Muitos comparam Javier Milei com Donald Trump e Jair Bolsonaro. Um dos pontos em comum é que todos disseram que haveria fraude nas eleições caso perdessem . Mas Trump e Bolsonaro foram derrotados e não conseguiram provar manipulações nos votos. Milei, ao contrário, venceu o pleito , com margem até superior à projetada e, agora, é vida que segue. Ao lado dessa diferença, porém, há outra, essencial: o presidente eleito da Argentina coloca suas propostas econômicas em primeiro lugar no projeto de governo e tem como defendê-las com desenvoltura, já que é economista com mestrado.
Além disso, Milei leva à risca a cartilha libertária em diversos aspectos, do direito ao porte de armas a questões relacionadas ao comportamento da sociedade. Em alguns destes temas, pode criar controvérsias. No segundo turno, habilmente deixou de lado assuntos que pudessem gerar controvérsia. Mas, agora que foi eleito, pode se manifestar com maior clareza.
A expectativa em torno do programa econômico de Milei é enorme – e especula-se como será seu convívio com os peronistas que atazanaram o mandato de Maurício Macri. Como se sabe, o ex-presidente Macri foi eleito com uma plataforma liberal (não tão ampla e forte como a de Milei, é verdade) e falhou em implementá-la, fazendo concessões seguidas à Esquerda. Esse não parece ser o comportamento do presidente eleito. Portanto, é de se esperar um clima de confronto do Congresso argentino desde o primeiro minuto do novo mandato.
No centro da discussão, estará a dolarização do sistema econômico local. Ainda não há detalhes sobre como será esse processo, mas, caso tenha sucesso, pode ser um caminho para nações que pelejam com uma inflação que teima em ficar descontrolada.
Outro ponto que vai gerar discussões é a relação entre Argentina e Brasil. Milei andou dizendo que não deve conversar com Luiz Inácio Lula da Silva, pois ele seria “comunista” e “corrupto” (“Por isso, esteve preso”, alfinetou). Deixou claro que não vai interferir no comércio entre os dois países, pois isso é uma questão que interessa apenas ao setor privado. Mas deu a entender que poderia torpedear o Mercosul (que, curiosamente, tem apresentado mais vantagens à Argentina do que ao Brasil nos últimos tempos).
No discurso da vítoria, entretanto, ele se mostrou menos radical que na campanha. “Nosso compromisso é com a democracia, o livre comércio e a paz. Vamos trabalhar com todas as nações do mundo livre”, afirmou. Será que estava acenando ao Brasil? Lula, um pouco antes, também havia deixado a porta aberta. “Desejo boa sorte e êxito ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar com nossos irmãos argentinos”, escreveu em suas redes sociais.
A inflação argentina bateu, no acumulado de doze meses, 142 % em outubro. Trata-se do maior índice já observado no país em 32 anos. Além do mais, a economia como um todo entrou em colapso em 2023. Diante disso, não havia a menor hipótese de Massa vencer o pleito, uma vez que ele era o ministro responsável pela anarquia no cenário econômico.
Milei se transformou no símbolo irrefutável do antiperonismo. É possível que a maioria de seus eleitores tenha votado nele sem saber como funcionará a dolarização ou como a economia vai se virar sem Banco Central. Mas, mesmo assim, ele recebeu 3 milhões de votos a mais que seu oponente porque o povo argentino queria romper com uma força política que domina a política argentina há muito tempo. Um grupo que, quando não ganha, consegue destruir os governos inimigos. Macri que o diga. Mas Milei não parece ter a mesma índole pacificadora que a do ex-presidente.
O novo mandatário argentino deu pistas de como será seu governo. “Hoje começa o fim da decadência. A situação da Argentina é crítica. Não há espaço para gradualismos nem meias medidas”, disse. E arrematou: “A Argentina tem futuro, e esse futuro é liberal”.