O prazo da licença-paternidade , fixado em cinco dias pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), começou a ser alterado em algumas organizações públicas e privadas. A licença-parental mais longa, que pode chegar até 180 dias em alguns casos, ainda não é adotada em muitas as empresas, mas já apresenta resultados satisfatórios nas instituições que aderiram à medida.
"Atualmente, mais de 80% dos nossos colaboradores afirmam que as ações internas de Diversidade, Equidade e Inclusão influenciam positivamente a continuidade na empresa. Também já recebemos retornos muito positivos sobre a licença parental universal, além de um aumento significativo nas menções sobre o benefício em nossas pesquisas de clima semanais", diz Viviane Pavanelli Corazza, gerente sênior de diversidade e cultura do Grupo Boticário.
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"Essas são apenas algumas das diferenças e retornos que identificamos desde a implantação da licença parental universal no ano passado. Acreditamos que toda medida implementada em favor do colaborador contribui positivamente na produtividade e nas relações que são construídas dentro e fora do Grupo", explica Viviane.
Em 2021, o Boticário implementou a licença obrigatória de quatro meses para funcionários de todos os cargos e gêneros. Desde então, a medida beneficiou 776 colaboradores, sendo 186 pais. Um deles foi o Alan Xavier, pai de uma menina de um ano e assistente de logística da Last Mile, que faz parte do Grupo. Por medo de perder a vaga, ele chegou a pensar em abrir mão do benefício ou se afastar por um período menor, mas foi tranquilizado por seus gestores. Ao retornar ao trabalho, a diferença era perceptível.
"Eu voltei como se eu não tivesse saído. Eu voltei fazendo as mesmas coisas, porém com mais gás, mais vontade, mais brilho no olho, que é uma das essências do grupo. Eu consegui entender os valores da empresa", conta Alan. "Todas as vezes que eu saía do trabalho e olhava para o olho da minha filha, via aquele brilho de querer mais, de ir atrás de mais, de conquistar mais, de ter melhores resultados dentro da empresa", conclui.
"Algumas pesquisas já demonstram os benefícios da paternidade ativa na carreira dos homens. Um estudo feito pela USP evidenciou que há um aumento no sentimento de realização e satisfação com a atividade profissional exercida e uma mudança positiva na visão de sucesso na carreira. Em relação às habilidades, foi constatado um aumento no senso de propósito, ambição, foco e determinação. É sabido que atualmente 71% dos profissionais consideram o pacote de benefícios antes de aceitar uma proposta de trabalho. Sem dúvidas, buscamos construir uma relação de confiança com os funcionários, indo além dos benefícios parentais que concedemos", diz Leandro Camilo, sócio da PwC Brasil. A empresa passou a oferecer a licença estendida de dois meses em 2016 e desde então já beneficiou 230 funcionários.
Mais tempo com os filhos
Embora não seja obrigatória, a licença-parental estendida é amplamente desejada pelos trabalhadores. De acordo com o relatório Situação da Paternidade no Brasil (2019), da ONG Promundo, 78% dos homens brasileiros defendem que os pais devem tirar licença-paternidade para passar mais tempo com os filhos. Já 64% dizem estar dispostos a fazer um “curso de pai” para ficar 20 dias com a família.
Atualmente, os empregados de uma Empresa Cidadã que comprovarem participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável têm direito a 20 dias de afastamento.
Para os funcionários que já têm acesso à medida, a licença representa um incentivo no ambiente de trabalho. "É um benefício da firma que demonstra um cuidado, porque você pode ter muito dinheiro, mas não ter a capacidade de tirar esse período. Não tem dinheiro que pague, não adianta. É um benefício que não tem como mensurar em termos de valor, quanto que vale. Sem dúvida, eu aprecio bastante. Isso com certeza faz uma diferença", diz Henrique Machado, diretor da PwC Brasil e pai de duas meninas. Assim que contou sobre a chegada da sua filha mais velha, Henrique foi informado pela empresa de que teria direito a dois meses de licença, período que foi integralmente dedicado aos cuidados com a família.
"Os sócios com quem eu trabalho me acolheram muito bem, tanto na volta quanto na saída. Durante esses dois meses, eu não trabalhei de forma alguma. Hoje em dia é muito fácil você receber e-mail, olhar e-mail, alguém te mandar mensagem pelo WhatsApp e você acabar fazendo alguma coisa. Mas nesses dois meses, eu não precisei fazer nada disso. Tanto porque as pessoas me acolheram e perceberam que é uma coisa importante tanto por uma organização que eu consegui fazer junto com outras pessoas que me ajudaram durante esse período", conta o diretor.
A ampliação da licença também pode impactar positivamente a carreira profissional das mulheres. "Nas empresas, há estudos que mostram que muitas mulheres perdem seus empregos após terem filhos. O preconceito, sexismo e discriminação dificultam a inserção das mulheres no mercado de trabalho. A licença-paternidade estendida pode ajudar a promover maior equidade de gênero ao incentivar uma mudança na cultura sexista dentro dos espaços", avalia Gabriela Reznik, colaboradora do GTPE UFRJ e pesquisadora do Museu da Vida.
Empresa Cidadã
Apesar das vantagens que a extensão da licença gera, os trabalhadores só têm direito à ampliação do afastamento quando são servidores públicos federais ou trabalham em companhia privada inscrita no programa Empresa Cidadã. Nesse caso, os pais precisam pedir a prorrogação da licença em dois dias úteis após o nascimento da criança ou ao fim do primeiro mês após o parto, sendo concedida imediatamente após o término da licença-maternidade. Para ter direito ao benefício, também é necessário que os eles comprovem participação em atividades de orientação sobre paternidade. O Ministério da Saúde sugere que a realização do pré-natal da parceira, a participação nas atividades educativas durante o pré-natal e as visitas à maternidade sirvam como comprovação.
"É preciso valorizar e incentivar em todos os segmentos a cultura da inclusão e da diversificação. Este é um momento único na vida das pessoas e cada companhia precisa internalizar a importância do acolhimento e do apoio a seus funcionários, garantindo que todos tenham as mesmas oportunidades", diz Mattia Iannone, diretor de recursos humanos para América do Sul da Ferrero. A empresa acabou de lançar seu programa de flexibilização parental, que garante 16 semanas de licença remunerada para o cuidador principal e quatro semanas para o cuidador acompanhante, independente do gênero. Além do período estendido de afastamento, o programa garante que o funcionário retorne à mesma função, sem alteração de salário, e que receba treinamento.
Reinaldo Silva, gerente nacional de trade marketing, foi um dos oito funcionários da Ferrero que já conseguiram o benefício. Ainda em licença, ele conta como a medida o está ajudando. "Ser pai é a melhor coisa do mundo. Sem dúvida, a melhor parte de nossas vidas, mas inclui assumir novas responsabilidades. E a segurança que tenho de estar trabalhando no lugar certo, sendo amparado e acolhido neste momento especial tem sido decisiva para que eu possa desempenhar melhor este papel", afirma o gerente.
"Acredito que todos os meus colegas que estão vivenciando este momento, assim como eu, têm a mesma percepção de que fomos privilegiados por podermos estar mais presentes na vida de nossos filhos, apoiando nossas companheiras(os) e família. Só na minha área de atuação somos três que já fizemos e estamos fazendo uso do benefício. É reconhecido que este benefício traz um conforto para vivenciar este momento único, como a segurança do suporte da companhia", avalia Reinaldo.
Por enquanto, o mais próximo que o Brasil está de garantir a licença-paternidade estendida para todos os trabalhadores é o Projeto de Lei 1974/2021. O texto está na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados, mas segue parado desde dezembro de 2021.
Impactos sociais
Além dos resultados positivos no mundo corporativo, os dias a mais longe do trabalho geram vantagens às relações familiares dos funcionários. Segundo o Ministério da Saúde, a licença-paternidade estimula um maior vínculo afetivo entre todos os envolvidos e gera impactos positivos para o desenvolvimento das crianças e para a igualdade de gênero. A medida também melhora o desempenho escolar e as taxas de delinquência entre as crianças, aumenta a probabilidade de amamentação durante o primeiro ano, ajuda a mudar o comportamento das famílias quanto à divisão das tarefas domésticas e diminui a diferença entre gêneros no mercado de trabalho.
"Acredito que a forma como nos relacionamos com nossas crianças mostram para elas diversas possibilidades e formas de se relacionar no mundo. Ao terem diversas referências de pessoas que cuidam e criam conjuntamente, as crianças crescem com percepções menos estereotipadas de papéis tradicionais de gênero. Além disso, a divisão de tarefas entre casais, sejam hétero ou homoafetivos, pode permitir que ambos cresçam pessoal e profissionalmente, e que haja menos sobrecarga materna", avalia Gabriela.
"Eu imagino que sem a licença eu teria me conectado muito menos com as minhas filhas nesse período. Se eu tivesse voltado em cinco dias, os meus laços com elas naqueles primeiros dias de vida teriam sido muito menores. Então, além de conectar os laços da família, meu com a minha esposa e meu com o bebê, eu acho que foi fundamental para eu viver essa experiência", diz Henrique.
Percepção parecida é compartilhada por Alan. "Eu tinha medo de ser pai. Eu tinha medo de ficar sozinho com a minha filha, tinha medo de um choro, de trocar uma fralda. Medo de qualquer pai de primeira viagem. Mas esses quatro meses foram fundamentais, extremamente importantes para que eu aprendesse, entendesse e tivesse todo entendimento de um pai para com o filho. Eu sei o motivo do choro dela, o motivo do sorriso dela", completa.