O que explica a diferença na riqueza das nações? Essa é uma das perguntas mais importantes no estudo da macroeconomia. Em um ensaio intitulado "A insustentável leveza do crescer" , abordei alguns dos vetores de crescimento econômico de longo prazo, com um olhar para a experiência brasileira. Neste texto, pretendo estender a análise para a América Latina.
A comparação entre países é sempre desafiadora, portanto, alguns cuidados devem ser tomados. Primeiro, não basta converter os PIBs para uma mesma moeda , precisamos também considerar as diferenças nos custos de vida (o que chamamos de ajuste à paridade de poder de compra). Os dados da Penn World Table 10.01 revelam que, considerando os ajustes citados acima, o PIB da América Latina em 1960 representava 22% do PIB dos EUA. Ambos cresceram ao longo das décadas seguintes. O que seria de se esperar é que a América Latina crescesse mais rapidamente do que o vizinho do norte, dado que ainda havia oportunidades a serem exploradas na região que já tinham sido aproveitadas nos EUA. Isso até aconteceu, mas durou apenas duas décadas. Após 1980, o que observamos foi um descolamento até meados dos anos 2000, quanto a região voltou a produzir uma quantidade que se aproximou da tendência anterior (em um breve interregno), mas voltou a se distanciar. O que explica isso?
Os primeiros suspeitos de sempre são os fatores de produção. Precisamos de capital (máquinas, equipamentos e estruturas, por exemplo) e de trabalhadores para conseguirmos manter e aumentar a produção de uma economia. Portanto, seria natural imaginarmos que o que houve foi falta de capital e/ou de trabalho. Será?
Ao utilizarmos a mesma base de dados, podemos somar o estoque de capital dos países da região (feitos os mesmos ajustes que para o PIB) e a quantidade de trabalhadores para os países da região. Os gráficos dessas duas variáveis contam histórias que não corroboram com o descolamento observado na região. Do ponto de vista relativo, o estoque de capital da América Latina cresceu! Saiu de 13% do estoque de capital dos EUA em 1960 para 52% em 2019. Como referência, coloquei uma linha cinza de tendência no gráfico considerando o que teria acontecido se a região tivesse seguido o mesmo ritmo de aproximação do estoque de capital entre 1960 e 1980, extrapolando até 2019.
E quanto aos trabalhadores? Para estes, temos dados apenas a partir de 1980 e a história é semelhante. A região não só possuía mais trabalhadores em 1980 do que os EUA (8% à mais em 1980), como aumentou essa relação para 75% à mais em 2019. Ou seja, temos (em termos relativos), mais capital e mais trabalhadores do que no passado. Onde está o problema então? Está na forma como os utilizamos.
Há consolidada literatura acadêmica que identifica a produtividade como fonte principal da diferença entre a riqueza das nações. Alguns exemplos são os artigos de Klenow e Rodriguez-Clare (1997), Prescott (1998) e Hall e Jones (1999).[Eles abordam o PIB por trabalhador, e não o PIB como faço aqui, mas a ideia é semelhante.
Medir a produtividade é uma tarefa desafiadora, mas vou propor um exercício simples. Se consideramos que o PIB da América Latina (assim como o dos EUA) é resultado da combinação de um terço de capital, dois terços de trabalho e a produtividade, podemos utilizar os dados observados e recuperar o que seria a chamada Produtividade Total dos Fatores.
Em termos relativos, temos que a produtividade da região era de 58% em 1980 e caiu para 38% em 2019. Ou seja, com a mesma quantidade de recursos (capital e trabalho), conseguimos produzir significativamente menos. Por que isso acontece? Bem, a lista é longa, mas tem muito a ver, dentre outros fatores, com a falta de incentivo à pesquisa e desenvolvimento, ao não integrarmos economicamente muito a região ao resto do mundo e à má alocação de recursos.
Para se ter uma ideia: corrupção, discriminação, regulação e tributação, fricções ne mercado de crédito são alguns dos exemplos de fatores que podem fazer com que não utilizemos de maneira eficiente o capital e o trabalho disponíveis. A simplicidade do exercício nem considera as diferenças no capital humano, outro tema superimportante. Precisamos aumentar a produtividade se quisermos pensar em crescer e desenvolver a região no longo prazo. O modelo de “crescer mais com mais” até serviu durante um período, mas há um bom tempo, a agenda é outra. E temos falhado sistematicamente nela.