Charles Munger, o parceiro de longa data de Warren Buffett , faleceu no último dia 28 de novembro, aos 99 anos de idade. Segundo a última lista da Forbes, Munger era o 1.368º homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 2,2 bilhões de dólares. Nada mal. Mas o que chama a atenção é a diferença para o seu sócio. Buffett, na mesma lista, era o 5º homem mais rico do mundo, tendo acumulado nada menos que 106 bilhões de dólares.
Grosso modo, ambas as fortunas são formadas por ações da Berkshire Hathaway (BH), a companhia de seguros que serve também como veículo para os investimentos de Buffett em uma série diversificada de empresas. Cabe a questão: se Munger e Buffett eram sócios desde o início, porque a fortuna de Buffett é quase 50 vezes maior que a fortuna de Munger? A resposta é simples: porque o mago de Omaha provavelmente tinha mais dinheiro no início de tudo.
Na verdade, ambos não começaram juntos. Munger juntou-se a Buffett apenas em 1975, 10 anos depois de Buffett ter comprado a BH. Nesses 10 primeiros anos, Munger comandou a sua própria franquia de investimentos, a Wesco, mas o tombo da bolsa no biênio 1973/74 o fez procurar o já velho conhecido Buffett, a quem se juntou na BH. Considerando as fortunas atuais dos dois e fazendo uma conta reversa usando a rentabilidade da BH, chegamos a um montante, em 1975, de US$ 9,3 milhões para Buffett e US$ 193 mil para Munger naquele ano. Esse dinheiro, corrigido pela inflação, equivaleria hoje a US$ 55 milhões e US$ 1,1 milhão, respectivamente. A partir de então, considerando a rentabilidade das ações da BH, chegamos a US$ 106 bilhões para Buffett e US$ 2,2 bilhões para Munger. Claro que se trata de um cálculo teórico e aproximado, que não considera gastos e nem empreendimentos paralelos, mas já é suficiente para fazermos o ponto.
É conhecido o ditado “para fazer uma grande fortuna na bolsa, é preciso investir uma pequena fortuna”. O ganho com a bolsa (e, de resto, com qualquer investimento) somente vem com a combinação de poupança, retornos compostos e tempo. No último relatório da BH, de 2022, Buffett se gaba de ter comprado, em 1994, US$ 1,3 bilhão em ações da Coca-Cola, e em 1995, também por US$ 1,3 bilhão, ações da American Express, sendo que essas ações valiam, no final de 2022, respectivamente, US$ 25 bilhões e US$ 22 bilhões. Ambas as ações se valorizaram 11% ao ano nesse período. Não parece nada espetacular, se considerarmos o investimento durante pouco tempo, dois ou três anos. Mas se considerarmos as quase três décadas nas quais Buffett e Munger mantiveram-se investidos nessas ações, temos algo. Buffett reconhece exatamente esse ponto no mesmo relatório, ao afirmar: “E sim, começar cedo e viver até os 90, ajuda”.
Poucos investem como Charles Munger, não porque não tenham o seu dom para escolher investimentos, mas porque não têm a sua paciência. Muitos irão acordar para o problema da poupança para a aposentadoria quando já é tarde demais. Começar cedo e ter paciência é o segredo de polichinelo para juntar um montante razoável ao longo do tempo. A eterna busca pelo Santo Graal do investimento que vai nos tornar ricos em pouco tempo acaba por nos distrair dessa verdade simples.
Ninguém fica realmente bilionário investindo em ações da Coca-Cola ou da American Express. Ou, na realidade brasileira, em Itaú ou Vale. A riqueza vem dos rendimentos compostos durante muito tempo. Um rendimento acumulado de 11% ao ano durante três anos resulta em 36,8% de retorno. Já durante 30 anos, esse rendimento será de 2189%, ou quase 23 vezes o capital investido. E é bom lembrar que esses rendimentos não são lineares. Longe disso. Há muitos altos e baixos no meio do caminho, o que é um desafio adicional para o investidor pouco paciente.
É claro que o futuro é sempre algo incerto e, por isso mesmo, desafiador. Quem disse que um determinado investimento será vitorioso no longo prazo? Na verdade, não há garantia alguma. Mas Buffett ensina, no mesmo relatório citado acima, que basta que algumas ideias (não necessariamente todas) funcionem para que a mágica aconteça. Isso é assim porque, ao longo do tempo, os rendimentos compostos multiplicam de tal maneira os investimentos corretos, que mais do que compensam os investimentos fracassados. Mas isso, novamente, só é possível para quem tem o tempo como seu aliado.
Por fim, muitos irão dizer que Buffett e Munger tiveram sucesso porque estão nos Estados Unidos, o que não deixa de ser verdade. O próprio Buffett, no relatório acima, afirma que “A America teria ido bem sem a Berkshire, mas o contrário não é verdadeiro”, querendo dizer que a BH se valeu do crescimento americano ao longo de todo esse tempo. Sem dúvida, investimentos arriscados têm mais chance de florescerem em uma economia estável, com juros baixos e em crescimento, do que em uma economia instável, com juros altos e baixo crescimento, como a brasileira. De qualquer forma, a verdade sobre poupança, tempo e rendimentos compostos é universal, vale para qualquer economia.
Todos podemos ser Charles Munger. Não bilionários como ele, mas donos de uma poupança razoável após algumas décadas de investimentos. Isso só vai acontecer, no entanto, se pouparmos e investirmos com perseverança ao longo de um longo tempo.
** Marcelo Guterman é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e Mestre em Economia e Finanças pelo Insper. Possui o certificado CFA – Chartered Financial Analyst. Ministrou vários cursos de finanças ao longo dos últimos 35 anos, incluindo Gestão de Investimentos no programa do MBA de Finanças do Insper. Atuou em várias multinacionais de administração de fundos de investimento nas últimas décadas, como gestor de recursos e especialista de investimentos. É autor dos livros “Finanças do Lar” e “Descomplicando o Economês".