Juros altos, crescimento pífio e inflação elevada. Esse é o cenário que o próximo ministro da Fazenda, Fernando Haddad , encontrará quando assumir a pasta. Sem ares de "superministro", ou de "posto Ipiranga", o ex-prefeito de São Paulo terá duras tarefas para retomar o bom desempenho da economia nacional.
Na proposta de governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminhada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de 2018, constava a criação de um "superministério" para comandar a Economia. O herói escolhido para a pasta foi Paulo Guedes, que deixa a cadeira com crescimento médio do PIB do Brasil de 1,14%, segundo estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional), enquanto a inflação no período foi de 26,15% e a taxa Selic saiu de 6% para 13,75%.
Haddad tem mestrado em Economia, mas só o diploma não deve bastar para contornar a onda recessiva que aparenta vir em 2023.
Segundo o Boletim Focus, no ano que vem, o país terá crescimento de 0,75%, aliado a inflação de 5,08% e juros de 11,25%. Para reverter o cenário, Haddad tenta recompor o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro, formular uma proposta de reforma tributária e um novo arcabouço fiscal, tudo simultaneamente.
PEC de Transição
O ex-ministro da Educação de cara já terá que lidar com a promessa de manter o Bolsa Família em R$ 600 e retomar o investimento público. Para isso, conta com R$ 168 bilhões liberados pela PEC de Transição, dos quais R$ 70 bilhões vão para o programa social.
Nessa tarefa, na visão da professora de Economia da UFF, Julia Braga, Haddad já começou com o "pé direito" emplacando a PEC antes de assumir.
"A PEC de Transição é necessária porque o teto impunha um orçamento insuficiente para atender as demandas sociais, o que é importante porque houve um aumento da inflação de alimentos maior que a inflação que reajusta o teto de gastos. Ela também permite atender a gastos nas áreas da saúde, educação e infraestrutura que foram restritos nesses anos de vigência do teto", comenta.
A medida também libera R$ 6,8 bilhões para aumento real do salário mínimo, que, segundo Braga, está em patamar baixo na comparação internacional.
Ela ressalta ainda que o momento para expansão do teto é oportuno, pois é anti-cíclica, ou seja, tende a contra-arrestar as pressões recessivas da economia mundial e da Selic alta.
Arcabouço fiscal
Aliado à expansão do teto de gastos nos próximos dois anos, o ministro da Fazenda terá de cumprir a promessa de substituir o teto de gastos, que limita o aumento das despesas à inflação dos 12 meses anteriores. Medida vigente desde 2016, implementada com pouco mais de 30 dias de discussão.
O desafio é conciliar a falta de tempo para discutir novas regras fiscais, com a urgência em aprová-las, já que o mercado financeiro teme descontrole fiscal por parte da nova equipe econômica. Para Julia Braga, a chave é desenhar novos limites que deem previsibilidade aos agentes econômicos.
"Aliado à previsibilidade, o novo arcabouço deve permitir um aumento dos gastos públicos positivos em termos reais, que deve ser norteado por planejamento econômico para não gerar pressões inflacionárias. Na minha opinião, esse novo arcabouço deve contar com meta de resultado primário com banda de variação, tal qual no regime de metas de inflação, para permitir uma política fiscal anti-cíclica, e um indicador de médio prazo para que o pagamento dos juros da dívida não fique muito alto."
Para a economista, a retomada do investimento público, que está na mínima histórica, segundo o observatório de política fiscal da FGV, permitiria reconstruir a infraestrutura do país que está em processo de depreciação, além de atrair capital privado.
"No longo prazo, há também ganhos de produtividade para o setor privado, como no caso da logística de transporte e em pesquisa e desenvolvimento. Esses investimentos precisam também de planejamento e de projetos bem desenhados. Demandam capacidade de gerenciamento, mão de obra qualificada e vontade política. Essa é a questão de políticas públicas, é muito simples destruir, mas dá muito trabalho reconstruir".
Reforma tributária
Em dezembro, o futuro ministro disse que Lula deu a ele a missão de "colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda". Para isso, será necessário não só ampliar os gastos, mas aprovar uma reforma tributária que reformule a cobrança de impostos no país.
Segundo dados levantados pela Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), 49,7% dos impostos do país são recolhidos sobre bens e serviços. Haddad teria a tarefa de remanejar essa arrecadação para renda e patrimônio.
Uma das hipóteses ventiladas durante a campanha seria a implementação de um imposto sobre grandes fortunas, o que é criticado por boa parte do mercado financeiro por fazer com que muitas famílias transfiram a residência fiscal delas para outros países.
Outros especialistas defendem, no entanto, que o impacto é justamente o oposto, fazendo com que, ao invés de acumular riqueza, os bilionários invistam na economia, evitando, portanto, pagar o imposto maior.
Além desses possíveis impactos, outro grande entrave em torno da proposta deve-se à definição do conceito de grande fortuna, aponta o advogado especialista em Direito Empresarial, Fernando Brandariz.
Ele explica que há dois projetos nesse sentido em tramitação. Porém, a diferença de valores entre eles é muito grande. "Um desses projetos compreende que grande fortuna equivale a um patrimônio superior a R$ 2 milhões e o outro entende que deve ser acima de R$ 10 milhões para ser sujeito à tributação. Por isso, a discussão sobre esse valor será intensa", destaca Brandariz.
Lula, quando escalou Haddad para a Fazenda, se escorou justamente na habilidade política do ex-ministro. Essa característica será certamente posta à prova para convencer o Congresso Nacional a avançar com o novo imposto.
"Haddad entra mais como articulador político do que como técnico formulador no campo econômico. Não por falta de capacidade intelectual. Com um vasto currículo acadêmico, Haddad é mestre em economia pela USP. Ele vai agir como um facilitador para implementação de uma pauta macro já desenhada", comenta Bruno Monsanto, sócio e assessor de investimentos na RJ Investimentos.
Apesar disso, Monsanto espera que Lula e Haddad não negligenciem as sinalizações do mercado financeiro, a começar pelo crescente risco de um rebaixamento por agências de rating. Caso contrário, a economia real pode começar a sentir os efeitos negativos dessa irresponsabilidade na forma de desemprego, investimentos e inflação.
Commodities em baixa
Diferentemente do último governo Lula, o cenário externo não deve ser favorável dessa vez. Guerra da Ucrânia, crescimento chinês e inflação global são alguns fatores que vão frear os preços das commodities no próximo ano e, por consequência, parte da receita do PIB proveniente de exportações.
"Se tratando da China, a Covid-19 ainda tem causado lockdown por lá, o que prejudica a produção do país. No caso dos EUA, a expectativa mundial diz respeito a qual será a movimentação da taxa de juros nos próximos meses. O que se espera por enquanto é um movimento de alta, que pode reverberar para outros países", esclarece o coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Cruzeiro do Sul, Prof. Dr. Nelson Calsavara Garcia Junior.