Golpe: cai quem quer?
Luciano Rocha
Golpe: cai quem quer?


A CVM manteve, durante 4 meses,  um site fictício de investimento em criptomoedas. O falso site, segundo a CVM, continha todos os indícios de que se tratava de uma fraude: “promessas de lucros altos sem riscos e de aumento rápido do patrimônio, textos com erros gramaticais, ausência de informação sobre o CNPJ da empresa, dados divergentes e incentivo a pirâmide financeira”. Mesmo assim, cerca de 48% dos visitantes da página clicaram no link que levava ao detalhamento da oferta. (Na verdade, levava a uma página de esclarecimento da CVM, mas os internautas não sabiam disso antes de clicar).

O fato de 48% terem clicado não significa necessariamente que 52% notaram tratar-se de um golpe. Na verdade, uma parte relevante desses 52% pode simplesmente não ter se interessado pela oferta, dada a sua natureza, sem necessariamente pensar tratar-se de um golpe. O que nos leva à pergunta: por que as pessoas não percebem quando estão diante de um golpe, mesmo com vários indícios e vários casos notórios já conhecidos?

Esta é uma questão importante, porque tem implicações além do mundo do crime. Cometemos erros básicos em investimentos absolutamente legais, pelo mesmo motivo que caímos em golpes. O problema está na forma com que observamos e analisamos os problemas que temos na nossa frente.

O recém-falecido Daniel Kahneman, Nobel de Economia e um dos pais da economia comportamental, certa vez disse, em uma  entrevista para a revista Social Science Space, referindo-se aos vieses dos pesquisadores científicos: “Bem, sem dúvida há vieses na ciência, e há muitos vieses, e certamente não afirmo estar imune a eles. Eu sofro com todos eles. Tendemos a favorecer nossas hipóteses. Tendemos a acreditar que as coisas vão funcionar e às vezes nos iludimos acreditando em nossas conclusões.”

Se Daniel Kahneman, que é um estudioso do assunto, sofre com os vieses cognitivos, imagine nós, simples mortais. O problema não é conhecer o viés. O problema é que o cérebro humano, qualquer que seja, está sujeito aos vieses, por mais que os conheçamos.

Kahneman estava se referindo à nossa tendência em acreditar naquilo em que queremos acreditar, independentemente das evidências em contrário. Instintivamente afastamos, como uma ameaça vital, tudo aquilo que possa desafiar as nossas convicções. Nosso cérebro não é uma página em branco, que acumula as informações sobre determinado assunto a partir do zero. Pelo contrário. Somos um depósito de crenças das quais nem sequer sabemos a origem, e que influenciam as nossas decisões mais do que admitimos. Na maior parte das vezes, tomamos uma decisão, e só depois listamos as razões que nos levaram a tomá-la.

E por que isso é importante quando se trata de identificar golpes? Simples: queremos acreditar que aquilo é real. O nosso cérebro afasta todas as evidências de que estamos diante de algo que não cheira bem, porque a oportunidade parece realmente muito boa. Queremos tanto que aquela oferta seja legítima, que desprezamos qualquer informação em contrário.

Depois de cair no golpe, a pessoa normalmente relembra o passo-a-passo, e se recrimina pelo fato de ter deixado de lado evidências que, ex-post, ficam muito claras. É que, depois, o encanto se quebra, e analisamos à distância o evento. O mesmo ocorre quando ouvimos que alguém caiu em um golpe. Era tão claro de que se tratava de um golpe, como pode a tal pessoa ter caído. Pois é.

O mesmo fenômeno ocorre com o investidor, mesmo com os mais experimentados. É o que chamamos de “viés de confirmação”. Quem sofre deste viés (na verdade, todos nós sofremos deste viés, faz parte da constituição de nosso cérebro) tende a procurar notícias que confirmam a nossa convicção. Isso vale para a política, para a nossa saúde e, também, para investimentos.

Estamos comprados em determinada ação de uma empresa. As notícias ruins a respeito daquela empresa são minimizadas como “ruídos”, ao passo que as notícias boas são tomadas como confirmação do nosso acerto. É o mesmo mecanismo que nos faz cair em golpes, em que pese que a compra de uma ação está longe de ser um golpe. Mas o nosso cérebro funciona da mesma maneira. Por algum motivo estranho, afastamos o que não gostamos e selecionamos somente o que gostamos, mesmo que isso signifique assumir mais risco do que deveríamos.

O nosso destino, então, é cair em golpes? Sim, mas podemos mitigar essa probabilidade. Basta perguntarmos a um terceiro, de preferência alguém com mais experiência, sobre o que ele acha daquela oferta. Este terceiro, sem estar envolvido diretamente com a situação, terá muito mais condições de analisá-la objetivamente. Uma outra vantagem de consultar um terceiro antes de aceitar qualquer oferta é resistir ao impulso inicial, que sempre é um inimigo das boas decisões. Mas é claro, consultar um terceiro supõe estar aberto ao contraditório, o que sempre é um desafio ao nosso viés de confirmação. Não por outro motivo, muitos evitam fazer isso, e recolhem-se ao seu mundo das oportunidades únicas.

Claro, conhecer os diversos golpes também minimiza a chance de cairmos em um. Ou deveria. Há alguns anos,  publiquei em meu blog um golpe de pirâmide financeira que eu havia recebido por e-mail. Era uma lista com seis nomes e respectivas contas correntes. Você deveria fazer um depósito de apenas R$ 5,00 em cada conta, substituir o primeiro nome pelo seu próprio, mandar para outros 250 e-mails, e esperar a mágica acontecer! A promessa era receber quase R$ 100 mil de outros piramideiros. No post, explico por que se trata de uma impossibilidade matemática. Foi um dos posts com o maior número de interações, a imensa maioria querendo saber como participar da pirâmide! Ou seja, não adiantou nada explicar por que aquilo não funcionava. As pessoas estavam focadas nos ganhos prometidos, e todo o resto eram detalhes irrelevantes e inconvenientes.

Enfim, não se envergonhe se você, algum dia, cair em algum golpe. Eu mesmo já caí em alguns, e não me considero uma pessoa mal-informada ou estúpida. Lembre-se, faz parte da natureza humana.

** Marcelo Guterman é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e Mestre em Economia e Finanças pelo Insper. Possui o certificado CFA – Chartered Financial Analyst. Ministrou vários cursos de finanças ao longo dos últimos 35 anos, incluindo Gestão de Investimentos no programa do MBA de Finanças do Insper. Atuou em várias multinacionais de administração de fundos de investimento nas últimas décadas, como gestor de recursos e especialista de investimentos. É autor dos livros “Finanças do Lar” e “Descomplicando o Economês".

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