O presidente Lula recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em 2023
Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Lula recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em 2023


Nos três principais jornais brasileiros do último domingo, a  fraude eleitoral do ditador  Nicolás Maduro dominou o noticiário – e também os artigos assinados. Na “Folha de S. Paulo”, seis dos nove textos de articulistas versavam sobre esse tema; no “Estado de S. Paulo”, três de cinco. Em “O Globo”, três de oito. Dos doze artigos que têm Maduro como personagem principal, apenas um defende o ditador e o  sistema eleitoral venezuelano.

O raciocínio usado pelo autor, um jornalista historicamente ligado ao Partido dos Trabalhadores, adota uma linha segundo a qual a oposição não tem provas concretas de manipulação de resultados e que, goste-se ou não do presidente venezuelano, é preciso defender a democracia e acatar os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral.

Toda a lógica contida neste texto, porém, é desmontada com uma única pergunta: onde estão as atas que comprovam a votação?

Nenhum sistema é sólido o suficiente se não houver transparência. O mecanismo utilizado pela  Venezuela pode até ser eficaz do ponto de vista técnico – mas sem a divulgação das atas de eleição, não existe como atestar a lisura do pleito.

Os venezuelanos, diariamente, dão mostras de insatisfação profunda com o governo. O número de cidadãos que cruzou as fronteiras e foi tentar uma nova vida em outros países atesta esse desagrado: segundo dados da Organização das Nações Unidas, 7,7 milhões de venezuelanos saíram de sua terra natal desde 2014. Quando as fronteiras brasileiras em Roraima estavam abertas, houve dias em que 400 pessoas saíram do país vizinho e pediram abrigo ao  Brasil.

No meio de toda a discussão está o presidente  Luiz Inácio Lula da Silva, que tentou ficar no muro ao se expressar sobre o assunto, dizendo que o que está ocorrendo na Venezuela é algo normal. Lula está entre a cruz e a espada. De um lado, percebe que a opinião pública tem a noção de que Maduro é um ditador e mente ao proclamar-se reeleito. De outro, porém, precisa dar satisfação à claque esquerdistas e defender um projeto político socialista.

Outros presidentes que professam sua fé no socialismo, como Gabriel Boric (Chile), Pedro Castillo (Peru) e Gustavo Petro (Colômbia), já condenaram Nicolás Maduro e criticaram a falta de transparência na apuração dos votos venezuelanos. Neste time de presidentes latino-americanos alinhados ideologicamente com o regime chavista e com relevância, apenas o brasileiro não atacou explicitamente o ditador da Venezuela.

Lula deveria seguir o exemplo de Boric, Castillo e Petro e romper imediatamente com Maduro, seja pela defesa da  democracia ou por seu futuro político. Entraremos, a partir desta semana, em uma nova fase das eleições municipais, com vários candidatos oficializados. O episódio da Venezuela e a atitude de Lula serão situações exploradas politicamente – em desfavor do PT e de seus aliados.

A história desfila alguns exemplos de líderes políticos que foram condescendentes com tiranos e se deram mal. Um destes acontecimentos ocorreu durante a visita do presidente português Francisco Craveiro Lopes ao Brasil em 1957. O general Craveiro, um preposto do ditador António de Oliveira Salazar, foi recebido em cerimônia oficial por Juscelino Kubistchek, que lhe dedicou um discurso de boas-vindas.


Durante a saudação, o brasileiro se queixou das “injustiças da paixão no julgamento do eminente sr. Oliveira Salazar”. Na prática, JK estava relevando as atrocidades cometidas pelo regime salazarista e colocando panos quentes às críticas feitas à presença de Craveiro no Brasil. Recebeu uma saraivada de desaprovações de vários jornais e viu sua popularidade despencar momentaneamente. Aprendeu a lição e nunca mais endossou ditadores em suas falas.

O finado Jornal do Brasil encontrou uma forma de registrar a visita do presidente português de uma maneira que poderia inspirar o PT. Ao registrar o número elevado de presentes ao desfile de Craveiro, o JB cravou o seguinte título: “Nunca houve nada igual no Rio”. Com isso, mostrou sua simpatia ao povo português e à grande comunidade lusitana que havia na cidade. Mas fez inúmeras críticas à ditadura de Salazar em todos os artigos que falavam sobre a visita do presidente português. Os petistas podem mostrar sua simpatia ao povo venezuelano e tentar poupar a política econômica de Maduro (o que é praticamente impossível), fustigando a falta de liberdade democrática e de transparência no processo eleitoral.

Maduro é um pária e deve ser tratado como tal. O Brasil não pode passar pano para quem desrespeita a democracia e faz de tudo para se manter no poder, incluindo uma repressão fortíssima, que já resultou em cerca de vinte mortes. Se Lula não demonstrar coragem, será registrado pela história como um presidente fraco e conivente com uma ditadura que tem tudo para ser cada vez mais sanguinária daqui para frente.

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