Vale-refeição: empresas travam disputa por MP que muda regras de um mercado de R$ 150 bilhões
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Vale-refeição: empresas travam disputa por MP que muda regras de um mercado de R$ 150 bilhões

A aprovação pelo Congresso, no início do mês, das  novas regras para o vale-alimentação e refeição acirrou ainda mais o mercado de benefícios aos trabalhadores, que movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano. Com divergências sobre as regras aprovadas, empresas responsáveis pela operação do serviço e restaurantes pressionam o governo nos bastidores e publicamente.

Gigantes do mercado avaliam que as mudanças podem trazer problemas para a segurança e a operação do setor. Empresas que buscam avançar no segmento veem na MP a chance de aumentar a competição.

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A medida provisória (MP), já aprovada por Câmara e Senado, está no Palácio do Planalto para análise do presidente Jair Bolsonaro e abriu uma guerra no setor. De um lado, estão gigantes como Sodexo, Alelo, Ticket e VR, que dominam 90% do mercado. Do outro, a gigante do segmento de entregas, o iFood.

Portabilidade gratuita

O texto traz uma série de mudanças. Determina a portabilidade gratuita a partir de maio de 2023, ou seja, o trabalhador escolherá qual vale quer usar. Também obriga, a partir do ano que vem, a interoperabilidade das redes credenciadas — um restaurante que aceita uma bandeira será obrigado a aceitar todas as outras, como já ocorre com cartão de crédito.

As grandes empresas que operam os benefícios defendem o veto a esses dois pontos, por meio da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT). A entidade afirma que, com o modelo atual de redes fechadas, existe o controle dos estabelecimentos comerciais aptos a aceitarem os vouchers, com checagem da qualidade das refeições e a proibição de usar os vales para compras de bebidas alcoólicas ou cigarros, por exemplo.

A entidade se posiciona contra a portabilidade: “A ação, que em um primeiro momento pode parecer simples, cria dificuldades e pode inviabilizar a concessão do benefício pelos empregadores, que passarão a ter que gerir internamente dezenas de operadoras diferentes para o pagamento do benefício”, informou em nota. 

O iFood, por sua vez, defende a sanção desses dois pontos, mesmo que eles sejam alvo de regulamentação futura. Ambos dispositivos são fundamentais para o iFood Benefícios, vertical de vales que a empresa quer deslanchar.

"Nós defendemos a manutenção da portabilidade, porque ela tira o foco do empregador e coloca o trabalhador no centro da política pública. O trabalhador vai passar a ter direito de escolha. E vai escolher o melhor produto, o que tem a melhor tecnologia, a melhor experiência, o melhor atendimento. Com relação ao arranjo aberto, isso vai facilitar muito a expansão do próprio mercado. As maquininhas vão aceitar todos os vales. Isso vai beneficiar o trabalhador e o setor de supermercado", disse Lucas Pittioni, diretor jurídico do iFood.

Marcelo Sena, advogado trabalhista, sócio na Mosello Lima Advocacia, afirma que, da forma como a portabilidade está colocada, ela poderá onerar as empresas, se não houver regulamentação posterior.

"Hoje, o empregador tem contato com uma empresa operadora do vale-refeição. Se tenho várias empresas com as quais posso interagir, a equipe vai ficar onerada. Posso precisar de mais gente, mais sistemas", disse, ressaltando que a regulamentação poderia resolver esse ponto. "As empresas deverão compartilhar a rede credenciada, o que vai facilitar muito a vida do trabalhador."

A MP proíbe ainda uma prática que ficou conhecida no mercado de benefícios como “rebate”. Grandes fornecedores de vales cobram taxa do restaurante credenciado — em torno de 6% do valor da refeição — e, ao mesmo tempo, concedem desconto ao empregador que pode chegar a 4%, dependendo do contrato. A prática, segundo a MP, deve continuar a valer nos contratos já existentes, até maio.

O fim do rebate deve favorecer principalmente as startups de cartões de benefícios flexíveis, como Caju, Flash e Swile, e torná-las mais competitivas com as grandes do mercado. As startups cobram taxa de 2% do restaurante, mas não oferecem desconto à contratante.

"O rebate é nocivo ao segmento. O governo tem um programa de benefícios (Programa de Alimentação do Trabalhador, o PAT) que beneficia as empresas e o trabalhador. A gente tem que ter isonomia", afirma Júlio Brito, general manager da Swile.

A Caju disse considerar a MP positiva para o mercado, “especialmente por proibir práticas anticompetitivas como o rebate e o pós-pagamento”. 

Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) defende o veto à portabilidade para evitar o que considera um “rebate” disfarçado por meio de promoções e cashback (dinheiro de volta). “O rebate comprava os empregadores, o cashback comprará o trabalhador. A conta ficará conosco e com o consumidor”, afirma a associação.

Saque após 60 dias

A MP permite ainda o saque pelo trabalhador do saldo não usado ao fim de 60 dias. O pedido para esse trecho ser vetado é consenso entre as empresas. Mas apenas entre 1% e 2% dos trabalhadores têm saldo acumulado de dois meses. Além disso, com o aumento do custo de vida, o saldo do vale acaba em média em 13 dias. Em 2019, ele durava 18 dias.

"Na minha visão, há um óbice legal a isso, que é a CLT. Ela fala que as importâncias, ainda que pagas habitualmente, a título de alimentação não integram a base de remuneração do empregado, desde que não pague em dinheiro. Ou seja, se saca isso em dinheiro, pode incidir encargos", afirma Matheus Quintiliano, do Velloza Advogados Associados. 

As regras da MP valem para empresas dentro ou fora do PAT, que oferece incentivos fiscais com base nos valores distribuídos aos empregados — o auxílio-alimentação fora do PAT é importante porque afasta o risco desse benefício ser visto como salário. A medida deixa claro que o vale-alimentação deverá ser usado exclusivamente no pagamento de refeições e na aquisição de gêneros alimentícios.

"Acontecia muitas vezes que esse benefício era desviado para completar o salário da pessoa ou para outros motivos que não envolviam a natureza do benefício", explica José Roberto Covac, sócio da Covac Sociedade de Advogados.

O que diz a MP

Portabilidade entre cartões

A MP permite que o trabalhador escolha com qual cartão de benefício ele deseja operar. Hoje, o contrato é fechado diretamente entre o empregador e a empresa fornecedora de benefícios. A portabilidade deverá ser gratuita e válida a partir de maio de 2023. Não está claro, porém, como isso se dará na prática — se a empresa passaria a fechar vários contratos ou se seria feita uma câmara de compensação.

Compartilhamento de redes credenciadas

Hoje, a maior parte das empresas do segmento opera nos chamados arranjos fechados, quando o cartão só é aceito na sua própria rede credenciada. Um restaurante, por exemplo, precisa ter acordos com mais de um cartão. A MP determina, porém, a interoperabilidade entre os cartões. Assim, um estabelecimento passaria a aceitar todos os tíquetes mesmo tendo acordo com apenas um deles.

Sem descontos e pagamento pré-pago

A MP proíbe que as fornecedoras de tíquetes deem descontos para contratantes do serviço. Hoje uma empresa pode contratar R$ 100 mil em vale, mas pagar menos — a diferença é compensada com cobrança de taxas para os restaurantes e supermercados. Os empregadores também não poderão mais ter prazo estendido para pagar pelos créditos concedidos aos trabalhadores. Terão que ser pré-pagos.

Regulamentação do home office

A MP ainda regulamenta o teletrabalho (o popular home office). Permite a adoção definitiva de um modelo híbrido e de um esquema de trabalho por produção, sem controle de ponto. O teletrabalho também poderá ser aplicado a aprendizes e estagiários. A presença do trabalhador no ambiente de trabalho para tarefas específicas, ainda que de forma habitual, não descaracteriza o trabalho remoto.


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