Canoas (RS) está entre os municípios mais afetados
Reprodução/Prefeitura de Canoas
Canoas (RS) está entre os municípios mais afetados


Acompanhando com uma certa incredulidade os debates a respeito da tragédia que se abateu sobre o estado do Rio Grande do Sul , tenho visto dois tipos de discursos, tanto em rede sociais como na própria imprensa em geral. O primeiro envolve questionamentos sobre de quem seria a culpa dessa tragédia. O segundo indica uma tentativa de associar diretamente o problema ocorrido com o aquecimento global.

No primeiro caso, vi, por exemplo, gente apontando o dedo para o governador do estado e para o prefeito de Porto Alegre, como se eles tivessem sido os grandes responsáveis pelas inundações observadas. Claro que sempre podemos encontrar erros pontuais de gestão e que são poucos os políticos que realmente se preocupam em destinar os recursos necessários para a pasta de Assistência Social e, mais especificamente, para a Defesa Civil, muito provavelmente pela falta de visibilidade desses gastos para os eleitores.

Entretanto, não é disso que trata o caso. O que aconteceu no Rio Grande do Sul foi um ponto totalmente fora da curva e a tragédia ocorreria de toda forma. Talvez o impacto sobre as pessoas fosse um pouco menor, mas não escaparíamos do desastre. E isso mostra que temos muito a aprender com as decisões de localização de população e urbanização que tomamos ao longo do tempo.

Vi também jornalistas questionando agressivamente a razão de os modelos de previsão climática “terem falhado” em captar o montante de chuva que viria, sem ao menos entenderem que esses modelos estatísticos (pela própria definição) não são uma conta matemática simples que gera um único resultado certo, além de estarem implicitamente sujeitos a uma série de variáveis que podem mudar de uma hora para outra.

Mas o pior de tudo foi observar que a velha  polarização entre petistas e bolsonaristas também chegou ao Rio Grande do Sul. De um lado, alguns bolsonaristas fazendo todo tipo de acusação ao comportamento do atual presidente e ao daprimeira-dama diante do caso. De outro, alguns petistas lembrando que o Rio Grande do Sul foi um dos estados nos quais Bolsonaro venceu, tentando associar esse fato com o “dilúvio” ocorrido. Definitivamente não precisamos disso neste momento.

Com relação às questões climáticas, alguns já se apressaram em relacionar o evento no Rio Grande do Sul com o aquecimento global, destacando que já estamos pagando a conta de nossas decisões passadas de interferir no meio ambiente. Até o Le Monde, jornal francês, fez uma  matéria nesse sentido.

Para mim, uma associação simplista desse tipo cheira um oportunismo descabido de pseudoambientalistas, que estão mais preocupados em reafirmar suas respectivas crenças do que com o fato ocorrido em si. E quando afirmo isso, estou bem longe de questionar que a nossa interação com o meio ambiente gere efeitos. Ao contrário, parece-me lógico reconhecer que tal correlação existe.

Não é essa a questão que importa, mas sim entender a proporção do impacto e o ritmo de mudança que essa interferência gera. E compreender esses aspectos é fundamental para desenharmos políticas públicas mundiais que induzam nossa mudança de comportamento, mas que, ao mesmo tempo, minimizem os custos associados a essa alteração para todos nós.

O problema é que, até o momento, não temos nenhum estudo definitivo que mostre o quanto das mudanças climáticas é consequência da interferência humana e o quanto deriva de um processo natural de evolução do planeta. No fundo, a questão sobre o aquecimento global é séria demais para trazê-la para o meio de uma tragédia, junto com crendices e paixões ideológicas.

Para longe dessas discussões que não agregam nada, o fato objetivo e prático com o qual teremos que lidar é que essa tragédia no Rio Grande do Sul deixará uma conta elevadíssima para o estado e para o próprio país, algo ainda muito difícil de ser estimado neste momento.

Para além do trauma pessoal das famílias gaúchas (que perderam parentes, bens materiais e que ainda podem perder o emprego com a destruição de empresas), há custos associados à reconstrução de infraestrutura (estradas, ferrovias, aeroportos, etc.) e outros gastos necessários para a retomada da atividade econômica em todos os setores do estado.

Não por outra razão, o governador  Eduardo Leite (PSDB) afirmou que o Rio Grande do Sul vai precisar de um “Plano Marshall”. De fato, reconstruir não será uma tarefa fácil e envolverá um grande esforço não só dos gaúchos, mas de todos os brasileiros.

A boa notícia é que temos assistido a uma mobilização da sociedade civil como nunca antes vista. Mais do que isso, os políticos em Brasília parecem ter entendido a necessidade de dar uma resposta rápida ao caos que se criou no estado. Não por outra razão, foi aprovado Projeto de Decreto Legislativo (PDL) reconhecendo estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul até 31 de dezembro de 2024, permitindo maior agilidade na liberação de recursos federais.

O mais importante daqui em diante é aprender com o evento climático, entender o que pode ser melhorado em termos de investimento em prevenção a catástrofes e criar uma governança forte de distribuição de recursos, considerando as reais prioridades das pessoas e do estado, inclusive analisando o efeito multiplicador que cada real alocado poderá gerar para toda a sociedade. Sem que isso seja feito, toda essa tragédia terá sido em vão.

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