STJ decidiu que CDI não pode ser usado como índice de correção monetária
Luciano Rocha
STJ decidiu que CDI não pode ser usado como índice de correção monetária

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em outubro do ano passado, por unanimidade, que a taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) não pode ser utilizada como índice de correção monetária. Mesmo que não tenha foco nas empresas em recuperação judicial (RJ), a decisão pode acabar as beneficiando. 

O colegiado entendeu que, dado o propósito da correção monetária em recompensar a desvalorização da moeda, a aplicação do CDI para esse fim é inadequada devido à sua própria natureza. No caso em questão, uma mulher moveu uma ação revisional contra uma cooperativa, alegando abuso na cédula de crédito bancário, uma vez que a taxa do CDI estava sendo empregada para a correção monetária, quando deveria ser adotado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Segundo Tábata Fagundes, do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados, a decisão se mostrou essencial para dar às empresas em RJ condições de honrar seus compromissos e voltar à normalidade de suas operações.

"O Poder Judiciário vai analisar se sua aplicação é legítima, ou se essa pré-determinação foi feita de forma abusiva pela parte que os estipulou. No caso de uma recuperação judicial, é preciso compreender que o objetivo principal da demanda é a preservação da empresa, da função social e do estímulo à atividade econômica", diz.

"Com isso, e tendo em vista esse objetivo, é muito comum que, ao renegociar as dívidas que a empresa em Recuperação Judicial tem a pagar, o Poder Judiciário permita que seja aplicado um índice mais favorável à empresa em Recuperação, a exemplo da TR, acrescida de juros de mora inferiores aos legais, que são de 1% ao mês. Isso, desde que os credores reunidos em assembleia igualmente aceitem tal negociação", completa.

A especialista acrescenta que, para a busca do pagamento dos créditos da empresa em recuperação judicial, é mais favorável que sejam utilizados índices de correção que melhor reflitam a preservação do poder aquisitivo da moeda, como o INPC, por exemplo.

"O INPC é mais favorável do que a TR, o CDI e demais índices, pois o INPC engloba uma maior base de variáveis e, na prática, reflete com mais exatidão a variação do valor da moeda ao longo do tempo. Por isso, é a taxa mais adequada quando o objetivo da ação é garantir a composição exata da preservação do valor envolvido ao longo do tempo."

A advogada Marcela Ruiz Cavallo, especialista em Recuperação Judicial, comenta que a questão das correções monetárias já foi muito mais polêmica, mas hoje boa parte dos tribunais já tem uma tabela pré-definida para correção monetária, principalmente em ações indenizatórias.

Ela classifica o INPC como índice "coringa", pois tende a ser um índice que não onera nenhuma das partes de forma excessiva. 

Abuso

O juízo de primeira instância reconheceu o caráter abusivo dos encargos, determinando sua redução, proibindo a cobrança da comissão de permanência e considerando o INPC como o fator de correção monetária a ser aplicado. A cooperativa apelou, argumentando que a adoção do CDI como índice de correção não configura ilegalidade na relação contratual estabelecida entre as partes.

A advogada Tábata Fagundes explica quando uma correção pode ser considerada abusiva:

"Uma taxa maior pode ser considerada abusiva se impuser obrigações desproporcionais e aproveitar-se da vulnerabilidade da outra parte. A utilização de índices como o CDI, por exemplo, vai contra a jurisprudência do STJ, que recomenda o INPC para preservar o valor real dos contratos".

Marcella Cavallo pontua, no entanto, que se a correção for maior que o INPC, não necessariamente configuraria prática abusiva. Se outra taxa foi firmada em contrato, observando critérios razoáveis, ela pode ser utilizada. "Isso precisa ser verificado caso a caso", explica.

Para as empresas em recuperação judicial, ela afirma que é natural que as taxas sejam mais brandas, já que o objetivo da negociação é a manutenção da empresa e o pagamento das dívidas.

A decisão

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a utilização do INPC como fator de atualização, entendendo que a incidência do CDI na composição dos encargos moratórios, juntamente com os juros, seria abusiva.

O ministro Moura Ribeiro, relator no STJ, ressaltou que a correção monetária visa preservar o poder aquisitivo da moeda, que se deteriora ao longo do tempo. Assim, para a correção do capital, tornou-se essencial a estipulação de um índice com o objetivo de aumentar o valor nominal da moeda e, consequentemente, preservar seu valor real, garantindo o mesmo poder de compra no passado.

O relator enfatizou que a correção monetária não implica ganho de capital, mas apenas mantém o patrimônio inalterado, evitando o enriquecimento do devedor, que deve devolver a quantia emprestada preservando seu valor real.

"Considerando que a correção monetária engloba um índice que recompõe a desvalorização da moeda, a aplicação da taxa do CDI para esse fim se mostra inadequada, em função de sua própria natureza. Assim como ocorre com a taxa Selic, esse índice não constitui propriamente um fator de correção monetária, representando, antes, a rentabilidade de empréstimos de curto prazo realizados entre instituições financeiras", concluiu o ministro, ao negar provimento ao recurso especial da cooperativa.

A decisão não necessariamente foi dada pensando nas empresas em regime de RJ, no entanto, cria uma jurisprudência favorável a elas, como explica a advogada Tábata Fagundes:

"Empresas em recuperação judicial podem se beneficiar da jurisprudência do STJ para revisar contratos e dívidas ativas. Considerando que as empresas entram em recuperação judicial por estarem em situação administrativa e financeira complicada, e que ainda assim, entendem que é possível sua continuidade, a Recuperação Judicial é o momento crucial para a revisão e contratos, e um pente fino em todas as obrigações ativas e passivas da empresa, para garantir o melhor equilíbrio e o máximo aproveitamento de suas relações comerciais".

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