Texto escrito por Matheus Candido
No início de 2016, entrou em vigor a Lei 13.146, Estatuto da Pessoa com Deficiência . O Estatuto recebeu ao mesmo tempo elogios dos legítimos movimentos sociais cujas pautas incluem a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e críticas de grande parte da comunidade jurídica.
Os motivos que levaram aos elogios dos movimentos sociais e às críticas da comunidade jurídica, entretanto, são absolutamente díspares. Ao passo em que o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabeleceu diversas novas regras de acessibilidade física e acesso à educação extremamente benéficas às pessoas com deficiência, também as deixou em situação de grave vulnerabilidade, ponto dura e justamente criticado pela comunidade jurídica.
A vulnerabilidade em que se encontram as pessoas com deficiência se deve justamente à insegurança jurídica que foi criada pelo Estatuto. A Lei alterou gravemente os artigos 3º e 4º do Código Civil, que dispunham sobre as hipóteses em que alguém deveria ser considerado incapaz.
Assim, ao mesmo tempo em que o Estatuto da Pessoa com Deficiência essencialmente retirou a possibilidade de que aquelas pessoas que não têm boa percepção da realidade por qualquer motivo relacionado ao conjunto de condições denominado “deficiência” fossem consideradas absolutamente incapazes, também deixou sérias dúvidas quanto a se poderiam ser consideradas relativamente incapazes. Ou seja, não se sabe com absoluta certeza, hoje, pelo texto do Código Civil, se é possível considerar incapazes para os atos da vida civil as pessoas do grupo acima citado.
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Ainda assim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência fala da possibilidade de estabelecer curatela para pessoas com deficiência que dela necessitem.
Ora, uma vez que a curatela é encargo dado a alguém para que cuide tanto da saúde como da gestão do patrimônio de pessoa incapaz – à medida em que os cuidados sejam necessários – e que o Estatuto da Pessoa com Deficiência não deixa claro se as pessoas com deficiência poderão ser consideradas relativamente incapazes (mas não deixa dúvidas de que não poderão ser consideradas absolutamente incapazes), cria‑se uma situação de imensa insegurança jurídica.
O motivo da insegurança jurídica é muito simples: dispõe o Código Civil que são inválidos os contratos celebrados por pessoas incapazes. Até hoje, apenas eram submetidas à curatela pessoas incapazes. Com o advento do Estatuto, no entanto, é impossível saber se foi criada nova figura, batizada pelo Professor José Fernando Simão, da Faculdade de Direito da USP, de “curatela de pessoa capaz” ou se as pessoas com deficiência podem, de fato, ser consideradas incapazes.
Por isso, o grande risco a que estão submetidas as pessoas com deficiência é o de sua marginalização no mundo dos negócios. Se os demais agentes econômicos não têm segurança para contratar com pessoas com deficiência sem o receio de que posteriormente seus contratos não sejam declarados nulos ou anulados judicialmente por motivos alheios à vontade dos contratantes, certamente evitarão negócios com pessoas com deficiência.
Por isso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência , redigido com as melhores intenções imagináveis, pode se voltar absolutamente contra seus próprios objetivos por emprego de má-técnica legislativa e fazer com que o Brasil dê um passo para trás em nosso já sofrido processo civilizatório ao incentivar comportamento discriminatório no ambiente negocial.