Embora esquerda e direita se engalfinhem bastante por conta de conceitos relativos à condução da economia e de sistemas de governo, há um ponto nevrálgico nesta briga: a pauta de costumes. A direita defende conceitos conservadores, que preservam a família; já a esquerda busca valores modernos que contradizem os preceitos tradicionais.
É por isso que muitos líderes do conservadorismo estão sempre alertas quando temas que podem chacoalhar a chamada pauta de costumes entram em discussão no Congresso ou no Supremo Tribunal Federal. Hoje, por exemplo, no epicentro desses debates estão questões como o direito ao aborto e a descriminalização da maconha.
Conservadores sempre creditam ao filósofo marxista Antonio Gramsci a criação de um plano para tomar o poder através da destruição dos valores conservadores, implodindo a família e outras instituições que os comunistas chamam de “burguesas”. O italiano, de fato, dizia que “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, e que a tomada do poder deveria ser precedida por uma profunda transformação de mentalidade. Quem provocaria isso? Os intelectuais e os professores.
Ocorre que a obra de Gramsci foi escrita na prisão (decretada por Benito Mussolini) entre as décadas de 1920 e 1930. Naquela época, não havia uma forte indústria de entretenimento – e, hoje, essa seria a grande fonte para minar os costumes conservadores e provocar mudanças na sociedade em direção ao comunismo.
Muitos, porém, acham essa tese exagerada e acreditam que, embora a indústria cultural possa influir na propagação de conceitos, digamos, progressistas, o comportamento conservador sempre existirá na sociedade e deve constituir a maioria numérica durante muito tempo.
Neste domingo, porém, uma importante liderança do PT descartou grandes esforços em atuar na chamada linha gramsciana. “Nossas prioridades são combater a fome, gerar empregos e estar com a economia equilibrada. Eu, sinceramente, não vejo ambiente para o governo pautar algo polêmico relacionado a costumes. Não dá para termos ilusões”, disse o líder do partido na Câmara, o deputado Zeca Dirceu, filho daquele que é considerado um dos maiores ideólogos petistas (José Dirceu).
Próceres do conservadorismo podem achar que a declaração de Dirceu é um jogo de cena para que a direita abaixe a guarda, dando espaço para que a esquerda se movimente e emplaque vitórias no Congresso em temas polêmicos como aborto e drogas.
Por outro lado, o deputado petista parece ser realista e pragmático. Em entrevista ao jornal O Globo, ele calcula ter cerca de 350 a 370 votos que podem ser contabilizados em favor do governo no plenário da Câmara. Este montante se deve, evidentemente, ao apoio dado pelo PP e Republicanos ao Planalto, em troca de postos da Esplanada dos Ministérios.
Dirceu, no entanto, sabe que não possui a fidelidade destes partidos em questões que vão incomodar o eleitorado conservador. Neste contexto, não adiantaria criar desconforto dentro da base – e o melhor seria deixar de lado qualquer proposta que possa balançar o barco.
Embora Luiz Inácio Lula da Silva tenha vencido as eleições (por uma margem pequena, diga-se), o voto dado aos parlamentares se concentrou mais em representantes do centro e da direita. Portanto, Zeca Dirceu apenas manifestou o óbvio que muitos colegas não querem entender: o Brasil é um país conservador em questões relativas ao comportamento humano e deve permanecer assim por muito tempo. Dessa forma, é melhor concentrar esforços na área social e no desempenho econômico.
Esse pragmatismo é bem-vindo e poderia ser adotado também pelo presidente Lula no campo econômico. Declarações antimercado, por exemplo, deveriam ser descartadas. Isso ajudaria muito o ambiente de negócios no país. E, por fim, em nome desse pragmatismo, o governo deveria reduzir o apetite pantagruélico por impostos, saindo do cangote dos empresários. Com maior fôlego para investimentos privados, a economia iria prosperar como nunca e o país poderá desfrutar de um crescimento consistente e duradouro.