O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela constitucionalidade da contribuição sindical para todos os empregados de uma categoria, ainda que não sejam sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição. Na visão do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, a decisão ajuda no debate sobre a contribuição sindical, mas não resolve completamente o problema posto no Brasil.
Atualmente, o governo, por meio da pasta liderada por Marinho, tem avançado em discussões sobre o tema junto a representantes de empregados e empregadores. A ideia é que o grupo tripartite chegue a um entendimento sobre um novo modelo de financiamento dos sindicatos que possa ser apresentado ao Congresso Nacional.
"Esse é um tema legislativo. É fundamental que as partes construam entendimento e, nesse aspecto, eu tenho certeza que as lideranças das confederações empresariais e das centrais sindicais vão chegar em uma modulação que ficará bem interessante, em sintonia com a decisão do Supremo", disse Marinho em entrevista ao programa "Bom dia, ministro", do governo federal.
Desde 2017, quando a reforma trabalhista acabou com a contribuição sindical obrigatória, também conhecida como imposto sindical, a arrecadação das entidades caiu expressivamente. No primeiro semestre do ano passado, sindicatos arrecadaram R$ 53,6 milhões em contribuições, segundo dados do Ministério do Trabalho, número que representa menos de 2% do que foi arrecadado em 2017 (R$ 3,04 bilhões), antes da reforma trabalhista.
O que vem sendo discutido pelo grupo tripartite é uma contribuição negocial, que seria paga por todos os trabalhadores (mesmo os não sindicalizados) que forem beneficiados por uma convenção coletiva. A taxa a ser paga, que teria um teto estipulado por lei, seria discutida em assembleia, contando inclusive com a possibilidade de ser de 0%. Atualmente, o teto discutido pelo ministério é de 1% da renda anual de cada trabalhador - o imposto sindical anterior à reforma trabalhista era equivalente a um dia de trabalho no ano.
Novo imposto sindical
Na prática, a nova contribuição proposta pelo grupo acabaria sendo similar ao antigo imposto sindical, explica Júlia Lenzi Silva, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
"Basicamente, não há tanta diferença assim em relação ao imposto sindical. Antes, você tinha uma data-base para cobrança de um dia de trabalho de cada trabalhador da categoria e o direcionamento disso para o sindicato. Com a proposta de agora, em vez de fixar isso num mês do ano, você vai atrelar a data-base à data de negociação da categoria. Muito tentando justificar que a contribuição é uma contrapartida à negociação. Então, na verdade, tem um efeito mais de convencimento, de justificação. Mas, em termos estruturais, não há nenhuma alteração substancial", analisa a professora.
Júlia argumenta, ainda, que dificilmente as contribuições não seriam aceitas pelas assembleias, sobretudo porque elas são compostas, em sua maioria, por trabalhadores mais engajados nos sindicatos. "Os sindicatos, guardadas honrosas exceções, estão muito distantes da sua base", afirma.
Discussão pautada em 'erro histórico'
Para a professora, o novo modelo é muito similar ao antigo porque é impossível avançar em uma discussão sobre contribuição sindical mais justa para os trabalhadores e para as organizações sem esbarrar no fato de que o Brasil não ratificou a convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Criada em 1948 e ratificada por 158 países, a convenção prevê, de modo geral, que os trabalhadores podem se filiar a qualquer sindicato, e que as autoridades públicas não podem intervir de qualquer forma sobre as organizações. Na prática, a convenção, considerada pela OIT como fundamental, dá mais liberdade aos trabalhadores, abrindo espaço para modelos de contribuição voluntária que funcionam.
Quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada, em 1943, ela adotou o modelo sindical de unicidade, vigente no Brasil até hoje. Esse modelo prevê que não pode existir mais de um sindicato de uma mesma categoria econômica ou profissional em uma mesma unidade territorial (geralmente, municípios). Isso impede a livre associação dos trabalhadores, já que a unicidade sindical é feita por determinação legal, e não por opção deles.
"Não dá para a gente debater financiamento de entidades sindicais, representação, legitimidade, ou não, do retorno do imposto ou da contribuição sindical, sem debater liberdade sindical", opina Júlia. "Esse debate está enviesado a partir do momento em que a gente não está debatendo a ratificação da convenção 87 da OIT", completa.
A reportagem entrou em contato com o Ministério do Trabalho e Emprego, questionando se a pasta vem estudando a possibilidade de ratificar a convenção. O ministério não respondeu à pergunta.
Ricardo Antunes, pesquisador da Sociologia do Trabalho e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, afirma que não ratificar a convenção 87 da OIT foi um "erro histórico" que o Brasil cometeu.
"Foi um erro histórico do sindicalismo brasileiro ter mantido a estrutura sindical atrelada financeiramente ao estado a partir do imposto sindical. Consequentemente, foi um erro histórico não ter ratificado a convenção 87 da OIT, porque ela permite a liberdade de organização sindical e também a liberdade de que os próprios trabalhadores e trabalhadoras contribuam para os seus sindicatos", analisa o professor.
Modelo de transição
Se o novo modelo de contribuição não é o ideal, os pesquisadores também apontam que o simples fim do imposto sindical, como ocorreu em 2017, não é a solução.
"A partir do momento em que a reforma trabalhista extingue a contribuição social, ela tira o principal mecanismo de financiamento do modelo sindical, sem permitir a liberdade. Na verdade, isso não é um debate sobre liberdade de associação, sobre representatividade sindical. Isso é um ataque frontal ao movimento sindical, isso estava muito claro", afirma Júlia.
"Eliminar o imposto sindical e qualquer forma alternativa e transitória de permitir a sustentação dos sindicatos foi quase um golpe de morte no sindicalismo", concorda Ricardo.
Para o professor, o modelo sindical brasileiro não deve ser resolvido dentro dos próximos anos, mas sim no longo prazo. Na visão dele, a proposta de uma contribuição negocial pode ser interessante para se pensar em uma transição.
"A contribuição voluntária é um desafio do sindicalismo. Não é fácil porque são muitas décadas de contribuição sindical obrigatória. É preciso rever a cultura de tal modo que, num período intermediário, você possa ter uma contribuição negocial, definida por assembleia, pela base dos trabalhadores e das trabalhadoras, para impedir que os sindicatos sejam extintos por falta de apoio financeiro por imposição neoliberal", afirma Ricardo.