Lula cumpre promessas no 1º mês, mas ainda tem trabalho a fazer

Presidente avança em medidas que não dependem do Congresso, mas ainda deixa a desejar ao não apresentar propostas concretas

Foto: Ricardo Stuckert
Em meio à aperto no Orçamento, Lula e Haddad buscam meios de viabilizar as promessas de campanha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa nesta terça-feira (31) seu primeiro mês de volta ao Planalto. Nesse período, o petista cumpriu promessas na área social e dos combustíveis, mas segue sem avanços significativos nas questões tributária e fiscal. 

De costume, os presidentes têm o que se chama de "folga" dos 100 dias na economia, mas, dessa vez, as urgências de recomposição do Orçamento de 2023, de redução da inflação e de melhorar as contas públicas não deram trégua ao governo petista. 

Para a professora de Economia da ESPM Cristina Helena de Mello, apesar de ainda cedo, nesse primeiro mês o governo mostra caminhar na direção correta.

Como pontos positivos, ela cita a expansão do gasto social para mitigar desigualdades, o investimento no setor industrial, que visa criação de empregos formais e melhoria do sistema financeiro, e a retomada do investimento externo, a fim de fortalecer o Real. 

A professora, no entanto, diz que o novo governo ainda deixa a desejar ao não apresentar um plano de longo prazo com metas específicas de onde se quer chegar. 

"Durante a campanha esse governo não divulgou projeto econômico nenhum, a gente não tinha nem nomes da equipe econômica. Mas agora já há alinhamento entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Simone Tebet [Planejamento] e Geraldo Alckmin [Indústria], principalmente na questão da reindustrialização do país".

"Você ainda não enxerga um projeto, você encontra ações e evidências, mas falta anunciar metas numéricas. Por exemplo, na questão da reindustrialização, qual o objetivo? É chegar ao patamar da década de 80? É crescer a participação do setor do PIB? Enfim, que meta é essa?", questiona.

Helena de Mello avalia ainda que, apesar de as medidas realizadas ainda serem "tímidas", as sinalizações sobre o que o governo pretende focar já são "muito significativas e importantes", como o anúncio de priorizar a reforma tributária.

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Início acelerado

Logo no primeiro dia de mandato, ou melhor, ainda na cerimônia de posse, Lula assinou uma medida provisória com a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. O aumento relativo ao proposto pelo antigo governo foi proporcionado pela PEC de Transição, aprovada antes mesmo do presidente subir a rampa. 

A proposta permite ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos para bancar despesas como Bolsa Família, Auxílio Gás e a Farmácia Popular, entre outras medidas que perderam espaço no Orçamento proposto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Outra promessa cumprida na posse foi a prorrogação da isenção dos impostos federais sobre os combustíveis. Para o óleo diesel, biodiesel e gás de cozinha (GLP) a desoneração vale por um ano, já para álcool e gasolina vale até 28 de fevereiro de 2023.

A intenção do governo é que a posse do novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, viabilize a mudança na política de preços da estatal, fazendo com que a isenção dos impostos não seja mais necessária para a redução no preço final dos combustíveis. 

"Quando o governo brecou o aumento do imposto, isso já mostrou preocupação com a inflação, o que é positivo. Você vê aí que tem um monitoramento do poder de compra da população", diz Helena de Mello.

Outras medidas ainda em compasso de espera

O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda procuram meios para viabilizar outras promessas, como o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, o pagamento adicional do Bolsa Família de R$ 150 por filho, a eliminação do teto de gastos como âncora fiscal do país e a ampliação da isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil.

As medidas, no entanto, dependem umas das outras. Para aumentar o investimento social, assim como abrir mão de parte da arrecadação isentando a faixa mais pobre do Imposto de Renda, será necessário encontrar outras fontes de arrecadação e cortar gastos irregulares.

"O governo mostra que está caminhando para ter despesas mais eficientes do que de aumento de receita. Isso a gente já viu acontecer, quando você pega a sonegação, executa dívidas não pagas à União, você aumenta a receita sem aumentar impostos. A gente não tem espaço para aumentar a carga tributária mais", comenta a professora de Economia da ESPM. 

Salário mínimo

Após as eleições, o senador Wellington Dias, hoje no Ministério do Desenvolvimento Social, prometeu aumento no salário mínimo de R$ 1.302 para R$ 1.320. A falta de espaço fiscal, no entanto, impossibilitou o cumprimento da promessa.

O governo alega que o governo Bolsonaro afrouxou as regras para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que provocou uma alta no número de aposentadorias e benefícios ligados à Previdência Social, como auxílio-doença, o que teria tirado dinheiro reservado para o aumento. 

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, criou três grupos de estudos para consultar propostas que viabilizem o novo salário mínimo de R$ 1.320 . O prazo para apresentação das medidas é até o fim de abril, com isso, o reajuste, se ocorrer, deve ficar apenas para maio.

Entre as propostas apresentadas, algumas centrais sindicais reivindicam o aumento do mínimo para R$ 1.342.

Marinho também garante que a partir de 2024 a política de reajustes deve ser indexada à média do PIB nos últimos 5 anos , ou seja, o aumento estará diretamente ligado ao crescimento da economia.

Adicional do Bolsa Família

Assim como no salário mínimo, o PT pretende enxugar para depois aumentar o gasto. Em campanha, Lula prometeu R$ 150 a mais para cada filho menor de seis anos dos beneficiários do Bolsa Família. O adicional, no entanto, ficou para março. 

Isso porque o ministro Wellington Dias promete realizar um pente-fino em beneficiários do programa. O TCU (Tribunal de Contas da União) realizou auditoria nos dados do Cadastro Único e encontrou 163.173 famílias com indícios de erro ou fraude, cuja renda familiar é superior a quatro vezes o limite do programa. Dias fala em irregularidades em até 10 milhões de cadastros.

"Em fevereiro, inicia a atualização cadastral e uma busca ativa para trazer para dentro do programa quem tem o direito de receber o benefício. O ministério vai ainda retirar os cadastros irregulares. O cartão que a gente libera em fevereiro para pagamento em março já vem atualizado com 150 reais para aqueles e aquelas que a gente tem segurança na atualização do cadastro", explicou.

"De um lado temos a entrada de quem está fora e tem o direito, do outro lado a saída de quem estiver irregular. Sempre com o foco, repito, em garantir de forma muito cuidadosa, para que a gente tenha todo o cuidado com os que mais precisam. São 10 milhões que a gente acredita que tem indícios de irregularidades. Destes, cerca dos 6 milhões são famílias unipessoais", explicou.

Regras fiscais

Em paralelo, Haddad busca meios de viabilizar o crescimento das despesas enquanto tenta aumentar as receitas. Na primeira quinzena do mês, enviou o primeiro pacote de medidas que vão na direção de equilibrar as contas públicas. 

Entre as medidas estão mudanças nas regras no Conselho de Administração dos Recursos Federais (Carf) e a criação do programa Litígio Zero, para aumentar a arrecadação e reduzir os processos tributários.

O ministro, no entanto, ficou de apresentar em abril um novo arcabouço fiscal, mas disse que as novas medidas dependem da aprovação de uma reforma tributária. 

"No mês de fevereiro vamos abrir o debate sobre as regras fiscais, com todos os organismos", disse o ministro a jornalistas brasileiros durante sua participação no Fórum Econômico Mundial, na Suíça.

"O BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] se colocou à disposição, e muitos economistas brasileiros, universidades e especialistas serão chamados a opinar. Eu gostaria que, até final de abril, estivéssemos com essas duas questões [arcabouço fiscal e reforma tributária] resolvidas."

Isenção do IR

Neste ano, quem recebeu rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2022 terá que fazer a declaração de Imposto de Renda. Uma das promessas de Lula é isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês. 

Por conta da ausência de reajuste na tabela do IRPF nos últimos dois mandatos presidenciais, de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, neste ano quem recebe acima de R$ 1.903,98 já vai precisar aprender a fazer a declaração.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou que o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil deve acontecer de forma gradual, e que  alguma correção pode ser feita ainda neste ano.

Nas redes sociais, o partido alega que o "princípio da anterioridade" impede a redução do imposto. O termo, disposto no art. 150 da Constituição Federal, é um meio de garantir previsibilidade ao contribuinte, evitando cobrança ou majoração de tributos repentinos.

Na verdade, o princípio não se aplica à redução de impostos, e sim ao aumento. No inciso I do artigo, está vedado "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Ou seja, se o governo planeja aumentar o imposto em algumas faixa, aí, sim, seria impossibilitado.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, no entanto, não se pode diminuir uma fonte de arrecadação sem descrever qual seria sua compensação. De acordo com a medida, cada aumento de gasto precisa estar previsto em fonte de financiamento correlata, e os gestores precisam respeitar questões relativas ao fim de cada mandato, não excedendo o limite permitido e entregando contas saudáveis para seus sucessores.

Para equilibrar as contas, o cálculo da equipe do ministro da Fazenda é compensar cobrando mais imposto sobre a renda dos mais ricos, algo também prometido por Lula em seu mantra de campanha: "Colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda". 

Segundo Haddad, depois da aprovação da reforma tributária sobre consumo, que ele estima que seja concretizada no primeiro semestre, o governo avançará com a reforma tributária sobre a renda para desonerar as camadas mais pobres do imposto e onerar quem não paga.