Ivan Ribeiro

Uber: nova economia, velhos conceitos

A empresa não terá vida eterna; os lucros parecem distantes e as pressões dos investidores são crescentes

Foto: Divulgação
Uber: nova economia, velhos conceitos


A palavra Uber é uma versão do termo alemão Über, que pode ser compreendido como “acima” ou “o máximo”. Parece querer parafrasear uma expressão comum a época, Übermodel, usada para qualificar algumas mulheres.

Uber é uma empresa norte-americana, criada em 2009, em San Francisco. Ela surgiu sobre dois pilares:

1. O conceito de “carona remunerada”, pelo qual motoristas amadores recebem por transportar pessoas ocasionalmente e que não é um táxi, mas uma opção da "economia colaborativa” e que, supostamente, tem outros meios de transporte, como barcos e motos.

2. O E-hailling, ou substituição dos call centers por smartphones com a localização dos motoristas, que se conectam pelas redes de dados. O georreferenciamento é a base tecnológica do sistema.

O Uber foi criado como um táxi de luxo, que teria Mercedes 500 e Escaled. Hoje, praticamente destruiu os taxis.

Em 2010 surgiu o aplicativo, um software projetado para rodar num telefone móvel, que faz a conexão entre veículos de transporte de pessoas - previamente selecionados e que concordam com seus termos -, com seus usuários, que baixaram o app e deram uns poucos dados.

O Uber também avançou por 55 países, como Alemanha, Reino unido, Austrália, chegando ao brasil em 2014, por Rio, São Paulo e Belo Horizonte. No mundo, são quase 300 cidades.

A maior frota da Uber no mundo é a nacional. No aplicativo (na versão utilizada no Brasil) é preciso fornecer as seguintes informações:

Categoria do serviço (alta, normal, básica, carga, moto...);

Local da partida;

Destino previsto;

Preferências quanto a "amenidades”;

O sistema calcula imediatamente:

Roteiro provável;

Valor do serviço;

Dados sobre quem prestará o serviço e a estimativa de tempo de chegada ao ponto de partida e até o destino final;

Ele oferece ainda diversas formas de fazer o pagamento, faz a cobrança e monitora a viagem, resolvendo problemas, como objetos esquecidos no veículo;

Finaliza o atendimento. 

Pelo seu trabalho, a empresa dona do aplicativo, a Uber, cobra uma taxa, que normalmente é de 45% do valor pago pelo cliente, variando muito segundo critérios obscuros.

O preço dos translado ou viagem pode variar em função da região, do horário e disponibilidade de veículos. Assim, num dia de chuva no Tatuapé, o preço cobrado pode ser apresentado como um múltiplo do preço base, o que não se aplica na ensolarada Barra Funda. Pode ser 1,5, 2, 3 ou x vezes. Mas a composição do preço base é um segredo de Estado.


O Uber entrou no mercado subvertendo as normas estabelecidas para os serviços de táxi. Normalmente são leis locais ou municipais. Essa entrada foi "facilitada”, em parte, pela insatisfação do público com o sistema dos táxis, preponderante a época.

Ao desenvolver seu modelo de app, a empresa trouxe inovações importantes, como cálculo prévio do preço, do roteiro mais rápido (o que resultou em alguns acidentes em zonas do tráfico de drogas) e do tempo previsto. Eram questões que atormentavam os usuários, que se viam obrigados a contratar um serviço sem a certeza do seu preço final.

Os taxímetros, equipamentos que por décadas reinavam soberanos nos táxis, eram sujeitos a toda sorte (boa ou ruim) de problemas e consequentes falhas. Ainda há táxis nas ruas com esses equipamentos, num museu vivo das velhas tecnologias.

Após uma longa discussão judicial - que ainda não está encerrada, a Uber teve sucesso com suas teses sobre carona compartilhada e afastou os fantasmas de seu dia a dia. Quanto ao futuro, ainda é incerto, pois a discussão é municipalizada e demora a chegar as instâncias superiores.

Mas o fato econômico é que o Uber, que foi pensado originalmente como um táxi de luxo, se tornou o novo paradigma desse mercado, derrotando os ancestrais táxis. Ao oferecer água gelada e balas aos clientes, a empresa sinalizava seus objetivos: ser percebida como o refresco num dia quente, diferente dos táxis áridos e sem sabor.

Existem milhares de estórias sobre a forma desavergonhada e ladina com que táxis (isolados ou associados) atuaram para prejudicar o cidadão. A mais emblemática vem de 1997, quando o presidente do CADE ao chegar em BSB descobriu que os descontos na tarifa dos táxis haviam sido “tabelados" pelo governo local, a pedido da "categoria”.

A Uber vale, hoje, 130 bilhões de dólares. Em seus anos de funcionamento já acumulou prejuízos de 32 bilhões de dólares. Apenas ao final de 2023 a empresa teve um pequeno lucro operacional de 300 milhões de dólares, que não reverteu o prejuízo.

A meu juízo, a Uber não terá vida eterna. Os lucros parecem distantes e as pressões dos investidores são crescentes. A empresa deverá adotar políticas que aumentem expressivamente suas receitas, e isso vai obrigatoriamente afetar a qualidade do serviço. Isso causará perda de clientes, que poderá ser retardada com a ampliação dos gastos com marketing, mas virá.

Além disso, o sistema tem um ponto muito vulnerável: a manutenção dos carros. Por usar carros de terceiros, a Uber não tem controle sobre ela. E, por exemplo, a mecânica dos carros pode ter sido feita inadequadamente, porque os motoristas usam o dinheiro que recebem para despesas inadiáveis, como comida.

Infelizmente, o Uber parece mais uma daquelas ideias geniais para arrecadar muito dinheiro para poucos e muito prejuízo para muitos, sejam as famílias dos taxistas destrocados pelo Uber, seja pelos investidores que aportaram dinheiro na empresa e terão dificuldades em realizar esse investimento. Não será uma destruição criativa, emprestando o termo de Schumpeter, mas somente destruição.