O movimento de demissão voluntária registrado nos Estados Unidos após a pandemia, que ganhou o nome de Grande Renúncia, pode ter chegado ao Brasil, ainda que em proporções mais modestas e restrito a um grupo seleto de trabalhadores.
De janeiro a maio deste ano, foram registrados 2,9 milhões de pedidos de demissão no país, o maior patamar desde 2005. Mas o perfil de quem pede para deixar o emprego no país é formado principalmente por homens, com ensino superior, na faixa etária de até 29 anos e atuação na área de tecnologia.
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Seis das dez ocupações que mais tiveram desistência do emprego são de Tecnologia da Informação (TI), um setor que já sofre com a escassez de mão de obra e deve enfrentar um apagão nos próximos anos no Brasil. Analista de desenvolvimento de sistemas, programador de sistema de informação e gerente de tecnologia da informação, nesta ordem, são as ocupações com maior número de desligamentos voluntários no período.
As informações são de um levantamento feito pela área de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com dados do Caged, do Ministério do Trabalho e Previdência. Na comparação dos primeiros cincos meses deste ano com os de 2021, houve um crescimento de 33,8% no volume de desligamentos por iniciativa do funcionário.
De acordo com o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, que também acompanha os dados do Caged, as demissões voluntárias registraram recorde no acumulado de 12 meses terminado de junho deste ano: 6,3 milhões.
Prioridades além do salário
A explicação para tantas pessoas pedindo as contas num momento em que a taxa de desemprego é de 9,3% no país é semelhante à que resume as motivações dos americanos que deixaram postos de trabalho na Grande Renúncia, mas com peculiaridades brasileiras.
O gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, explica que, historicamente, os pedidos de demissão eram motivados por questões pessoais, remuneração e desafios profissionais. Na pandemia, com as mudanças nas relações de trabalho, as prioridades passaram a ser outras.
Nos EUA, o empurrão vem da insatisfação com o trabalho ou com a proposta de retorno aos escritórios. No Brasil, porém, além de não rejeitarem a volta ao modelo antigo de trabalho, os profissionais querem e podem ganhar mais, principalmente na área de tecnologia, onde há convites até de companhias estrangeiras que pagam em dólar e aceitam o contrato remoto.
"Percebemos algumas características das pessoas que saem de maneira voluntária do trabalho. São das áreas de tecnologia e outras relacionadas, como biotecnologia, conseguem se reposicionar rapidamente no mercado e com salários mais altos", observa Goulart.
Ele destaca, ainda, que estes profissionais brasileiros querem agendas de trabalho que favoreçam a qualidade de vida, como o híbrido, o que leva as empresas a repensarem em suas ofertas de flexibilidade e de remuneração.
Imaizumi pondera que as demissões englobam todas as áreas que permitem trabalho remoto, e não apenas as de TI:
"O que aconteceu a partir de março deste ano é que as empresas começaram a voltar e o trabalhador viu que não valia mais ficar horas no trânsito, gastar almoço na rua."
Outro fator, diz o economista, é que este é um momento em que o mercado volta a aquecer e quem aceitou um emprego por salário mais baixo na pandemia agora vai atrás de uma remuneração melhor.
"No Brasil, vemos que essas demissões ainda são para um grupo privilegiado, um perfil jovem e com escolaridade. É um exemplo também de quando falamos que os homens são mais privilegiado do que as mulheres."