Vaquinha on-line para cirurgia, pacote de consultas médicas virtuais, conta digital para gastos com saúde e seguro para doenças graves a partir de R$ 5. De olho nos 74% dos brasileiros que estão fora da saúde suplementar , novos negócios surgem para oferecer alternativas com a ajuda da tecnologia. Segundo pesquisa da Associação Nacional de Administradoras de Benefícios (Anab), 76% dos quem não têm plano gostariam de ter, mas não podem pagar.
Depois de mais de um ano sofrendo com uma hérnia inguinal, sem nenhuma perspectiva de cirurgia no SUS, o cabeleireiro Thiago Carrasco, de 31 anos, morador de São Bernardo do Campo (SP), viabilizou a operação com uma “vaquinha” virtual, um financiamento coletivo do qual participaram mais de 30 amigos dele. A ferramenta que ele usou foi criada pela healthtech (como são chamadas as startups da área de saúde) Vidia.
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"Estava no meio da pandemia, sem renda, já tinha buscado até o hospital público de outra cidade, mas diziam que só operariam se a hérnia estrangulasse. Não aguentava mais sentir dor. Meu marido viu o anúncio de financiamento para cirurgia, mas só mesmo com a opção da “vaquinha” on-line foi viável fazer a operação."
A Vidia aproveita a ociosidade dos centros cirúrgicos, que chega a 60% em alguns hospitais, para viabilizar procedimentos mais baratos nos horários em que as instalações estão desocupadas. A empresa fecha com hospitais parceiros pacotes com preços fixos para cirurgias de baixa complexidade, como a de Carrasco.
O valor médio — do pré ao pós-operatório — é de R$ 8 mil, que pode ser parcelado em até 24 vezes com cartão de crédito, boletos ou por meio de um financiamento coletivo.
Desde a fundação, em janeiro de 2021, em São Paulo, a startup já realizou 300 cirurgias com parceiros como o Hospital Oswaldo Cruz e o infantil Sabará. Recentemente, a Vidia chegou ao Rio por meio de uma parceria com a Casa de Saúde São João de Deus, hospital da operadora Samoc.
"Para quem não tem plano havia opção para consultas e exames, mas não para cirurgias. Nosso público é a classe C, mas tem pessoas das classes D e E usando a facilidade de pagamento, contando com a ajuda de amigos para poder sair da fila do SUS. A maioria dos clientes não tem plano de saúde, mas há casos de quem está em período de carência ou quer fazer o procedimento em um hospital com mais estrutura que o oferecido pelo plano", diz Thiago Bonini, CEO e cofundador da Vidia.
Reserva para saúde
Para Bruno Scaf, diretor Administrativo do grupo Samoc, o modelo abre uma nova fonte de recursos e aumenta o uso das instalações médicas:
"A Samoc tem uma rede verticalizada, que atende exclusivamente clientes da operadora. Com a parceria, abrimos uma nova fonte de receita, o que é sempre importante, prestando serviços para os quais já estamos preparados."
A healthtech pernambucana Exmed tem outra proposta. O cliente faz aportes em uma conta digital, remunerada com 100% do CDI, para pagamento de consultas médicas, serviços de diagnóstico e procedimentos. Na rede credenciada, chega a pagar um terço do valor da tabela para atendimento particular.
O dinheiro depositado não é carimbado, o consumidor pode sacar e usar para outro fim, mas estimula a formação de uma reserva de emergência. O recomendado pela plataforma é fazer aportes mensais na faixa de R$ 200.
"Já começamos a credenciar rede em São Paulo, na Bahia e no Rio, onde pretendemos chegar até setembro. Em Recife, há mais de mil médicos, três hospitais de referência e grandes redes de diagnóstico credenciadas. Já temos três mil pessoas usando o aplicativo", diz Sérgio Bivar, CEO da Exmed, que atuou na Saúde Excelsior, operadora regional de saúde vendida para a Amil.
No aplicativo da Exmed, é possível contratar um seguro para cobertura de despesas hospitalares de até R$ 200 mil. A assinatura do app dá direito ainda a consultas virtuais ilimitadas com clínico geral ou pediatra, aproveitando o baixo custo da telemedicina, cujo desenvolvimento foi acelerado pela pandemia. O pacote mensal para uma pessoa de 30 anos começa em R$ 84,96.
À margem da regulação
A seguradora Azos foca no público entre 30 e 45 anos que não tem plano, ainda está na fase de constituir patrimônio, mas já tem responsabilidades familiares. Para esse perfil, a seguradora lançou apólices para doenças graves, que podem ser contratadas separadamente a partir de R$ 5, para cobertura de até R$ 10 mil.
"Na maioria das apólices, você só pode sacar a indenização, por exemplo, se tiver um câncer agressivo. No nosso caso, há um escalonamento de 30%, 50% e 100%, de acordo com a gravidade. Nosso tíquete médio é de R$ 100, o que corresponde a um capital segurado de cerca de R$ 300 mil. É um dinheiro que pode auxiliar no tratamento ou complementar a renda (em caso de doença grave)", explica Mateus Nicolau, diretor comercial da Azos.
Na avaliação Adriano Londres, da consultoria Arquitetos da Saúde, o sucesso das iniciativas alternativas aos planos de saúde deixa claro que o consumidor está em busca de produtos mais acessíveis, mas grandes operadoras não têm.
"O consumidor não consegue pagar um plano da maneira que está segmentado. Precisamos refletir sobre isso e discutir uma revisão da segmentação de planos de saúde que caibam no bolso, dar escolhas, ou continuaremos expulsando beneficiários do setor."
Londres alerta que os novos produtos estão à margem da regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não devem ser confundidos com planos de saúde:
"É fundamental o consumidor ter clareza do serviço que está contratando."
A pandemia estimulou o crescimento do hub de saúde das farmácias Pague Menos. Há menos de dois meses a rede relançou um programa que oferece telemedicina com médicos credenciados, apoio nas pequenas clínicas criadas em 906 lojas e cashback para a compra de medicamentos.
A rede percebeu uma oportunidade de negócios na lacuna de serviços médicos para as classes C e D, autônomos e moradores das regiões Norte e Nordeste, que têm menos opções no setor privado. O programa Sempre Bem Saúde tem três planos mensais, de R$ 9,90 a R$ 34,90.
O mais básico dá acesso a telemedicina ilimitada, que pode ser feita em casa ou na drogaria, com a ajuda do farmacêutico e a infraestrutura da loja. Os outros dois incluem acesso com desconto a 4 mil médicos em clínicas credenciadas e R$ 300 que podem ser gastos em remédios por ano. O mais caro cobre até quatro pessoas.
"Na pandemia, percebemos que a farmácia era o ponto de entrada na saúde para muitas pessoas que não sabiam para onde ir ou tinham medo de ir ao hospital. A partir dessa jornada fizemos um mapeamento para dar mais acesso à saúde", diz o diretor de Serviços Farmacêuticos da Pague Menos, Albery Dias.
Atrativo para lojas
O plano da rede agora é ampliar o número de especialidades e serviços em conexão com outro projeto da empresa, chamado Clinic Farma. É voltado para testes como os de detecção de Covid-19, dengue, malária, entre outros. Existe desde 2015, mas naturalmente cresceu na pandemia.
Apesar do custo baixo, o vice-presidente de Experiência do Consumidor da rede, Renato Camargo, diz que o programa é lucrativo ao cumprir o principal objetivo: aumentar o movimento nas lojas. Segundo ele, o cliente do Clinic Farma compra 3,6 mais na rede que os demais consumidores:
"Nosso ganho é no tráfego gerado nas lojas, pois o cliente vai circular mais. A gente quer ser um ecossistema de saúde, então temos que ajustar ganhos e equilibrá-los para que o cliente fique com a gente."