Será que nos dias de hoje precisamos de empresas estatais no país?
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Será que nos dias de hoje precisamos de empresas estatais no país?


Nos últimos meses, uma série de falas e de atitudes do  Presidente da República e de alguns de seus ministros têm ressuscitado um debate envolvendo qual deveria ser o papel de empresas sob o controle (ou participação) do Estado no país. Sob a minha ótica, há uma pergunta que antecede essa discussão, qual seja: precisamos de empresas públicas nos dias de hoje?

Em geral, escuto três tipos de argumentos em favor de empresas estatais. O primeiro deles é o de que elas são empresas estratégicas para o desenvolvimento econômico. Aliás, esse é o principal argumento da maioria dos políticos e do próprio presidente da república. Implicitamente, este primeiro argumento nos leva à necessidade lógica de uma avaliação econômica da presença do que se denomina falha de mercado.

A ideia seria que, se deixássemos por conta do mercado, determinados serviços não seriam criados e certos setores não se desenvolveriam. Há, entretanto, alguns aspectos a serem considerados. O primeiro deles é que esse pressuposto pressupõe a identificação das chamadas falhas de mercado, que envolvem conceitos técnicos, como a presença de bens públicos e externalidades. O problema é que, no caso brasileiro, a presença de estatais, com raríssimas exceções, como o caso da Embrapa, não tem como contrapartida a identificação de qualquer falha de mercado que a justifique.

Aliás, há uma grande confusão entre o conceito econômico de bem público e jurídico de empresa pública. Enquanto o primeiro nos leva à conclusão de que, na ausência do Estado, determinados serviços não seriam criados (dos quais são exemplos segurança pública, defesa nacional, iluminação pública, dentre outros), o segundo envolve simplesmente uma decisão de opção política, sem qualquer justificativa econômica.

Por exemplo, na ausência do Estado, nada indica que não teríamos hoje uma empresa geradora de energia, outra voltada à exploração e refino de petróleo, aeroportos privados, empresas de telecomunicações ou mesmo de comunicações.

Note-se ainda que, mesmo tendo identificado algum tipo de falha de mercado, a solução pode passar apenas pela coordenação do Estado, sem que haja a necessidade de se criar uma empresa pública. Bons exemplos podem ser observados em casos de concessões e parcerias público-privadas, associadas a modelos regulatórios eficientes.

No limite, pode-se pensar até em coordenação estatal via políticas industriais baseadas em “incentivos econômicos”, com prazos bem delineados, cobrança de metas e revisões constantes, mas nunca centradas em protecionismo, subsídios puros ou compras governamentais sem critérios, como tem proposto o atual governo.

O segundo argumento em defesa de estatais é o de que, se entregue ao setor privado, essas empresas não atenderão ao interesse público, uma vez que só pensam no lucro. Mais precisamente, a alegação é que uma eventual privatização provocará elevação de preços e redução da qualidade de serviços. Esse é o caso da discussão envolvendo a possibilidade de venda do controle da Sabesp em São Paulo.

Entretanto, não há qualquer comprovação de que as empresas públicas prestam um serviço melhor e, ao mesmo tempo, com preços menores do que as empresas privadas. Aliás, a percepção da sociedade é, em geral, a oposta.

De toda forma, não há nada de errado em empresários buscarem lucro, mesmo porque sem que isso ocorra, não haverá incentivo para se manter no negócio. A questão que se coloca é o que seria um lucro razoável, que atenda, ao mesmo tempo, o interesse do consumidor representado pelo trinômio modicidade tarifária, universalização e qualidade do serviço.

E, pressupondo que estamos tratando de mercados não competitivos (porque, do contrário, não haveria razão para atuação do Estado), há todo um arcabouço regulatório que pode ser utilizado para a consecução dos objetivos que atendam aos interesses da sociedade. Só que, para isso, o modelo regulatório deve ser bem desenhado e o órgão regulador deve ter independência técnica e financeira para atuar.

Note-se que uma eventual crítica de que as agências podem ser suscetíveis a pressões políticas (ou mesmo do setor empresarial) valeria ainda mais para empresas estatais cujas nomeações não passam pelo mesmo processo de escolha dos diretores das agências e cujos dirigentes não têm garantia de mandato pré-definido.

Por fim, o terceiro argumento que leio constantemente em favor de empresas estatais é o de que a maioria delas são superavitárias e geram lucro para o Estado, contribuindo com o fechamento das contas públicas. Particularmente, entendo que essa é uma discussão sem qualquer sentido, na medida em que esse cálculo desconsidera o custo de oportunidade que o Estado incorre em alocar pessoas, recursos e tempo na gestão de algo que poderia ser feito igualmente ou melhor pela iniciativa privada, sendo que suas prioridades deveriam estar voltadas para serviços como educação, saúde e segurança pública, por exemplo.

De toda forma, não é verdade que a maioria das empresas públicas brasileiras são superavitárias. Em 2023, por exemplo, no agregado, as nossas empresas estatais fecharam com um rombo de R$ 2,2 bilhões. E mesmo aquelas que são superavitárias podem obter esse resultado usando seu eventual poder de mercado em segmentos pouco competitivos e não, necessariamente, por serem eficientes. Ou seja, neste caso, a conta acaba sendo paga pelo “consumidor-cidadão”.

Em realidade, sempre que vejo alguém defendendo a necessidade de termos empresas estatais no país, pergunto-me quais são os reais interesses por trás dessa insistência, ainda mais lembrando dos vários casos de corrupção como o Mensalão e Petrolão. E isso sem entrar a fundo nas decisões de investimentos ineficientes, contratação e gestão de mão-de-obra, escolha de fornecedores, etc.

Parece-me que o melhor caminho a ser seguido seria identificarmos os casos nos quais há, de fato, sentido econômico (como o descrito neste texto) para mantermos empresas públicas e privatizarmos todas as demais estatais, considerando, inclusive, a possiblidade de criarmos modelos de venda de ativos públicos que gerem mais concorrência nos mercados, em benefício do próprio consumidor.

Ademais, poderíamos usar esse dinheiro para abatermos parte da dívida pública, reduzindo os serviços (juros) pagos a cada período, liberando recursos para ampliarmos investimentos em áreas carentes, como educação, saúde e segurança pública. 

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