa um desafio para os investidores. Afinal, é preciso “descobrir” o bom gestor antes que outros o descubram, quando o fundo ainda é pequeno. Quando o gestor fica famoso e atrai toneladas de recursos, os graus de liberdade do gestor começam a diminuir pelo seu próprio tamanho em relação ao mercado. Como fazer isso?

Ninguém sabe ao certo. O fato é que são poucos, muito poucos mesmo, aqueles que investiram com Warren Buffett desde os seus primórdios e permaneceram com ele até hoje. A maioria não viu nem de perto as rentabilidades estelares proporcionadas pelo mago de Omaha. Para nós que não tivemos essa sorte e, provavelmente, nunca vamos ter, o remédio é a velha diversificação. No caso, diversificação de gestores. Diversificando, é verdade que diminuímos nossa chance de tirar a sorte grande e escolher o próximo Buffett. Mas, por outro lado, diminuímos o risco de escolher justamente alguém que vai queimar o nosso dinheiro. A diversificação é a regra para aqueles que reconhecem que não conseguem prever o futuro. Porque, como demonstra a performance da BRK, não adianta “descobrir” o bom gestor depois de todo mundo.


** Marcelo Guterman é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e Mestre em Economia e Finanças pelo Insper. Possui o certificado CFA – Chartered Financial Analyst. Ministrou vários cursos de finanças ao longo dos últimos 35 anos, incluindo Gestão de Investimentos no programa do MBA de Finanças do Insper. Atuou em várias multinacionais de administração de fundos de investimento nas últimas décadas, como gestor de recursos e especialista de investimentos. É autor dos livros “Finanças do Lar” e “Descomplicando o Economês".