Como todas as modas importadas dos Estados Unidos – um exemplo disso é a comemoração do Halloween –, a Black Friday brasileira tem problemas em seu processo de tropicalização. A última edição dessa data de promoções no varejo foi a segunda pior da história nas lojas físicas, com queda de 15% em relação às vendas obtidas em 2022. Há algumas razões para esse desempenho pífio, que vão desde um momento difícil para o comércio até a sensação do consumidor em relação aos descontos oferecidos. Mas, antes de mais nada, é preciso lembrar duas diferenças cruciais entre os mercados brasileiro e americano que podem explicar a falta de entusiasmo pela Black Friday em terras tupiniquins.
A primeira desigualdade é a importância do feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, ao qual a Black Friday está associada. Trata-se da data em que as famílias americanas se reúnem, na última quinta-feira de novembro, para celebrar juntas e agradecer as coisas boas da vida (suas origens estão nos festivais de colheita da era medieval). As lojas perceberam que havia um aumento no movimento de suas lojas e começaram a oferecer descontos mais agressivos para impulsionar vendas.
A ideia surgiu em Filadélfia, que também ganhava público extra nesta data devido a um jogo de futebol americano promovido pela Marinha. O nome, diz a lenda, foi criado porque os comerciantes que tiveram prejuízo (ou estavam no “vermelho”) teriam condições de vender mais e ter lucro (ou seja, as contas entrariam no “preto”).
O fato é que, aqui no Brasil , não há uma concentração tão grande de pessoas nas cidades durante essa data – e a Black Friday se transformou em uma espécie de promoção sem uma causa consistente.
O segundo ponto de diferença está no fator que impulsiona as compras de Natal no Brasil – o décimo-terceiro salário, que não existe nos EUA. Para se ter uma ideia, a segunda parcela deste benefício deve injetar R$ 106 bilhões na economia brasileira – e um estudo da Confederação Nacional do Comércio mostra que este pagamento é fundamental para o crescimento das vendas em dezembro, quando o varejo apresenta um salto de 25% nas vendas (em determinados mercados, como vestuário e calçados, o crescimento é ainda maior: 80%). Mesmo assim, a própria CNC estima uma elevação nas vendas de apenas 5,6% neste ano em relação a 2022.
Dessa forma, a Black Friday acaba concorrendo com as vendas de Natal – a não ser que existam promoções realmente atraentes. E é aqui que está o problema. A ideia de que os comerciantes oferecem 50% de desconto sobre o dobro do preço normal ganhou força nos últimos tempos (e isso não necessariamente é verdadeiro).
Mas uma coisa é clara: neste ano, os descontos oferecidos pelo varejo foram tímidos, talvez em função da crise que o setor sofreu ao longo de 2023.
De qualquer maneira, os parcos resultados da Black Friday não foram uma regra.
No ambiente online, houve casos vitoriosos, como o da Selia Fullcommerce, que registrou um aumento de 274% na receita no período, processando 40.000 encomendas no final de semana da promoção. O foco das vendas esteve em eletrônicos, vestuário e perfumaria, sempre com descontos agressivos e promessa de entrega rápida.
Talvez esse seja o caminho do futuro da Black Friday brasileira: concentração nas lojas digitais, com promoções fortes em itens que foram bastante pesquisados na internet. Com isso, teremos uma temporada de descontos com um espírito bem diferente das origens americanas – mas com resultados que possam animar os varejistas brasileiros.