Nesta terça-feira (2), o dólar encerrou em alta, atingindo R$ 5,68 durante o dia e fechando em R$ 5,66, terceira alta seguida e maior valor desde janeiro de 2022, quando estava em R$ 5,6742. Com isso, a moeda americana acumula valorização superior a 16% no ano. Especialistas apontam que a disparada do câmbio se deve a fatores externos, mas também à desconfiança do mercado financeiro em relação à política econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lula tem intensificado suas críticas aos agentes do mercado e ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, cujo mandato termina no final do ano. Segundo Lula, o próximo presidente do BC terá uma visão mais alinhada com a realidade brasileira, em contraste com as demandas do sistema financeiro.
Apesar de expressar preocupação com a desvalorização do real nesta terça-feira (2), Lula atribuiu o movimento a "interesses especulativos" . Ele também anunciou planos de se reunir com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir medidas que possam conter a valorização do dólar, que impacta diretamente na inflação e, consequentemente, na popularidade do presidente.
Nos últimos dias, o dólar tem registrado sucessivas altas frente ao real, refletindo a preocupação dos investidores com a situação fiscal do Brasil e as críticas de Lula à condução da política monetária pelo Banco Central.
O que explica a alta do dólar?
Segundo a professora de Economia da PUC-SP, Cristina Helena de Mello, dois cenários influenciam na valorização da moeda americana, um externo e outro interno, sendo eles a mudança na política de juros do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) e a rusga entre Lula e Campos Neto.
O Fed decidiu manter as suas taxas de juro inalteradas entre 5,25% e 5,50% na última reunião, em 12 de junho. A justificativa é a lenta descida da inflação nos EUA.
"O dólar vem se valorizando no mundo inteiro, já que o Fed decidiu manter os juros altos para controle de inflação. Por outro lado, o real foi a moeda que mais se desvalorizou, isso porque há um quadro de embate entre Lula e Campos Neto, que cria uma instabilidade desnecessária e um cenário de insegurança. Os investidores buscam segurança comprando moeda externa, portanto tendem a evitar o Brasil", explica.
Além disso, a economista cita que o projeto de taxação de grandes fortunas, em debate no Ministério da Fazenda, fez com que muitas assessoras de investimentos recomendassem a compra de ativos no exterior, fazendo com que a busca por dólar crescesse.
O professor de Economia e Relações Internacionais do Ibmec SP, Alexandre Pires, afirma que a "guerra verbal" ente Lula e Campos Neto intensifica a percepção de risco para o investidor, o que eleva automaticamente o câmbio.
"Esse tratamento dado do Banco Central tem provocado evasão de divisas e prejudicado o Brasil. A indicação de um presidente alinhado com o governo também não ajudaria, já que o mercado veria com desconfiança", diz.
Qual a perspectiva?
A economista Cristina Helena de Mello comenta que a simples substituição de Roberto Campos Neto não será suficiente para acalmar as tensões entre Lula e o Banco Central. Segundo ela, é crucial saber quem será o sucessor de Campos Neto para avaliar o impacto dessa mudança.
Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e atual diretor de Política Monetária no Banco Central, é visto como o favorito para assumir o cargo. Ele tem uma forte ligação com Lula, sendo um dos principais conselheiros da campanha presidencial de 2022. Galípolo continua tendo um canal direto de interlocução com o ex-presidente.
Apesar do favoritismo de Galípolo, há considerações sobre outros nomes que estão sendo cogitados. As especulações aumentaram depois que Lula expressou seu desejo por alguém "maduro" e "calejado" para liderar o Banco Central, um dia antes da decisão do Copom.
Nomes como Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda conhecido por suas políticas heterodoxas durante os governos do PT, e Aloizio Mercadante, atual presidente do BNDES e também com histórico de alinhamento com o partido, continuam sendo mencionados e são vistos com cautela pelo mercado financeiro devido às suas abordagens econômicas menos ortodoxas.
É possível que a moeda estabilize nesse patamar?
A professora do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Anhanguera Valéria Vanessa Eduardo aponta que, devido ao aquecimento do mercado pós-pandemia e à nova política do Federal Reserve, com juros mais altos, é possível que a moeda americana permaneça em patamares mais elevados.
"Se o dólar está alto, é bom para um brasileiro que quer vender algum
produto para fora, mas é ruim para o brasileiro que precisa
comprar algum produto lá de fora", afirma.
"O Brasil exporta commodities agrícolas, mineração, proteína, papel e celulose. Pelos produtos já negociados, os exportadores continuam recebendo a mesma quantidade de dólares, quando convertidos em reais, faz com que seus ganhos diminuam. Por outro lado, com o Real depreciado, os Estados Unidos precisam de menos dólares para comprar a mesma quantidade que compravam antes. Se fica mais barato para eles, irão comprar mais, e então, o Brasil exporta mais a um dólar mais forte", pontua.
"O mesmo raciocínio se aplica ao turismo. Como os estrangeiros encontram preços mais baixos em reais em relação aos dólares, a tendência é aumento do turismo receptivo (mais visitantes). Já para quem deseja viajar para o exterior, as despesas ficarão mais caras com o aumento da moeda estrangeira", complementa.
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