Encampada pelo presidente do Senado (o advogado Rodrigo Pacheco do PSD de Minas Gerais), foi aprovada nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça do Senado a denominada PEC do Quinquênio (PEC nº 10/2023), que traz de volta um privilégio há muito tempo extinto.
Pelo texto em discussão, será criado um adicional de 5% do salário recebido para cada cinco anos trabalhados. Esse privilégio poderá ser recebido por agentes públicos de carreiras jurídicas. Mais especificamente, os agraciados com isso são os de sempre: juízes, membros do Ministério Público, defensores e advogados públicos, delegados de polícia e ministros dos Tribunais de Contas.
Por si só, essa proposta já é um absurdo, na medida em que só amplia a diferença de salários de uma casta privilegiada da sociedade dos demais funcionários públicos e, principalmente, do setor privado. Pior ainda é a desculpa de alguns políticos para o encaminhamento dessa proposta.
Uns falam que é uma forma de incentivar que esses profissionais permaneçam no serviço público, como se os salários recebidos fossem baixos. Outros, como o caso do próprio presidente do Senado, afirmam que essa seria a contrapartida para acabar com os penduricalhos pagos no Judiciário, que hoje suplantam o teto do funcionalismo e criam os supersalários. Como se a solução para um flagrante descumprimento da lei fosse mudar a lei para manter o privilégio.
Fato é que, sob o ponto de vista econômico, essa proposta carrega dois problemas. O primeiro é que cria mais um rombo nas contas públicas, já tão debilitada por outros absurdos na gestão da coisa pública. E como tenho escrito nesta coluna , o resultado será mais inflação no longo prazo, que afetará os mais pobres, que não têm mecanismos de defesa contra a inflação como os nossos potenciais agraciados com essa PEC.
O segundo problema econômico está relacionado aos incentivos gerados. Em vez de se criar critérios de produtividade para eventuais remunerações adicionais que se pretenda incorporar, essa PEC equaliza todos os profissionais, sem premiar aqueles que, de fato, sejam mais produtivos. Por óbvio, o que faremos é desestimular a busca por eficiência nessas carreiras, uma vez que ninguém terá motivo para individualmente ser mais produtivo.
Note-se que, ao contrário do que escreveu recentemente o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, em um artigo intitulado “Quanto vale o Judiciário”, temos sim hoje um Judiciário caro e ineficiente.
Por exemplo, em “Raising Productivity Through Structural Reforms in Brazil” , Jens Matthias Arnold e Robert Grundke mostram que o nosso Judiciário é um dos mais caros (como proporção do PIB) e mais ineficientes do mundo.
Há que se destacar que eficiência não se mede por quantidade de casos julgados, como quis fazer parecer o presidente do STF, mas sim com outros critérios objetivos como, por exemplo: tempo de julgamento, consistência nas decisões e formação e consolidação de boas jurisprudências, algo que o próprio Supremo está bem longe de demonstrar.
Aliás, o que temos infelizmente observado em nossa “Corte Máxima” é uma sequência de absurdos que passam por atropelos ao devido processo legal, decisões heterodoxas cujo texto legal é objetivo, mudanças casuísticas de decisões anteriores para atender questões momentâneas, ausência de jurisprudências fortes, que oriente cortes inferiores, envolvimento em ambiente político, ministros falando fora dos autos do processo e até mesmo antecipando posições sobre eventuais casos a serem julgados, dentre outros problemas.
Por óbvio que, como em toda categoria, nas carreiras jurídicas de Estado existem bons profissionais que merecem ser recompensados. Eu mesmo tenho tido experiências com excelentes juízes e outros funcionários públicos que seriam exemplos a serem seguidos em qualquer lugar do mundo.
Mas quando vejo a qualidade de várias decisões, o comportamento de alguns profissionais ou mesmo o envolvimento de determinadas corporações jurídicas com o setor privado (por exemplo, recebimento de financiamento para realização de seminários, pagamento de viagens, etc.) e com o meio político, tenho para mim que precisamos passar o Judiciário a limpo para o bem da nossa sociedade.
Há sempre a desculpa de que as nossas leis são uma grande parte do problema e que o nosso sistema judiciário, da maneira como foi concebido, é muito ruim, mas nada justifica o que temos presenciado no país. Na realidade, esses argumentos só reforçam a necessidade de irmos a fundo nos problemas e criarmos uma governança mais forte e transparente para a sociedade, inclusive para preservamos os bons profissionais.
E, possivelmente, um bom começo seria criarmos critérios mais rígidos para a escolha dos ministros das cortes superiores, semelhantes, por exemplo, àqueles definidos no artigo 42 da Lei das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019), inclusive no que diz respeito à vedação de indicações definidas no “Art. 8º-A. Com isso, estaríamos blindando os tribunais superiores de qualquer influência política.
Fato é que a PEC do Quinquênio só escancara o quanto nosso sistema judiciário tem sido cada vez mais parte do problema e não das possíveis soluções para o país. Mais do que isso, pelo processo em curso no Congresso, ela mostra que precisamos entender de uma vez por todas que harmonia entre os poderes não pode e não deve ser confundida com “conchavo entre poderes”.